No meio da noite Raimundo acorda assustado com o som do trovão. Logo imaginou que fosse um tiro, um disparo. Sentiu-se condenado pela noite, mas não sabia explicar pelo que. Tinha a sensação de que era algo muito grave.
Madalena também despertou com o grito de seu companheiro. Observou atentamente ao redor do acampamento. Não havia luar e as últimas brasas ardiam na fogueira.
Lembrou-se do que aconteceu dias antes e de como haviam chegado àquele lugar inóspito e um tanto hostil.
Depois de um dia a cavalo se aproximaram de uma enorme cadeia de montanhas. Montaram seu acampamento nas proximidades.
- Tem uma luz por detrás daquela serra!
- Onde?
- A espingarda, depressa!
- Eu vi, Raimundo! Já tenho na minha mira!
- Não erra!
Um disparo seguido de silêncio... Foi aí que Raimundo despertou com o trovão. Olha para a mulher ao seu lado. Era uma total estranha. Não sabia nada a seu respeito. Ele a conheceu no dia anterior.
- O que está te afligindo, Raimundo?
- Não tenho certeza, Madalena!
- É sobre o vilarejo, não é?
- Sim. Ou talvez não! Eu não me lembro. Estava muito embriagado. Devo ter falado muita besteira pra você durante a viagem!
- Não se preocupe! Meu pai era pior...
- Por isso você aceitou vir comigo?
- Não quero falar sobre isso!
Um momento de silêncio. Raimundo nem conseguia saber o que tinha feito ontem e agora queria saber da vida de uma desconhecida. Quanta pretensão! Riu por dentro e se acusou como o maior imbecil do mundo. Madalena se calou. Por fim adormeceram.
Durante o sono Raimundo remói as lembranças mais recentes vividas naquela semana:
Sentia a cabeça e o rosto quentes pelo sol. Era meio-dia. Até as três da tarde faria muito calor. A boca seca, que ardia como sol, pedia água. Quanto tempo mais aguentaria a viagem? Durante semanas ele percorreu aquela região desértica até finalmente chegar ao último vilarejo antes da fronteira. Trazia apenas sua viola às costas. O cantil de água havia secado ontem à tarde. A última refeição foi há dois dias. Cansaço, fome e sede. Nestas condições se aceitaria qualquer coisa para saciar essas necessidades.
Na cantina havia muita gente. Mas ninguém aceitou a presença do forasteiro. Ele insistiu. Um homem armado ordenou: "Sua viola! Ou não comerá!". O aventureiro, embora contrariado, aceita a troca. Tocou e cantou. Agradou tanto que alguém lhe dá uma garrafa de aguardente.
Além do pedaço de pão, a dona do lugar, por compaixão, lhe indica um esconderijo para passar a noite: "A região é muito perigosa para seguir viagem. Descanse hoje e vá amanhã cedo, antes do nascer do sol!". Tentando dormir, fez a si mesmo uma promessa: "um dia desses arranjo outra viola!".
Antes do amanhecer, havia juntado suas coisas e já estava a uns cem metros fora do povoado quando alguém o chamou. Era o tal homem armado. Fez uma proposta: "Amigo, ouça! As coisas aqui estão muito monótonas! Nossa gente se alegrou com sua música e me pediu para convida-lo a seguir com seu espetáculo todas as noites!". O aventureiro pensou e respondeu: "Mas ontem não parecia que me queriam!". "Em nome de todos peço desculpas pelo mal entendido. Aqui vivemos em paz e não queremos problemas vindos de fora. Mas você é um homem honrado! Seja bem vindo!". "Mas ninguém aqui me conhece!". "Não importa o passado se hoje você faz algo de bom para alguém!". "Obrigado! Eu aceito! Mas também vou precisar da minha viola!".

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O Fim do Deserto
Macerahistória inspirada na canção "Romance no Deserto" de Raimundo Fagner"