Capítulo 2 - Gratidão

128 19 28
                                    

É comum gente que sente medo do escuro. Naturalmente o ser humano se desenvolveu como um animal diurno. Durante muito tempo, a noite era temida pelas pessoas, criando-se mitos e pavores que ocorriam nesse período do dia. A obscuridade vinha especialmente da incapacidade de visão.

O cérebro prega peças quando se encontra num estado de paranóia; vultos e sombras podem ser vistos de relance em momentos de crise. E além disso, criar medo e receio é um ótimo jeito de manipular sociedades inteiras, a fim de manter a ordem e o poder. Essa é, inclusive, a origem da visão de escuro semelhante a mal e claro semelhante a bom. Algo que vai muito além da racionalidade.

No escuro também é o horário mais propenso para a ocorrência de violência. Ninguém se atreve a sair, não se sabe o que pode acontecer, e os que saem correm o risco de ter o azar de um infeliz encontro com maus intencionados vir à tona. Tomando tudo isso como pressuposto, o medo do escuro é justificável.

Fazendo então com que muitas pessoas durmam melhor durante o dia; ou no caso, de manhã. Contudo, há suas consequências: pouco tempo de sono. Não são todos que possuem o privilégio de poder acordar tarde, principalmente Earth.

Não gostava de admitir isso, mas sentia o mais absoluto pavor do escuro. Irônico pensar que alguém tão aparentemente forte e durão era incapaz de andar em algum lugar durante a noite, sem um certo grau de claridade. Seu medo, contudo, é mais do que compreensível considerando o ambiente em que vivia.

Mix, por outro lado, era filho da noite. Fazia parte do grupo que apenas saía nos horários menos corridos, quando não há uma alma viva sequer nas ruas. Esse é o horário mais seguro para fazer tudo que possui desejo.

É difícil ser pego pela polícia ou gangues. O incômodo era quase indeterminavel.

Contudo, tudo isso tinha um preço; seja as profundas olheiras de Earth ou a saúde debilitada de Mix. A noite para ambos, no final das contas, era um fardo a ser carregado.

O que levava à atual situação; Earth escondia, com maquiagem, suas manchas sob os olhos, e Mix, portanto, começava a sentir o desespero por estar há mais de 6 horas sem consumir algum tipo de droga. A abstinência logo atacaria e seus sentidos seriam completamente debilitados. Suas mãos suavam e os pés batiam no chão, inquietos.

A ansiedade causada pela dependência é possivelmente o tipo mais forte que existe. É absolutamente incontrolável, não importando o que se faça; ela só passa após o consumo de algo efetivo o suficiente para saciar seu desejo desesperado.

Aquele seria o primeiro dia, como uma adaptação. Nammon havia dito que estavam seguros. A banda tocaria num pub no final da tarde enquanto os compradores receberiam as mercadorias que Mix entregaria pelos fundos. Toda atenção seria desviada.

Entretanto, a parte difícil seria carregar os dez quilos de heroína pela cidade, sem parar em nenhuma inspeção; considerando o estado da Kombi que possuíam, se tratava de uma tarefa surpreendentemente difícil. Além do mais, havia o teste do produto: a salvação inerente de Mix.

O trio esperava pacientemente dentro do apartamento pela volta de Aye. Instruídos a ir uma pessoa por vez, sabiam que ela era a melhor opção para não chamar atenção. Afinal, uma garota bonita e delicada é muito menos ameaçadora - e suspeita - que um homem alto e forte de um e oitenta que usa roupas de couro.

Portanto, com ela não trazia somente a droga, mas também mais dois homens; os vendedores. Ali passavam a compreender um pouco mais a profundidade do esquema: antes vem a produção, ilegal e geralmente de uma qualidade duvidosa. Em seguida, há a comercialização dessa droga com um grupo maior que envia para gangues menores, caindo então nas mãos de Aye.

Green Room Onde histórias criam vida. Descubra agora