Capítulo 19

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ENTRE QUATRO PAREDES — CONFISSÕES DO CASTELO DE CÚMBRIA



Naquela noite, muito depois de a casa sossegar, Anastasia torcia para que seus pensamentos fizessem o mesmo. Ela estava sentada na beira da cama, usando um dos robes de Sesily, de um lindo cetim verde- grama coberto de pérolas e plumas, por cima de uma camisola de seda combinando e sapatilhas.

Aquilo era uma fantasia mais do que qualquer outra coisa — um uniforme. Ela precisava usar aquilo para fazer o que incontáveis outras mulheres haviam feito em trajes semelhantes. Arrumar um marido.

Tentando afastar o dissabor que veio com o pensamento, ela encarava a porta entre o quarto dela e o de Christian. Ela tinha feito tudo o que podia para adiar o momento de encontrá-lo; tomou banho e trocou o curativo no ombro, secou o cabelo junto ao fogo e o escovou até brilhar. Era tarde o bastante para que ele sem dúvida estivesse na cama, sem dúvida dormindo, sem pensar nela.

Eles mal tinham se falado desde que a família dela chegou. Christian a deixou no mesmo instante , sem dúvida grato por sua responsabilidade para com ela ter chegado ao fim. Os Steele jantaram apenas com ele, pois o duque não foi encontrado, e as irmãs de Steele se mostraram dispostas a preencher qualquer silêncio constrangedor que surgisse com conversas a respeito de Londres e da Sociedade. Christian permaneceu em silêncio, respondendo apenas as perguntas feitas diretamente a ele. As irmãs de Anastasia perceberam que não deveriam tentar conversar com ele.

Houve um momento em que a condessa
perguntou sobre a viagem deles — por que tinha demorado tanto. Christian olhou para Anastasia após a pergunta, surpreso pelo fato de a condessa, aparentemente, não saber que a filha levou um tiro e se recuperou em Sprotbrough.

Anastasia não teve tempo de contar para sua família o que aconteceu, pois, por mais estranho que pudesse parecer, um ferimento de bala parecia trivial se comparado ao ferimento que sua família tinha sofrido. Ou o que ela causaria a Christian.

Anastasia o observou durante todo o jantar, memorizando seu rosto, seus olhos, o modo como seus lábios se curvavam ao redor das palavras . Ela queria lembrar todos os pequenos momentos que pudesse antes dessa noite . Antes que batesse naquela porta e mudasse a vida deles para sempre.

Se ela conseguisse encontrar coragem para tanto. Se ela conseguisse encontrar disposição para tanto. Talvez ele a recusasse.

Essa ideia trouxe alívio. Se ele a recusasse, sua família teria que encontrar outro modo. Se ele a recusasse, ela poderia ir embora e começar outra vida. Ela nunca teria que voltar a Londres. A Mossband. Ela poderia desaparecer e sua família poderia tocar a vida sem ela. Christian poderia tocar a vida sem ela.

Anastasia teria que tocar sua vida sem ele.
Aquele pensamento doeu no peito dela, onde seu coração de algum modo ainda batia, apesar de tudo, e ela soltou o ar pesadamente, levantando e indo até a porta adjacente . Ela podia acabar com aquilo naquele instante . Ela bateria, ele a recusaria, ela iria embora. Ainda que Anastasia quisesse, desesperadamente, que ele a aceitasse.

Mas não deste modo. Não, não desse modo. Mas a ideia de que ela nunca mais o veria, nunca mais o tocaria, nunca mais estaria perto dele... Era tortura.

Anastasia pôs a mão na porta, a palma apoiada no mogno frio, e baixou a cabeça até encostar a testa na madeira. Inspirando fundo, imaginando que podia sentir o cheiro dele ali, do outro lado — sabão, especiarias e Christian. Quanto ela o queria, e quão pouco queria aquilo.

Ela se endireitou e ergueu a mão, preparando-se para se anunciar, quando uma batida ecoou na porta principal do seu quarto. Anastasia afastou a mão do mogno como se a tivesse queimado, e no mesmo instante abriu distância entre si e a entrada para o quarto dele. Foi até a porta e a abriu,revelando Seraphina, que tinha as mãos sobre a barriga.

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