Capítulo Sete

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Com o súbito nervosismo de Jane e sua ordem para que o tal "mestre" fosse chamado, aos poucos quem já havia partido retornava ao local do massacre de todas aquelas pessoas; o que era irônico, pois não havia uma única gota de sangue no lugar. As únicas manchas estavam nos corpos das vítimas, e estas haviam sido levadas, o que tornou o odor ambiente mais suportável.
À medida que chegavam, a desconfiança e a curiosidade eram evidentes. Seus olhares ia de mim (sentada no chão, com uma Natalie desacordada, apoiada sobre minhas pernas, a respiração fraca e com algumas costelas afundadas onde levou o chute), até Jane (cuspindo fogo pelos olhos, não desviando sua atenção de mim nem por um momento. Algumas vezes rosnando por frustração) e ao Demetri (encostado em um pilar que sustentava a parede, há seis metros de distância. Ele também me olhava, mas em vez de fúria, seu semblante era de puro espanto, como se eu fosse uma assombração). Todos usavam roupas comuns, e se não fossem pelos olhos vermelhos, feições pálidas e pele cintilante, acharia que eram moradores quaisquer da cidade.
Estávamos no que eu deduzi ser o torreão do castelo. Não havia reparado anteriormente no ambiente em si devido ao meu estado de desespero. Agora que tínhamos sido poupadas - temporariamente -, eu podia ver e analisar tudo com paciência, tanto movida pela curiosidade quanto pelo incômodo de ter um olhar assassino sobre si. - O espaço era perfeitamente redondo e muito alto, com no mínimo dois andares de altura. A luz que iluminava o ambiente era inteira natural e entrava por grandes frestas no alto. Junto ao lado oposto ao da pequena porta, imensas cadeiras semelhantes a tronos seguiam dispostas no formato da parede, em meia lua. No meio do torreão, um ralo de esgoto aberto. Por estar mais perto dele, tentei ver se havia fundo, mas tudo estava muito escuro lá embaixo. Deduzir que poderia ser uma espécie de saída rápida. Senão, não haveria outra explicação plausível para aquilo.
Não demorou muito para que uma comitiva muito bem organizada chegasse ao recinto, diferente dos vampiros esporádicos. - Eram uns quinze vampiros, usando capas dos mais variados tons de cinza. Somente um deles usava uma cor semelhante ao de Jane, porém, não era só isso que eles tinham em comum: ambos compartilhavam do mesmo rosto angelical, do tipo que fazia os querubins se assemelharem a gárgulas. Cheguei a conclusão de que eram gêmeos. Seu cabelo era um pouco mais escuro do que o de Jane e por baixo do manto quase negro, ele vestia um terno cinza perolado. Ele vinha à frente da comitiva, e quando viu Jane, assentiu, cumprimentando-a.
— Jane. - disse ele, sua voz soando um misto de infantilidade com uma entonação grave desconexa. Mesmo em sua voz clara e bela de um vampiro, a estranheza era inevitável, o que reforçou o meu palpite de que Jane (e consequentemente, ele também) havia sido transformados muito jovens,  no início da puberdade.
Jane, ainda com o semblante afetado, retribuiu o gesto.
— Alec. - murmurou ela, ainda sem tirar os olhos de mim.
Em meus braços, Natalie oscilou, retornando parcialmente à consciência, mas logo voltou a apagar.
Demetri, que antes se mantinha distante, veio ao encontro do grupo organizado. Tentei ver entre suas capas, mas eram muitas para enxergar o que eles estavam protegendo e ocultando, ainda mais dali, do chão.
— Minha querida Jane.  - Uma voz suave, como suspiro de um amante, soou pelo salão. A comitiva abriu caminho para ele e eu o vi flutuar (podia chamar aquilo de "flutuar"; lembro-me vagarosamente de achar o andar de Alice o mais gracioso de todos, como movimentos de uma dança, mas aquilo era surreal) até a sua serva: - Heidi disse que você me requisitara.
— Sim, mestre. - Por um momento, o desconforto evidente de Jane se desfez, e ela abriu um grande sorriso para seu mestre, iluminando seu rosto como uma criança no auge de sua alegria e inocência. Se não fosse por seus olhos…
Jane foi até ele, a mão erguida para tocá-lo. Como um cavalheiro segurando a mão de uma dama, o mestre a pegou por míseros dois segundos, e então a soltou. Neste curto período, seus olhos, que eram de um vermelho enevoado, foram de curiosidade para espanto, e então deleite.
Eu assisti com cautela, analisando cada detalhe daquele ser de andar peculiar. Entretanto, não era apenas o andar que era diferente. Além dos olhos leitosos, havia a pele: sua textura não se assemelhava a granito, como era com a maioria dos vampiros daquele lugar. Parecia empoeirada e frágil em vez de macia e rígida. Sua beleza era singular, que também destoava dos de mais. Não era clássica nem moderna. Algo mais antigo. Mais primitivo, tanto que eu não conseguia distinguir sua idade. Ele poderia ter sido transformado com mais de trinta anos, ou algo próximo da minha atual idade. Seus cabelos lisos e cumpridos eram negros, tão negros como seu próprio manto; por um momento pensei que era o capuz dele.
Outros homens vestindo mantos negros saíram do meio da escolta. Um deles parecia ser bem mais velho. Seus cabelos eram completamente brancos, devido a idade humana em que foi paralisado ou por ser muito loiro. O outro era mais parecido com Aro, cabelos negros, mas não tão escuros, muito jovem e de semblante apático, diferente de seu companheiro que parecia irritado por estar ali aquela hora.
— Espero, Jane, que tenha explicações para tal importuno. - disse o homem de cabelos claros, a voz aguda e o olhar afiado.
— Caius, meu irmão, não seja duro com Jane. - disse o mestre, tentando acalmá-lo. - Não quando ela nos serve muito bem. - Ele gesticulou em minha direção. Senti meu corpo recuar meio centímetro.
Caius fez um careta esquisita e desdenhosa.
— Isso é ridículo, Aro! Já tivemos nossa refeição!
Aro riu, divertindo-se muito com a fala de seu irmão.
— E alguém falou sobre comer? - Era uma pergunta retórica. - Isso apenas se trata de lealdade.
Caius e aquele quem eu imaginei ser Marcus (aos poucos eu reconhecia seus rosto pintados no quadro do escritório de Carlisle, e lembrava de seus nomes) foram até as suas cadeiras, cada um em uma ponta. Caius resmungava e Marcus suspirava, entediado.
 - Então, explique a todos nós! - Caius estava impaciente.
— Não seremos precipitados. - Aro amenizou. - Até porque, achados como este não caem em nossas mãos todos os dias.
Vi Caius se remexer em sua cadeira.
— O que quer dizer?
— Paciência, paciência. - entoou Aro, voltando mais uma vez seus olhos para mim, prazer e curiosidade ansiosa misturadas e evidenciadas neles. - Quero primeiro detalhes pertinentes.
Aro deu alguns passos à frente, contornando o bueiro e ficando ao meu lado. Ele me olhou um pouco mais, e para Natalie desacordada. Ele se abaixou, tocando o pulso de minha amiga. Quis puxá-la de perto dele, levá-la para longe, porém, eu já tinha reaprendido o quão inútil era reagir.
— Ela parece gravemente ferida, sua amiga. - murmurou ele com doçura e compaixão. Se eu não conhecesse o mundo dos vampiros bem, talvez acreditasse em sua empatia. - Qual é o nome dela?
Mas a pergunta não era a mim. Segui o seu olhar e vi Heidi, e a reconheci como sendo a guia turística. Ou melhor, a caçadora.
— Natalie Estrada, - disse ela, sem emoção na voz, como se estivesse recitando uma lista de compras. - estudante de literatura. Dezenove anos. Pais separados. Emancipada aos quinze anos. Nenhum antecedente. E esta, - Ela apontou para mim com a cabeça. - é Isabella Swan. Vinte três anos, também estudante de literatura. Sem antecedentes. Pais separados. Vive com a mãe e com o padrasto. O pai mora numa cidadezinha do interior dos Estados Unidos, é xerife e se aposentará daqui quinze anos. Nada relevante.
Um frio na espinha subiu pelas minhas costas. -, Como ela sabia tudo aquilo sobre nós duas? Sobre mim?!
— Procedimento padrão, Srta. Isabella. - sussurrou Aro, a voz suave despreocupada. - Vivemos em um mundo em que não podemos nos arriscar a pegar a presa errada, entende? Bem, imagino que não, já que nunca viu algo parecido antes, suponho.
Permaneci em silêncio, preferindo não responder. Nem sabia se tinha forças para falar algo, visto que ainda estava gelada por dentro. - Heidi não era uma simples caçadora, afinal. Provavelmente, se ela sabia que meu pai é xerife de Forks, sabe também seu endereço. Céus, talvez até o seu telefone pessoal.
Balancei a cabeça, tentando afastar os pensamentos e sentimentos ruins.
Aro entendeu meu gesto como uma negativa.
— Sei que parecemos seres assustadores e perversos para você, mas, acredite, eu posso ser bastante perspicaz. - Ele sorriu, revelando dentes perfeitamente brancos e alinhados. Até o seu sorriso era polido demais. Em vez de criar empatia, apenas me impulsionou mais a querer fugir. - E, apesar da relutância de Jane em me chamar, ela fez bem em manter sua fidelidade, o seu dever.
Caius, que assistia tudo de cara franzida, voltou a falar:
— Não entendo absolutamente nada, Aro. Seja mais direto.
Eu não podia culpá-lo por se irritar. Até eu, uma das mais vulneráveis ali, estava ficando louca para entender o que se passava na mente de Aro.
Aro suspirou, um som de satisfação enquanto colocava o braço de Natalie mais junto ao corpo, sem romper contato. Em nenhum momento ela reagiu ao frio de suas mãos. Estava bastante inconsciente, no fim das contas. Agradeci em silêncio por isso; a última coisa que eu precisava era Natie acordada e em pânico. Não era a primeira vez que eu encarava assassinos sobrenaturais de frente e sabia que me descontrolar não iria me levar a lugar algum.
— Jane, por que você mesma não fala a todos o que descobriu sobre esta humana? - suspirou Aro, seus olhos desejosos sobre mim, um sorriso de orgulho nos lábios enquanto se dirigia a garota.
— Heidi as trouxeram para dentro. Aparentemente elas estavam tentando fugir. Quando viram os corpos, não reagiram bem e passaram mal. Demetri iria ficar com elas. Ele pegou primeiro a que está desacordada… - disse Jane.
— Natalie. - corrigiu delicadamente Aro, se levantando e passando a caminhar de uma lado para o outro, refletindo e sempre ao nosso redor, como um felino cercando sua presa.
— Natalie. - Jane pronunciou o nome a contragosto. - Bem, ele atacou Natalie primeiro, brincando com ela. Isabella tentou protegê-la, fugir com ela. Então, como parte da brincadeira, Demetri pediu para eu derrubá-la, usar os meus poderes, como eu havia feito com Natalie para acordá-la. Mas não funcionou. Ela não sentiu dor. Por diversas vezes, enquanto esperávamos pelo Mestre, eu tentei. Ainda sem reação. Ela ficou sentada aí, em silêncio, cuidando de Natalie, como se não estivesse sendo atacada por minhas habilidades. - concluiu ela com uma nota de frustração evidente.
Um borbulho de vozes espantadas e incrédulas explodiu no ar. Alec, que estava ao lado de Jane, olhou para a irmã, a rosto uma máscara de perplexidade. Com um sibilar nada sutil, Caius exigiu silêncio.
— Agora entende, meu irmão, a importância de nossa presença diante destas humanas? - murmurou Aro, fazendo sua voz reverberar pelo recinto, ainda que fosse um mísero sopro. - Lembro-me do dia em que chegou aos nossos ouvidos a história de dois irmãos, dois supostos bruxos, que seriam queimados em praça pública. Macabros eram os relatos de seus feitos medonhos. Tudo muito fantasioso, muito difícil de acreditar. Mas um pouco de fé foi o que nos fez ir até eles. E graças a esta mesma fé, hoje temos nossos queridos Alec e Jane. E Jane, como nossa serva grata, retribui essa bondade de tanto tempo atrás nos trazendo esse presente, está singularidade. Optando por nosso bem maior ao invés do alimento e da reparação do orgulho ferido.
As palavras de Aro surtiram efeito, tanto em Alec e principalmente em Jane, que sorria com ternura, esquecendo-se de mim por alguns instantes.
Caius permaneceu em silêncio, pensativo e curioso. Marcus nos olhava de cima a baixo, o cenho franzido, como se tivesse tentando ver algo em nós, mas sem sucesso. - Aro percebeu. Em vez de questionar o irmão, ele apenas assentiu, como se aquilo confirmasse as suspeitas dele e de Jane.
Aro parou de caminhar e veio em minha direção. Seus pés silenciosos e sua graça ao andar o fazia parecer um fantasma, ou um demônio transbordando charme.
— Bella, - sussurrou ele de maneira íntima, voltando a se abaixar para que nossos rostos ficassem em um nível semelhante. Seu hálito doce sopro em meu rosto; recordo de achar aquele cheiro particularmente atraente e enjoativo, mas não nele. Parecia artificial, como sua cortesia. - eu vou chamá-la desta forma pois é assim que Natie se dirige a você. Pelo que vi, você é uma amiga muito querida. A única, mais precisamente.
— Como sabe? - perguntei, a voz fraca e trêmula.
Aro sorriu.
— Há coisas nesse mundo que não podem ser explicadas em poucos segundos. Não porque seja difícil, mas poucos acreditariam. - Suspirou, como se fosse um fato muito chato e cansativo.
Engoli em seco.
— Eu vi muito hoje. Coisas que não podem ser explicadas. Mas acredito que não estou louca. - falei, soando da forma mais casual possível. Não sabia onde estava com a cabeça em me empenhar naquilo, em conversar tranquilamente com aquele vampiro.
E desde quando minha mente funciona direito?
— Sei bem o que vi. Uma explicação absurda não será o maior dos impactos, presumo.
Aro riu, uma gargalhada de puro espanto e divertimento.
— Ora, ora, vejo aqui alguém de mente afiada! - cantarolou ele, seus estranhos olhos cintilando com o brilho do sol. - Diga-me, o que sabe sobre demônios?
Era uma pergunta pela qual eu não esperava. Precisei refletir por um momento.
— Nada além do que vi em livros ou na TV. - respondi, dando de ombros, sem entender onde ele queria chegar.
— E sobre vampiros? - Seus olhos se estreitaram, como se estivesse conspirando.
Fiz o máximo de força para não deixar o corpo estremecer e que meus olhos permanecessem focados nele e em nossa conversa, impedindo que eles vagassem, entregando meu nervosismo com tal palavra.
— Nada diferente. - Fiquei surpresa com a minha capacidade de transmitir naturalidade. Até o meu coração, que sempre me entregava nessas horas, permaneceu em um ritmo aceitável. - E, bem, isso explicaria muito.
Umas das sobrancelhas de Aro se ergueu, denotando surpresa.
— Acha que somos vampiros?
— Não há outra alternativa para justificar os corpos mutilados em tão poucos segundos, sem sangue e sem vida. - respondi, e quis morder minha língua no mesmo instante.
Permaneci olhando para o Aro. Ele estava sério agora.
— Você enxerga demais. - murmurou ele, seco.
— Fui lançada em uma pilha de corpos secos. Não tem como não notar. - falei no mesmo tom, tentando ao máximo bloquear a visão daquilo. Era feio e horripilante demais.
Aro ficou calado por alguns segundos antes de explodir em gargalhadas.
Todos que assistiam, tensos, deram um pequeno pulinho de susto devido ao barulho repentino. Apenas Marcus permaneceu inabalável.
— Tem razão! Que tolice a minha. - respondeu ele amigavelmente. - Mas sim, você está certa. Somos vampiros. E, ao contrário do que dizem por aí, não somos alérgicos ao sol, como pode ver.- disse ele, gesticulando para aqueles que tinham suas peles tocadas pelo sol que entrava através das frestas no alto (janelas estreitas e compridas). - Uma mentirinha conveniente. - Ele piscou para mim.
Olhei para o brilho de diamante e então para o Aro.
— Vejo bem o porquê.
— Sim, sim. - concordou. - Uma peculiaridade da natureza. Cada célula de seu corpo, transformada em cristal. Globos de espelhos ambulantes! Quase indestrutíveis. Mas não nos resumimos apenas nossa aparência extraordinária. Temos habilidades também, além dos nossos próprios atributos físicos. Claro, não são todos, e também não são todos dotados de tais dons que  valham a pena. E é por isso que estou aqui.
— Não entendo.
— Veja, minha querida Jane ali tem a habilidade que infligir dor a quem ela quiser, na intensidade que desejar. Ela manifesta isso desde que era humana. Um dom extremamente presente. Ela nasceu para ser uma de nós. - disse, o olhar assombrado. - Alec também, apesar de que seu poder é o oposto ao de Jane. Com ele, as pessoas sentem nada. Têm todos os seus sentidos apagados. E você, Bella, também apresenta uma manifestação peculiar.
Fiquei muda. Minha mente emitia alertas de todos os tipos. Eu não sabia para qual me direcionar.
— Nunca vi ninguém ser imune a minha Jane. - explicou ele quando me viu em silêncio. - Ou mesmo a Marcus.
Então era isso. Ele estava tentando usar sua habilidade em mim.
— E esta criatura em seus braços, até quando ela manifesta a sua habilidade peculiar, você não é afetada. Isso a frustra, mas não impediu de te amar com a mais profunda sinceridade. - Ele piscou, abismado.
— Natalie? - Habilidades?
— Ora, esse poder de sedução que a sua amiga tem não é normal. Eu vi nas lembranças dela; essa é a minha habilidade: com um único toque eu posso ver cada lembrança e pensamento que a pessoa teve em toda sua vida, até aqueles que ela não lembra. O que sua Natie tem é algo muito parecido com a minha Heidi, com certeza. E ela faz isso com tanta naturalidade, faz parte dela. E é a única área que você renega. Nunca manipulável. A amiga em que ela podia confiar, que ela podia contar com a mais absoluta sinceridade de seus sentimentos sobre esta amizade… não, irmandade, por mais que muitas vezes mentisse acerca de si mesma. - Aro demonstrava uma genuína admiração.
Minha mente dava voltas. Habilidades? Irmandade? Amor? Olhei para Natalie ainda desacordada. - Eu já suspeitava de seus motivos para estar sempre ao meu lado, mas não pensei que pudesse me amar de verdade. Na minha percepção, eu era apenas um capricho de seu mundo perfeito. Obsessão confundida com amor. Mas se Aro podia ver tudo aquilo, então eu estava muito enganada.
— Ah. - arfou. - Você parece surpresa. Não esperava algo assim dela?
Acenei com a cabeça, piscando algumas vezes. Meus olhos estavam marejados contra a minha vontade. - Ela sabia que eu mentia sobre mim, sobre os meus sentimentos. Nunca fui uma boa mentirosa. Um maldito livro aberto! Ainda sim, ela não se importou, não reclamou. Talvez por saber que me machucava, por não querer me incomodar? Desde quando ela era tão generosa? - Bem, em uma realidade em que o mundo estava aos seus pés, não era de se estranhar pensar que ela poderia ser arrogante. Não que ela não fosse, boa parte do tempo.
Uma habilidade manifestada… O universo era um grande piadista. Pondo o sobrenatural em meu caminho a qualquer custo; ao custo de machucar uma inocente.
Aro estendeu sua mão para mim, como se oferecesse me ajudar a levantar. Eu fiquei olhando para ela, sem reação.
— Não suspeite de mim, Srta. Bella. Quero que saiba que sou seu amigo aqui. - ronronou. - Apenas preciso ter certeza… do que é capaz de fazer.
— Para quê? - Minha voz tremia.
— Confie em mim. - Para que me contar tudo isso com tanta naturalidade?
Ele permanece com a mão erguida, esperando-me.
Eu não confiava nele, mas dada a circunstâncias, era óbvio que eu não tinha escolha.
Precisei de um minuto para tomar coragem. Como eu suspeitava, sua pele não era como granito. Assemelhava-se mais a xisto. Ele segurou minha mão por cinco segundos, fechando os olhos e se concentrando. Quando a soltou e voltou a me encarar, estava reluzente, em êxtase.
Caius, que havia se levantado e se aproximado para olhar, foi o primeiro a romper o silêncio:
— Qual é o seu veredito, Aro? - Sua voz, mesmo sendo aguda, elevou-se dois tons, tamanha era sua ansiedade.
— O que temos aqui, meu amado Caius, - Ele sussurrou, ofegante. - é um verdadeiro achado. Não vejo nada na mente desta humana.
Aro ficou ali, admirando-me por alguns minutos. Então, subitamente, seu semblante mudou, ficando sério.  Levantou-se de onde permaneceu agachado, e recusou lentamente. - A mudança brusca me pegou desprevenida. Vi Marcus se aproximar rapidamente, sem mudanças em sua fisionomia. Caius, assim como Aro, não tirou os olhos de mim.
— E o que faremos? - perguntou Marcus. Sua voz, apesar de bela, um tenor, era sem vida.
— Ela sabe demais. As duas sabem. - sibilou Caius para Aro. - Teremos que fazer o necessário para mantermos tudo em ordem.
— Tem razão. - assentiu Aro. - Mas isso não seria um desperdício?
— E alguém falou em desperdício? - desdenhou Marcus, sorrindo amarelo.
Eu não gostava do rumo para qual aquela conversa ia. Parecia que estava se decidindo sobre nossas vidas. E era bem provável que fosse isso, se eu não estivesse ficando louca e ouvindo coisas.
— Não. Ninguém falou em desperdício. - concordou Aro. - Félix, pegue Natalie. Cuidarei de ambas individualmente. Para as masmorras.
Antes que eu pudesse processar o que ele dizia, tive Natalie arrancada de mim por um vampiro muito alto e muito largo. Não vi o seu rosto; minha atenção estava inteiramente voltada para Natalie. Tentei puxá-la para mim de novo, gritando com aquele desgraçado. Alguém me agarrou por trás e me fez ajoelhar de novo no chão. O vampiro grandalhão desapareceu da mesma forma que surgiu.
Aro me olhava com compaixão.
Ele gesticulou para quem me segurava e pediu para que me trouxesse até ele.
— Você não precisa temer por você ou por sua amiga. Você serão muito bem-vindas aqui. - Ele acariciou minha bochecha com as pontas dos dedos. - Podem ir.
E com isso, fui carregada de maneira inumana para fora do torreão. Presa em um aperto de ferro, meu carcereiro e eu nos lançamos no ralo aberto, desaparecendo na escuridão gélida dos subsolos de Volterra.

Depois do CrepúsculoOnde histórias criam vida. Descubra agora