Capítulo 4 - Até Parece uma Garota

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Ter um sono profundo não necessariamente significa que dormimos bem. É nos momentos que estamos inconscientes que nosso cérebro lembra dos medos e traumas. O subconsciente é uma arma poderosa, e mesmo estando com tudo a favor de uma boa noite de sono e recomposição para o dia seguinte, podemos apenas ficar mais cansados, dependendo da reação.

Pesadelos, principalmente os que envolvem a morte, causam uma aceleração cardíaca e desespero psicológico para forçar o corpo a reagir. Porém, esse autocontrole é extremamente difícil de se conseguir. Na maior parte das vezes apenas agonizamos até acordarmos assustados e ansiosos.

Com Earth não era muito diferente; talvez tivesse acordado duas ou três vezes naquela noite. Estava extremamente desconfortável, algo o perturbava. A possível hipótese era até bem óbvia; estava assustado com tudo o que havia visto na última semana. Dar de cara com pessoas como Mix traumatiza, ao menos a quem não está devidamente preparado. Apesar que, sinceramente, esse não era o único motivo.

Tudo estava perfeito demais. Bebeu e conversou com uma bela mulher, chegou a criar certa amizade ali, com certeza gostaria de vê-la novamente. Tiveram uma noite divertida, revezando entre sexo e vinho. Quando se cansaram, apenas deitaram-se nos travesseiros macios e cobertas de cetim. No dia seguinte acordariam, trocariam mais algumas conversas e cada um seguiria seu caminho. Quando sentisse falta, basta ligar.

Mais nada que um coração desamparado precisasse para se acalmar. Agora, por que isso apenas o incomodava mais? Durante a madrugada sentiu um forte aperto em seu peito, como se estivesse sufocando. Uma noite envolta de pesadelos ou apenas sonhos ruins. Não conseguia entender; com tudo que havia feito, não era para estar tão triste.

Contudo, estava. Não via a hora que poderia voltar para casa, pegar seu baixo e se isolar por todo dia que restava. Um sentimento clássico de depressão; a falta de desejo em tudo, ou em seu caso, quase tudo.

Há poucas coisas que animam Earth, entre elas a música. Não havia nada que gostasse mais do que se sentar em algum lugar e ouvir uma banda, principalmente se fosse de algum gênero que o agradasse. Como antes já comentado, não era necessariamente alguém eclético, muito pelo contrário. Estava bem em sua zona de conforto e isso já bastava.

Portanto, talvez sua resistência fosse o que o impedia de ter relações boas e tranquilas com mais de duas pessoas. Criar uma conversa se trata de algo extremamente complexo para Earth, já que ele nunca sabia como reagir a opiniões divergentes. Na maior parte das vezes apenas tentava provar que estava certo, ignorando completamente o ego alheio.

Tais defeitos já haviam sido notados pela moça ao seu lado, apesar de não ligar muito. Davika era uma mulher inteligente e muito fácil de lidar. Apesar de ter suas convicções, aceita tranquilamente as de outras pessoas, raramente implicando com algo. É mais fácil que os demais impliquem para com ela.

Concluindo, até nisso eles combinavam. Suas maiores diferenças eram, indubitavelmente, a situação financeira. Enquanto Earth se matava para conseguir uma refeição, Davika podia escolher o restaurante que quisesse. Ela tinha seu próprio apartamento, no centro da cidade. Era livre, independente, fazendo o que quiser quando quiser, uma vez que seu trabalho permitia - pelo mais horrível que possa parecer.

Não podia ignorar o fato disso intimidar Earth. No instante em que pôs os pés no prédio que Davika mora, sentiu-se absolutamente inferiorizado. Um sentimento de vergonha surgiu em sua mente, passando a se questionar quanto, em média, ela deveria receber ao fazer aqueles filmes.

E tais pensamentos continuavam a rondar sua cabeça. Mesmo já acordado há algumas horas, permanecia na cama, encarando o teto branco de gesso. Os móveis sob medida, todos podendo facilmente notar serem encomendados por um designer de interiores. A vista dava para toda a cidade, fazendo com que uma televisão fosse absolutamente descartável; era apenas sentar-se ali e apreciar.

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