Capítulo 18 Parte 1 - Um Mero Interlúdio

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Não era apenas o sol que lhe perturbava, mas especialmente a vergonha que rolava a língua por suas costas e beijava seu pescoço. Desejava não enfrentar problema algum, permanecendo na cama por tempo indeterminado. Contudo, sabia muito bem como se chamava tal conforto.

A vergonha pregaria um longo jogo consigo, não sendo cautelosa ao deixá-lo tão para baixo quanto possível. Seus ouvidos eram depreciados por uma sirene, apesar de já aceitar sua falta de esperança inevitavelmente intensa. O zumbido ensurdecedor nem parecia um acontecimento incomum, muito pelo contrário - corriqueiro até demais.

Afinal de contas, se já era um homem morto por seus desejos, por que não sujeitar-se àquela mira? Inclusive despindo-se enquanto dançava, parecendo até mesmo que surgiria alívio. Pintaria um alvo em seu peito com prazer, pois aquela vergonha era tanta que mal conseguia olhar para o homem deitado ao seu lado. Vergonha de seus mais deleites sentimentos.

O destino possui um característico formão que pintava uma gravura em si próprio num granito irregular e de pouca beleza. Aquele homem sem nome procurava por Piripero, a fim de enterrar seu corpo num túmulo de madeira absolutamente esquecível. Naturalmente se questionava o porquê de permanecer escondendo os batimentos descontrolados ao presenciar aquelas feições tão cativantes, apenas prolongando seu sofrimento sem possível saída pouco dolorosa do conflito. Não acreditava estar pronto para limpar as lágrimas que escorreriam por suas bochechas.

Quase incapaz de abrir os olhos, desejava calor humano para abafar tão insano descontentamento, mesmo que significasse mentir para o outro. Virando-se e abraçando o torso nu, cheirava a nuca alheia com carinho, mesmo não lhe agradando mais aquele aroma quanto antes. O movimento alheio logo se manifestou, junto do longo suspiro e sorriso que surgiu no rosto de Neo.

Indo de encontro à face de Mix, beijou-lhe a testa, retribuindo o abraço: — É muito bom acordar assim.

— É bom começar o dia agradando quem ama. — Neo abriu um largo sorriso, infelizmente iludido por aquele par de olhos castanhos.

— Espero acordar assim todos os dias. — outro sorriso, agora de Mix. — Pensei em algumas coisas para hoje, já que não terei os treinos diários. — levantou-se, seguindo para o banheiro, jogando água para disfarçar o óleo por sua pele. — O que você acha de sairmos?

— Sair? Como um encontro? — Neo concordou. — Bom, faz tempo que não fazemos isso. — coçou a própria nuca.

— Por isso mesmo. — dizia embolado, com a escova de dentes na boca. — Às vezes é bom fazer isso para melhorar o relacionamento.

— Acho uma boa ideia. — agora foi Mix quem se dirigiu ao outro cômodo, abraçando Neo pela cintura. — Quando vamos?

— Agora. — cuspiu a água do enxágue, em seguida puxando o rapaz para o box.

E enquanto riam sem motivo algum e se provocavam apenas pelo prazer de provocar, era como se fossem amigos próximos, com um relacionamento colorido que partia principalmente do tempo agradável. A cada minuto, Mix notava mais como não agraciava a presença de Neo. Não o contemplava como fazia com obras de arte.

Afinal de contas aqueles olhos serenos e escuros como o hexadecimal zerado, rosto arredondado e fino ao mesmo tempo, cabelos lisos que caíam sobre sua testa apenas poderiam ser sinal de que Earth era perfeitamente modelado. Note a ausência de itálico em seu nome, pois agora não possuía dúvida alguma. Apenas o que lhe faltava era a coragem para lidar com a vergonha.

Uma vergonha escondida em cada sorriso e gesto de afeição. A forma com que segurava as mãos quentes do companheiro era contrastantemente fria, ausente de qualquer verdade. Mais encantado pelo café que tomava do que qualquer coisa, refletia como o seu era forte. Earth preferia café com leite, delicado e suave. Algo que curiosamente não combinava com seu grande porte.

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