Euryanthe 527 II

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– Atenção humanos – a criatura sibilou no sistema de informações – Estamos oficialmente tomando posse da do planeta, e estamos com fome – um chiado reverberou pelas ruas – Podem entregar filhotes em troca de comida e suas tocas de volta, ou podem morrer de fome no deserto.

Dentro do sistema de tratamento de água vários olhos se encararam, eu estava cansado de ficar todo molhado e segui adiante até que eles resolvessem falar. Faziam 79 horas que o ataque havia começado, sabia disso porque a última garota que entrou nos informou a hora exata, não fazíamos ideia de que alguém com menos de 20 anos tinha sobrevivido, ela é um estranho milagre, mesmo sendo cega ela trouxe muitas informações adicionais de onde os Pyramus estavam.

Diferente do protocolo de evacuação todos os pesquisadores entraram em pânico, pude acompanhar isso da janela da cozinha, o alarme disparou e vários daqueles bichos entraram nas casas vizinhas, eu fiquei em silêncio e esperei a brigada de auxílio dentro do quarto desocupado, meus filhos apareceram ensopados de um líquido estranho e me levaram para os tubos. E cá estamos, ninguém lembrou de trazer comida suficiente, os comunicadores estavam lá, mas não funcionavam no subsolo, e a tendência daquela lata de sardinha era esquentar mais com o Sol desbravando o céu.

– Não temos crianças para fazer trocas – foi o que o primeiro gênio destacou

– E mesmo se tivéssemos não faríamos troca alguma – minha filha esbravejou orgulhosa – Ninguém vai pisar na superfície sem um plano concreto.

Algumas cabeças concordaram com os olhos arregalados.

– Precisamos de provisões – reclamei constatando o óbvio, esses novatos esquecem que nessa atmosfera um humano não sobrevive 3 dias sem comida ou água limpa – o mais sensato seria mandar grupos para superfície à noite, pessoas que conheçam a cidade e saibam onde os armazéns ficam.

Pequenas discussões desorganizadas começaram, tínhamos muitos problemas e vários líderes de pesquisa que não faziam ideia de como liderar um grupo de sobreviventes.

– Algum patrulhador presente – alguém bem sensato gritou

Tínhamos três deles, um precisava de um médico urgentemente.

Se seguiram perguntas parecidas, descobrimos que uma enfermeira estava presente, dois professores, um piloto, cinco aposentados como eu, e os outros cem eram pesquisadores que conseguiram fugir do segundo centro de pesquisa. Que belo grupo.

– A garota que chegou por último, qual o nome dela? – perguntei

Um murmúrio começou a circular pelas pessoas e a garota foi sendo guiada até minha posição.

– Fernanda – ela ergueu o rosto cheio de pequenos cortes – Meu nome é Fernanda senhor, meus pais estavam no laboratório...

A atmosfera do lugar ficou pesada, todos esperaram um choro incontrolável vir, e ao invés disso ela respirou fundo.

– Sabem se mais pessoas podem ter entrado em outro túnel? – ela perguntou

– Esse era um dos locais sugeridos pelo protocolo de segurança – uma mulher respondeu – Não sabemos se os outros estão sendo usados.

– Não tem um sistema de comunicação nos locais?

– Infelizmente ele ainda não tinha sido implantado completamente...

– Tudo nesse lugar parece ser feito pela metade – ela estendeu os braços procurando alguém para se apoiar – Nem o sistema de localização sabia do protocolo de segurança.

O grupo de imbecis ficou em silêncio. Eles eram os responsáveis pela construção do sistema de localização e também por todo o sistema que envolvia os protocolos de segurança, não serviam nem para terminar de digitar linhas de códigos ruins no computador. Ninguém sabia por quanto tempo seria possível sobreviver nos túneis.

– Sabemos a extensão dos túneis, e algumas marcas indicam as salas habitáveis – o mais novo dos pesquisadores respondeu – Vamos seguir e encontrar a sala 15, não acredito que algum outro tenha a sorte que essa garota teve ao escapar.

Comecei a andar antes que o garoto terminasse, precisava de um lugar seco, meus pés estavam doendo de passar tanto tempo em pé e esperando pessoas estranhas chegarem. Realmente existiam as tais marcações nos túneis, ninguém perguntou se deveríamos seguir outro número, continuamos procurando a quinze.

Algumas horas depois distribuímos os alimentos que todos tinham, ninguém havia comido antes, o racionamento começaria depois dessa primeira refeição. O túnel estava mais fresco e seco, o garoto de antes disse que faltavam poucos quilômetros agora, descansaremos quando chegarmos à sala.

*

– É menor do que diziam nos relatórios – foi o que os pesquisadores disseram antes de tudo

Tínhamos duas salas que comportam tranquilamente todos nós, a despensa estava cheia, tínhamos janelas angulares e um sistema de comunicação que não servia nem para jogar tetris.

Racionamento, economia e planos para os próximos passos eram a nova rotina na nossa grande lata de sardinha.

*

Há algumas semanas começaram incursões para a cidade, fizemos varreduras pelos dutos próximos e marcamos as entradas, saídas e trechos não finalizados, foi um caos ridículo. Descobrimos que a nossa casa de metal estava isolada, graças ao genial projeto que não previa um reajuste da tubulação, acabamos sozinhos e cheios de canos que levavam a pedras e areia.

Pelo menos sabíamos que não havia risco nenhum de inundação, a água que empoçava alguns pontos foi oriunda dos testes de resistência do material, estávamos em uma tubulação teste, com sorte ela resistiria ao clima do planeta.

Nas incursões percebemos que havia uma urgência maior, um líder, estávamos capengando como baratas tontas sem fazer ideia de como demarcar os caminhos, ou racionar a comida, a maioria de nós lamentava a situação e não fazia nada a respeito.

Um dos patrulheiros foi nomeado, tendo uma cientista como suplente, eles conheciam bem a cidade, com ajuda da garota Fernanda desenharam mapas e formaram grupos de busca para a próxima noite. Com a sorte de um dos pesquisadores ter trazido um gerador solar, tínhamos eletricidade, escassa mas suficiente para eles escreverem seus números nas telas e tentar terminar o sistema de comunicação.

A busca foi um completo fracasso, um dos grupos acabou sendo pego, estavam procurando familiares, os outros grupos foram perseguidos até a areia começar a ficar mais densa. O fato mais estranho de tudo isso é que alguns deles estavam quase despertos, os motivos só viriam à tona muitos anos depois, cientistas e seus segredos estranhos...

Fui encarregado da comunicação, as pessoas realmente sabem como manter um velho entediado, eu deveria manter os ouvidos atentos a qualquer chamado e anotar as frequências. Em uma noite da semana passada ouvi uma voz sussurrando:

– Precisamos de aju... – e um farfalhar de plantas ao fundo

Todos achavam que era um deles tentando nos fazer sair, alguns apostam em pilotos perdidos orbitando o planeta. Enfim, nunca saberemos.

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