Segurei meu irmão nos braços e rezei em silêncio, as vezes me pergunto se Deus pode nos alcançar mesmo tão longe da Terra, não sei se ele ouviu os meus pedidos quando os meus pais ficaram doentes. Somos o último grupo que foi mandado a Ceres, somente os que estavam "em condições" poderiam pousar, então eles foram descartados, contraíram um vírus incurável no caminho.
E aqui estou eu segurando uma criança de 3 anos e encarando aquela superfície que parecia de papel, todos desciam as escadas rápido, fiquei parada pensando sobre o último lugar que vi meus pais, abandonar a nave era abandonar a lembrança deles também.
Fiquei lá até um dos androides me pedir para descer no planeta, eles ficariam lá por um mês, e depois fariam a viagem de volta, trazer suprimentos para as novas gerações, ou algo assim.
*
O ar era pesado, apesar de todas as modificações ridículas na atmosfera, era como respirar em uma tempestade de poeira. Era seguro, de acordo com os estudiosos.
Nunca confiei nesses caras, nasci e cresci na nave, ouvi homens que diziam saber muito adoecerem e morrerem no caminho, o conhecimento não era suficiente para manter pessoas vivas, precisávamos de união, de comprometimento.
Apesar dos androides comandantes estabelecerem a igualdade, muitos se separaram por considerarem sua criação melhor, seu status na Terra melhor, era incontrolável, as crianças diziam que não precisavam ser ensinadas por máquinas.
Em pouco tempo eu vi amigos sumirem na nave, pessoas pararem de conversar, diziam que Ceres seria dividida como a Terra foi, e logo a sujeira iria consumir tudo, seja lá o que for tudo isso não quero fazer parte.
*
Para não levantar suspeitas cumprimentei os vizinhos e me instalei com o Tomas, ele era pequeno demais para entender o que estava acontecendo, ficava andando pela casa, acho que esperava sentir algum dos motores reserva ligarem. Desde que nasceu sabíamos que não ia falar, suas pregas vocais não se desenvolveram, eu evitava falar perto dele, nós éramos irmãos, e ele precisava saber que era normal, mesmo sendo o único que não fala que passou nos testes de aprovação para Ceres.
Cozinhei os desidratados e comemos com o caldo que os vizinhos ofereceram, não tinha o melhor gosto, mas precisava manter nós dois saudáveis, ganhar mais massa e bem rápido.
Depois de levar Tomás para dormir fiz a inscrição no programa de auxílio de empregos, as pessoas geralmente já chegavam cadastradas, mas eu era menor de idade e não tinha opções muito amigáveis.
Durante vinte dias ajudei na biblioteca central, limpezas e reorganização da base de dados, tínhamos livros impressos, mas eles eram únicos e só podiam ser usados por pesquisadores. Era um trabalho divertido, encontrava todo o tipo de curiosos lá, todos os dias tínhamos várias pessoas lendo, alguns dos mais velhos diziam que na Terra era bem diferente disso tudo.
Eu esperava que sim.
À noite eu vasculhava a nave, a nossa casa era bem próxima ao local de pouso e me acostumei a observar diariamente, qualquer sinal de decolagem e eu estaria pronta. Nessa noite em particular vi os androides formarem uma longa fila e inspecionar a nave usando os leitores digitais, corri para a casa e peguei um Tomás sonolento nos braços. A mochila de suprimentos estava nas minhas costas quando ouvi um barulho forte. A nave estava recolhendo as escadas quando alcancei a entrada lateral, por sorte a porta não nos fecha para fora.
As portas laterais davam para os dormitórios, exatamente onde eu queria que ficássemos, seria uma longa viagem e eu precisava de dois compartimentos de sono funcionando. Seria tarde demais quando um deles nos encontrasse, com sorte seria quando pousamos na Terra.
Abracei Tomás, dei a pílula do sono e iniciei a cápsula dele, era a última, eu precisaria dormir antes que a cápsula se enchesse de líquido, ou não iria aguentar. Senti quando decolamos, contei os segundos e ativei manualmente o gerador que manteria nós dois ativos sem qualquer vestígio.
Encarei pelo vidro meu irmão sendo engolido pelo líquido lilás.
Fechei meus olhos e desejei uma longa noite de sono.
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Invasores
Science FictionNo outro mundo quem são eles, quem são aquelas coisas que vieram para a nossa morada, destruíram o nosso lar e pensam que tudo é seu por direito? A minha vida foi destruída, eu não tinha ideia do que poderia acontecer comigo ou qualquer um que ficas...