Déspota Remanescente

Capítulo 3: O Pesadelo

13 de Maio de 1980. Dorothy estava seguindo sua rotina: acordar, preparar o café, ligar o toca-discos, tomar café, escovar os dentes, trocar de roupa e assistir televisão. Seu pai não estava em casa. Era uma terça-feira, e Dorothy tinha que estar na escola ao meio dia, mas como eram 11:57, Dorothy já estava do lado de fora de sua casa, aguardando pela chegada do ônibus, mas algo a incomodava naquela fria e iluminada terça-feira. Onde estava todo mundo? Não havia ninguém na rua! Nenhum vizinho, nenhum conhecido ou desconhecido, absolutamente ninguém, nem mesmo os Wattersons, um casal de idosos que adorava fazer caminhada naquele horário.

Aquela rua estava desértica. Apenas uma brisa gélida tomava conta do ambiente. As árvores balançavam com a delicada força do vento. Dorothy estava na calçada, de costas para sua casa. Uma pequena casa que mais se parece uma cabana feita de madeira. Pequenos arbustos no quintal daquela casa a embelezavam. Mas nem mesmo os pássaros que antes cantarolavam compareceram para mostrar o seu belo canto.

E então, naquela rua ainda gélida e seca, iluminada pelos poucos raios de Sol, que pairava sobre o céu, havia alguém atrás de Dorothy, e quando a garota se virou de costas para ver quem era aquela pessoa, aquele sujeito trajado de um terno e boina preta pressionou o que parecia ser um gatilho. O desconhecido estava empunhando um revólver na sua mão direita, que disparou uma bala contra a menina. Assim, o disparo acabou causando a morte da pobre e inocente Dorothy. Um assassinato à sangue frio que banhou o chão com o sangue da garota. Molhou de vermelho sua blusa branca feita de lã. Aparentemente, tal sujeito pouco se importava se seria preso ou se continuaria à solta. Ele apenas caminhou para frente, deixando a arma cair no chão, próximo ao corpo da então morta Dorothy. Ele seguiu andando em frente naquela rua desértica, sem rumo e sem direção. Mal molhou as solas de seus sapatos com o sangue da jovial, e pouco ligava para a arma caída ao chão.

Não demorou muito tempo para que Dorothy percebesse que aquilo era só um sonho. A garota também percebeu que o homem que disparou contra ela não tinha um rosto. Aquilo não era um sonho, era um pesadelo. O que aquilo significava? A garota voltou a dormir. Ela precisava dormir, tinha aula no dia 14 de Maio, uma quarta-feira. Ela sabia que um simples sonho ou pesadelo pode significar muita coisa, e isso pode nos dizer muito sobre a sociedade ou a época a qual vivemos, e Dorothy sabia que aquele sujeito sem rosto era ninguém mais do que a própria sociedade. A maioria dos membros da sociedade sempre buscam pela autopreservação, e se para isso for necessário assassinar alguém, que o faça. Que baleie uma pessoa estando próxima à sua casa. Que esfaqueie um cidadão pelas cosias. Neste caso, o assassinato em seu pesadelo não foi por autopreservação, mas sim, por puro desgosto, por puro ódio. Dorothy se sentia odiada por todos da sociedade a ponto de deduzir que a sociedade a mataria a qualquer hora.

Dorothy é uma garota extremamente inteligente para sua idade, e sempre estava refletindo sobre a sociedade explosiva a qual ela vive. As pessoas que vivem em Hell's Kitchen são cruéis. Hell's Kitchen se tornou um lugar sem leis, sem ordens, sem restrições. A garota então, depois de acordar, pegou seu caderno de desenhou e começou a desenhar um dragão enorme em uma das poucas páginas vazias, ou ao menos as que restavam. Os dragões, para Dorothy, são como déspotas remanescentes, são criaturas que vivem pelo mundo e são livres. Podem fazer seus inimigos queimarem, arderem, e podem sobrevoá-los ou espioná-los. Dragões são criaturas com total liberdade em um mundo sem leis, sem ordens, sem restrições. Dorothy queria ser como um dragão, uma déspota remanescente, alguém que tenha liberdade de fazer o que quiser em um mundo devastado pela sociedade. As espadas em seu caderno refletiam sua paixão pela esgrima e por espadas, facas e outros materiais cortantes. Dorothy começou a se interessar tanto por esgrima que já quer se tornar uma esgrimista, a melhor esgrimista que ela puder ser. Terminado o desenho do dragão, ela começou a fazer anotações.