Capítulo 1

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ANASTASIA AFUNDA NA SOCIEDADE
Londres Junho de 1833

Se pelo menos a Condessa de Liverpool não admirasse tanto criaturas aquáticas,
talvez as coisas tivessem se desenrolado de maneira diferente.

Talvez ninguém tivesse testemunhado os eventos do dia 13 de junho, a última e lendária festa ao ar livre da temporada de 1833 . Talvez as pessoas de Londres tivessem apenas se enfiado alegremente em milhares de carruagens que se espalhariam como besouros pelo interior da Inglaterra para viver o idílio do verão. Talvez...

Mas, um ano antes, a Condessa de Liverpool recebeu de presente meia dúzia de belos peixes brancos e laranja que , disseram-lhe, descendiam em linha direta dos amados animais do Xogum do Japão. Anastasia, por sua vez, achou aquela história toda inacreditável, já que o Japão vivia isolado do resto do mundo. Mas Lady Liverpool tinha um orgulho imenso de seus peixes de estimação, e cuidava deles com uma paixão quase fanática. Seis se transformaram em duas dúzias, o aquário extra-grande em que as criaturas foram entregues teve que ser trocado por um tanque que só podia ser descrito como um lago em miniatura.

Os peixes mexeram tanto com a imaginação da condessa que a Recepção de Verão dos Liverpool teve como tema, por mais estranho que pareça, a China, apesar de a condessa saber menos ainda da China do que sabia do Japão. De fato, quando Lady Liverpool recebeu os convidados em seu elaborado vestido diáfano de seda laranja e branca — que por óbvio pretendia evocar seus queridos peixes —, ela explicou a confusão:

__É notório que ninguém sabe nada a respeito do Japão. É um lugar terrivelmente reservado, e por isso não teria a menor graça para ser usado como inspiração de um tema. E a China fica ali do ladinho... É praticamente a mesma coisa.

Quando Anastasia explicou à condessa que, na verdade, não eram a mesma coisa, a condessa soltou um risinho e gesticulou com um braço repleto de nadadeiras de seda.

__Não se aflija, Lady Anastasia. Tenho certeza de que a China também tem seus peixes.

Anastasia desviou o olhar para a mãe após aquela declaração de ignorância da condessa, mas não obteve apoio. Durante semanas, Anastasia insistiu que China e Japão não eram a mesma coisa, mas ninguém estava disposto a ouvi-la — sua mãe estava agradecida demais por ter sido convidada para uma festa com tantos detalhes complexos. As irmãs Steele, afinal, eram especialistas em complexidade.

Elas, bem como o resto da aristocracia, compareceram desfilando com rendas e sedas vermelhas e douradas, brocados uns mais intricados que os outros, com o visual encimado por chapéus ousados, que sem dúvida mantiveram os chapeleiros de Londres trabalhando dia e noite desde que os convites começaram a ser distribuídos.

Anastasia, contudo, resistiu à insistência da mãe para que participasse daquela farsa e, para o desgosto da família, foi à festa usando um vestido comum amarelo-claro. E foi assim que naquele lindo dia, no meio de junho, Lady Liverpool ficou com pena da pobre e desinteressante Anastasia— a garota que não era a Steele mais bonita, nem a mais interessante, nem a que melhor tocava piano — e sugeriu que a jovem "peixe fora d'água" pudesse gostar de conhecer os peixes em seu próprio ambiente.

Anastasia aceitou, alegre, a oferta. Grata por se distanciar da festa cheia de aristocratas risonhas e críticas, que evitavam, cuidadosamente, ela e sua família. Não existe, afinal, encarada mais óbvia do que a que evita seu objeto. Isso é verdade comprovada, em especial, quando os objetos em questão são tão difíceis de ignorar.

Os olhares perseguiam as jovens Steele desde seus debutes — cinco em quatro anos —, cada uma delas tornando-se menos bem- vinda na sociedade do que a outra, de modo que os convites foram ficando escassos enquanto os anos passavam.

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