Capítulo Quatro

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*ALICE*
 
O telefone tocou, quatro, cinco, seis vezes. Antes da sétima, eu vi Edward desligar novamente, sua expressão esculpida em gelo, totalmente apático enquanto lia meu nome no visor do celular. Precisei de toda a minha concentração para não esmagar o frágil aparelho em minha mão.
Aquele maldito teimoso! Vinha me ignorando há semanas pelo simples fato de tê-la mencionado da última vez em que nos falamos. - Ele poderia me achar um pé no saco o quanto quisesse, mas ele precisava me ouvir. Edward ainda fazia parte disso tudo. Ele já havia abandonado minha irmã antes e me obrigado a fazer o mesmo; eu não permitiria tal loucura de novo.
Os olhos brilhantes de tão carmins dançaram para mim. Se eu fosse humana, provavelmente estaria de estômago embrulhado. - Durante anos, as visões da vida comum de Bella tinham sido pequenos flashs normais, de uma garota mortal qualquer: faculdade, namoro, amizades, família. Mas então, seis semanas antes, tudo ficou uma bagunça. Mais uma vez as linhas do futuro que tinham há muito tempo desaparecido (Bella morta, pálida e sem uma gota de sangue; ou a mais assustadora de todas: Bella pálida e linda, de olhos vermelhos como sangue fresco) haviam retornado. Mas, ao contrário da última vez, Bella não estava conosco, não estava envolvida em meus braços como minha confidente e amiga, ou nos braços de Edward, sem vida. Ela estava sozinha, em algum lugar estranho, frio e soberbo. Morria ou se tornava uma de nós; eram as linhas mais claras. Havia aquela que mostrava Bella retornando à casa de sua mãe na Flórida, mas a esta altura, era um destino quase impossível de tão fraco.
Pensei em ligar para Charlie, mas ele não reagiria bem. Desligaria o telefone antes que eu tentasse convencê-lo de me contar onde ela estava. Renee seria igualmente amistosa, talvez mais delicada em sua recusa. No fim, não conseguiria informações concretas. Bella tinha suas redes sociais, mas não as utilizava com frequência, então não servia de pista de seu paradeiro, muito menos para contatá-la. Nem sabia se haveria tempo para isso. - Por mais que eu me empenhasse em tentar ver, algo bloqueava, como se a mente de Bella não soubesse das decisões que estava tomando, seguindo apenas o fluxo dos acontecimentos. Vi pastos, vi flores e vi o sol do meio-dia, mas tudo muito borrado. Havia vermelho também, muito vermelho. Um mar inteiro de ondulações avermelhadas brilhando sob o sol. Era desesperador não saber onde ela estava. Sua mente não estava sã; ela estava caminhando para o seu destino às cegas. E Edward não me atendia.
Eu o vi chegar antes mesmo que cruzasse a estrada, a oito quilômetros de distância. Ele estava leve; a caça havia sido um sucesso. Ele evoluía aos poucos em seu autocontrole e se sentia orgulhoso por isso, assim como eu. Atravessou o gramado e entrou na casa, logo em seguida subindo as escadas sem parar em um único momento. Percebi sua hesitação quando entrou no campo das minhas emoções, há poucos metros da porta do quarto. Ele entrou, uma onda de relaxamento me invadindo enquanto era carregada para que pudéssemos nos sentar na cama. Jasper precisou aninhar meu rosto em suas mãos para que eu o olhasse. Seus olhos dourados e ternos não foram o suficiente para desviar minha atenção das visões. - Um soluço fraco subiu pela minha garganta.
Outra onda de tranquilidade atravessou o meu corpo. Era um contraste estranho com a expressão afetada de Jasper. Ele estava tão furioso com Edward quanto eu, talvez um pouco mais. Era o único da família que estava a par das mudanças de visão. Contar aos outros só iria alarmá-los. Mesmo que todos fossem atrás dela, não iríamos conseguir achá-la a tempo.
— Ele vai se arrepender amargamente. - grunhiu Jasper, apertando-me em um abraço. - Por não ir atrás dela.
— Não acho que adiantaria, de qualquer jeito. - choraminguei, aninhando-me. - Eu não sei onde ela está. Ela não deixa eu ver. Está me bloqueando, mas com certeza não tem consciência disso. Estou com medo, Jaz. A Bella que eu vi… não era a nossa Bella. Não importa como, ela está morta. Seja como mortal, seja como imortal. Não era para ser assim. Ela estava vivendo tão bem.
Jasper beijou o meu rosto com ternura. Desejei dormir como os humanos, ter um momento de descanso inconsciente, longe de toda dor da mente lúcida. Contentei-me apenas com a aura de Jasper, que se empenhava em me manter sob controle.
Após alguns minutos, ouvimos o carro de Carlisle retornar pela estrada enlameada. Com o derretimento do gelo, as estradas estavam escorregadias, mas ofereciam perigo apenas aos sentidos limitado dos humanos. - Alasca era um lugar maravilhoso, independente da época do ano. Estávamos ali pelos ursos preferidos de Emmett que aos poucos saem da hibernação. Era uma temporada curta, de poucos meses, apenas aproveitando as férias.
Descemos para receber Carlisle. Como eu havia previsto, ele tinha retornado com os nossos primos, os Denali, inclusive Irina. Ela não gostava de sair de casa desde que Laurent havia desaparecido. Seu último rastro havia sido detectado nos arredores de Forks. Era como se o francês tivesse desaparecido no ar. Ela veio até mim pedindo ajuda, mas nem minhas habilidades foram capazes de localizá-lo.
Cumprimentamos a todos. Eleazar, em seus anos de astúcia, não deixou passar o meu semblante afetado. Seus olhos âmbar me acompanhavam com atenção, quase como se pudesse ler os meus pensamentos. Mas ele não era Edward, então meu estado de pânico e as visões estavam bem guardadas comigo.
Fomos para a sala principal e nos sentamos nos amplos sofás. A conversa fluiu noite adentro, o olhar de Eleazar indo dos de mais e a mim em intervalos regulares. - Ninguém perguntou sobre a ausência do irmão mais velho dos Cullen; já estavam a par da nova vida reclusa de Edward desde que saímos de Forks. - Com o tempo, aprendi a ignorar e fingir que não era comigo. De vez em quando as visões embaçaram a minha vista e precisei respirar fundo inúmeras vezes. - Estava cada vez mais perto, e não importava se eu ligasse agora ou depois, se eu partia sozinha ou acompanhada. Nada mudava. Nada.
— Você está muito inquieta hoje, Alice. - comentou Eleazar algumas horas depois. - Problemas com a sua habilidade?
Mordi a minha bochecha por dentro, usando a dor para me distrair. É claro que ele perceberia. Era o dom dele ver as habilidades de outros vampiros. Deve ter notado minha insistência compulsiva, as falhas, as nuances não preenchidas. Estava tudo estampado ali, nas entrelinhas. Enquanto Edward era prático, Eleazar era dedutivo, mas igualmente preciso.
Assim que proferiu as palavras, todos aqueles pares de olhos viraram para mim. Nunca me importei de chamar atenção, de me destacar, porém, dada a situação, parecia uma dádiva ser comum, nem que fosse por um dia.
Esme foi a primeira a se manifestar:
— Alice vem tentando falar com Edward há algum tempo. - Seu olhar era cheio de compaixão comigo e preocupação com o próprio filho. - Eles brigaram recetemente.
— Eu não entendo. - Foi a vez de Tanya falar, com indignação. - Se isolar da família, por causa de uma humana? Sei que nosso estilo de vida é em respeito e empatia para com os mortais, mas isso está passando dos limites. Vocês estão sofrendo e ele parece não ligar.
— A Srta. Swan não era uma humana qualquer. - argumentou Carlisle. - E Edward escolheu se afastar dela para protegê-la. Infelizmente, a separação da pessoa que se ama, daquela que é o seu destino, parte essencial de sua existência, não é algo fácil de lidar. Talvez o meu filho precise de alguns anos, quem sabe décadas até se recuperar e conseguir conviver com a dor sem afetar a família.
— Mas ele poderia tê-la transformado. - contra argumentou Eleazar. - Preservar esses seres de vida limitada é parte da nossa missão, mas ainda somos vampiros. Negar essa necessidade de estar com o seu companheiro… Não sei como ele consegue.
— Ele a ama demais para impor tal sofrimento. - murmurei, a voz entrecortada. Ouvi-los falar de Edward e de Bella esmagava os meus sentimentos. Se eu fosse mortal, provavelmente o meu rosto estaria repleto de lágrimas frescas. - Ele ama demais a humanidade dela. Quer que ela seja feliz sem passar pela provação que é ser um de nós.
Jasper, que permanecia ao meu lado desde que havíamos descido para receber os visitantes, abraçou-me, cobrindo-me com os seus braços compridos para que os demais não pudessem me ver. Ele não usou os seus poderes para me estabilizar, nem deveria. Eu precisava daquilo, precisava extravasar todo o meu nervosismo e angústia acumulados. - Eu chorei, um choro sem lágrimas. Tive um pequeno lampejo das intenções de Jasper e eu neguei com a cabeça, afastando o rosto de seu peito o suficiente para poder encará-lo.
— Não me leve. - sussurrei. - Já está na hora.
A fisionomia de Jaz foi manchada pela sobra do incômodo, entretanto, ele não se opôs.
Ainda sem me soltar de seus braços ou desviar atenção de seu rosto, falei:
— Carlisle, você se lembra? Quando nos reunimos à mesa para falar sobre a potencial ameaça que Bella poderia representar para nós, nossa família? - murmurei. Eu sabia sua resposta, mas queria ouvi-la, fingir que era uma vampira normal. Bella, eu deveria ter ido atrás de você no dia do telefonema. Ah, está tão perto…!
— Claro que eu lembro. - Sua voz era um misto de confusão e preocupação. Ele estava preocupado comigo; o vi perguntando se eu estava bem. Em vez disso, ele alternou para continuar a conversa. Estava curioso com o rumo que eu havia tomado. - O que tem?
— Naquela época, - murmurei, com o objetivo de deixar os Denali presentes cientes dos fatos. - Edward ainda não sabia que amava ela e que estava apaixonado. Foi aquela conversa que desencadeou tudo, todas as minhas visões, todas as possibilidades para o futuro dela e de nós. — Enfatizei a última palavra ao encarar cada um dos presentes, incluindo os nossos primos.
— O que você viu? - A pergunta de Kate era um singelo sussurro. Vi meu rosto refletido em seus olhos: eu estava mais pálida do que o normal (como isso é possível, eu não sei!) e meus olhos estavam negros, por mais que estivesse com a sede sob controle naquele momento.
— Nós a perdemos.
Esme pôs a mão sobre a boca, espantada.
— Ela… morreu?
— Não, ainda não, mas está próximo.
Então eu contei a eles as minhas visões recentes, as com maiores possibilidades - uma hora a visão de seu cadáver seco, sem sangue e sem vida prevalecia; em outro momento, a imagem estonteante de uma Bella vampira brilhava sob o sol e reluzia sob a luz da lua. - , minha busca implacável por possibilidades de encontrá-la, o bloqueio, os flashs sem nexo. Também expliquei que Edward não falava comigo pois não queria saber dela; ele não sabia o que de fato estava acontecendo e estava longe demais para alcançá-lo a tempo para contar.
— Outros de nós podem ligar para ele. - sugeriu Carmen.
— Ele não vai atender. Sabe que vou insistir de todas as maneiras.
— Então o que vamos fazer? - grunhiu Emmett. Ele caminhava de uma lado para o outro perto da porta da frente, pronto para se lançar na madrugada assim que o sinal fosse dado. Ele faria tudo por ela. Também a amava. saber que Bella estava em perigo também o deixava saturado, irritado e com medo. - Ficamos sentados e esperando?
Dei de ombros.
— Não há alternativa. - murmurei, sentindo-me derrotada.
— Não há alternativa?! - urrou Emmett, gargalhando sem achar graça. Por um décimo de segundo, considerou arrebentar a madeira a sua esquerda das dobradiças, mas não queria chatear Esme. Limitou-se apenas a bufar. - Se tivesse contado há algumas semanas, talvez pudéssemos  ter alcançado ela. Ela não está morando na Flórida com a mãe?!
— Flórida é um território do sul. - disse Jasper. - Só colocaríamos Bella em um perigo maior se ousássemos por os pés ali. Forasteiros não são bem-vindos nem duplas, quem dirá um clã inteiro. Ali é território cheio de soldados e recém-criados. Cães de briga e de caça muito bem treinados. Dezenas deles. Acha que dá conta de, no mínimo, uns quinze no seu encalço? Nos de Rosalie? Nos da mãe? - Como Emmett não respondeu, Jasper continuou: - É claro que não! Edward poderia passar despercebido, ele é bom nisso, e eu jamais deixaria Alice ir sozinha àquele ninho de monstros.
Vi Emmett buscar todo tipo de argumento possível, mas cada ideia que sua mente pensava ele logo a descartava: todas elas levavam a uma batalha suicida. E Bella a essa altura não estava mais na casa da mãe. Eu vi o avião, mas o destino estava ilegível. Ela estava evitando gravar aquilo de propósito. Não era de sua vontade estar ali.
Por fim, ele voltou a se sentar ao lado de Rosalie. Ela estava tão desgostosa quanto ele, porém ficou em silêncio. Não sabia o que dizer. Estava tão perdida quanto eu que era o maior recurso da família, a ferramenta que vigia o mundo lá fora e nos mantém a salvo de outros vampiros e da exposição. Patética, Alice Cullen. Você é patética.
— Você não precisa carregar o mundo em suas costas, minha filha. - murmurou Carlisle. Ele havia se aproximado e pôs sua mão sobre minha cabeça. Era um toque gentil; sentia-me uma criança. - Por mais que tenhamos habilidades extraordinárias, há coisas que fogem do nosso controle. Se está feito, está feito. Não se culpe por nada.
Concordei apenas com um gesto de cabeça, e voltei a me aconchegar no braços de Jasper. Mais uma vez desejei ser uma humana e poder dormir. Em vez disso, permiti-me vagar entre as linhas temporais, sem grandes expectativas, ao ponto de que nada ao redor importasse mais. - Uma espécie incomum de torpor. Desci mais fundo, até onde nem mesmo os meus olhos mentais conseguiam enxergar com clareza, onde as linhas eram finas, frágeis e envoltas de uma irritante poeira de mistérios não resolvidos.
Seria essa a forma mais próxima da humana de sonhar?

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