Cinco passos até a cozinha, sete passos até a escadas, 23 degraus até os quartos.
Apendi a contar antes mesmo de começar a falar, números eram tão preciosos quanto sons, ou mesmo os perfumes diários.
- Não é um lugar para garotas como ela! - ouvi meu pai gritando pela primeira vez aos 15 anos
Gritos sempre soam como sons selvagens para mim, nunca imaginei que meu próprio pai fosse um animal enfurecido.
Minha mãe sempre falava em um tom baixo, neutro, mas nessa discussão ela tinha um tom diferente, eu me encostei na parede da sala e fiquei escutando o que parecia uma discussão.
Íamos ir para algum lugar, distante o bastante para não podermos voltar, eles tinham medo de não poder voltar, eu estava feliz em sair daqui.
Era uma ótima vizinhança, cheia de árvores, e sensores de presença, perfeito para uma garota como eu, não precisava de ninguém para me acompanhar em uma caminhada. Eu ia à padaria, lia no parque, caminhava até a escola, como uma pessoa normal.
Ou quase normal.
Pessoas normais não tinham o meu chip de informações, ele funcionava como um terceiro olho, para mim ele era meu único, avisando os lugares que eu passava, e quando era seguro atravessar a rua, um GPS que emitia uma voz irritante na minha cabeça, um mal necessário.
Sincronizado com minhas telas multifuncionais ele fazia tudo, desde que a rede funcionasse, sem ele eu estava sozinha no escuro de novo.
Nesse novo lugar, eu não teria o sistema funcionando plenamente, não teria o rastreador que mantinha meus pais calmos, não poderia dar mais que 8 passos porta afora.
Quando viajamos, ninguém tinha me explicado que demorariam anos, nem que eu seria mantida em um caixão gelado, não envelheceria, e ouviria todas as conversas sobre "novos visitantes", "água vermelha" e comentários sobre quem enlouquecia no deserto.
Quando acordei era quente, o bastante para derreter a nave inteira, barulhos por todo lado, cheiro de metal fervendo, era o nosso novo planeta, um grande inferno para a raça humana.
Minha nova casa tinha paredes frias e desiguais, não tinha janelas, não tinha escada, não tinha o sistema de reconhecimento.
Eu comecei a contar, mas todos os passos pareciam dar no mesmo canto, a casa parecia...
- Ela é um círculo Fernanda - senti minha mãe segurar meus ombros - um maldito círculo único, casas iguais, ruas iguais, esse lugar parece um grande condomínio espelhado.
Senti meu pai bufando em algum lugar do outro lado, estava tão insatisfeito quanto eu, trazendo caixas para dentro, e as jogando violentamente no chão.
- Você disse que eles teriam o sistema para a Fernanda.
- Parcialmente desenvolvido...
- O caminho todo ela não ouviu nada Larissa - ele tinha vindo na nossa direção - Acha mesmo que vale a pena deixar que eles ignorem nossa filha desse jeito?
- Lucas, era a nossa pesquisa que...
- Sua pesquisa, a minha poderia ser desenvolvida na Terra.
- Mesmo que você queira voltar, sabe que nossos corpos não aguentariam outra viagem, estamos aqui, então vamos fazer de tudo para melhorar esse lugar.
Ele suspirou, sabia que ela estava certa, e não iria brigar com ela na minha frente, eles precisavam do incentivo monetário dos novos colonizadores, tinham dívidas enormes desde o meu nascimento, um filho diferente obriga os pais a terem tudo que é de mais moderno, um filho cego deixa qualquer família falida.
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Invasores
Science FictionNo outro mundo quem são eles, quem são aquelas coisas que vieram para a nossa morada, destruíram o nosso lar e pensam que tudo é seu por direito? A minha vida foi destruída, eu não tinha ideia do que poderia acontecer comigo ou qualquer um que ficas...