Envelhecer é uma ambiguidade de sentimentos e sensações. Quanto mais envelhecemos, mais desejamos saber do nosso futuro e mais desejamos voltar ao nosso passado. Ter a sabedoria da velhice e a vitalidade da juventude, nem todos opostos vivem de mãos dadas.
Minha admiração pelas pessoas mais velhas era como podiam ser armazém de memórias tão fantásticas, experiências tão únicas e ótimos contadores de histórias (algumas tão exageradas). Porém, nem sempre a idade era sinônimo de sabedoria. Na mesma medida que poderia sair algo fascinante da boca de um ancião, poderia também sair grandes asneiras e palavras asquerosas. Era muito comum que eu recebesse pedidos de casamento de senhores que poderiam ser meus avôs e seus netos eram mais velhos que eu, sinto um arrepio só ao lembrar.
Em contrapartida, a juventude nos presenteava com um entusiasmo para conhecer tudo ao nosso redor. A agonizante sensação de estar sempre preso às correntes dos nossos responsáveis, ouvindo sermões exaustivos a qualquer deslize. Enchem o peito de orgulho para contar sobre suas aventuras, mas quando seus filhos tentam construir seu próprio caminho, são barrados pelos muros da rigidez e moralidade. E acaba sendo um ciclo sem fim.
Sem querer me gabar, mas eu me considero uma mulher de sorte, em relação às outras que já conheci. Meus tios, dois velhos lunáticos, deram-me limites na medida do que eles consideram limites. Eu tinha as suas histórias fantásticas (até mesmo quando não queria) e não precisava ouvir comentários tão escrúpulos como de outros velhos. E também tinha o ímpeto de ambos como se ainda fossem jovens.
E eu tenho a teoria de que estou vivendo isso uma outra vez, de uma nova forma.
Bill Cipher era um homem calado, culto, reservado e sério, para quem não possuía a intimidade de viver na sua casa. Bastou apenas que eu desse a liberdade para ele e meus dias nunca foram tão barulhentos vivendo na mansão.
Bill Cipher era um tagarela. Julgavam-me de ser uma mulher extremamente falante, isso porque ainda não conheciam o meu marido. Um idoso com histórias malucas, um comportamento questionável, mas tudo isso em um corpo de um homem de trinta anos. Algumas vezes eu me questionava sobre o fato do meu marido ter tantos anos e nunca ter envelhecido, porém ultimamente estou apenas relevando e fingindo que é tudo uma grande loucura.
O que deveria ser um chá da tarde tranquilo, com conversas banais e um momento a sós entre amigos em matrimônio (eu que sugerir esse nome), se tornou em Bill andando de um lado para o outro, muito entusiasmo, gesticulando as mãos sem parar e quase gritando. Tudo isso porque fiz um comentário infeliz que caiu um pouco de chá em minha roupa, ele começou a se lembrar de uma história parecida, depois outra, depois outra e outra. Agora ele não quer parar de falar:
-Sempre! Sempre, Mabel. - ele diz exaltado. -Sempre que eu dizia "Mas Leonardo, eu não vou perdoar você" ele dizia que eu era dramático. Aquele pintor sem vergonha não me deu A Monalisa, disse que havia mudado de ideia. Na última vez que nos encontramos eu derramei chá nele. Foi isso que eu fiz.
Em vão, tentei abrir minha boca para tentar dizer algo e fui cortada imediatamente pelo meu esposo:
-Sabe… - ele diz voltando a se sentar. -Eu não sou um homem dramático, um pouco teatral em alguns momentos, mas dramático? As pessoas são exageradas e me veem como um homem dramático. Concorda comigo? - não houve nem um período de tempo que pudesse abrir minha boca. -Desde muito tempo, gostei de me sobressair entre a multidão, ser o destaque e se isso me faz ser "dramático", então eu aceito esse nome.
Ele se cala, depois de quase duas horas ininterruptas, Bill Cipher ficou em silêncio por mais do que vinte segundos.
Uma das vantagens de envelhecer: aprende a como conhecer as pessoas. Não apenas apresentar seu nome, ter conversas rápidas e ter uma convivência tolerável. Conhecer de fato, saber de detalhes fúteis e imperceptíveis aos olhos desatentos. Bill tinha uma pequena cicatriz perto da sobrancelha esquerda, tão pequena que só podia ver quando ele estava de frente para mim. Conhecer realmente alguém é quando se nota as manias sutis da pessoa, como a mania que ele tem de passar as mãos no cabelo quando não sabe o que me dizer. Conhecer alguém de verdade é quando sabe o que deve dizer quando ele se cala.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Seja uma boa menina (Mabill)
Historical FictionNo fim do século XIX, na cidade de Gravity Falls, Mabel Pines vivia com seu irmão e tios uma vida tranquila e perfeita. A moça jovem, alegre, bonita e apaixonada pela vida precisa lidar com um enorme problema. Nascida em uma família rica, nunca acho...