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Por Maraísa
Arrumar nossas coisas, entrar no ônibus, viajar por horas, parar para ir ao banheiro, montar o trailer para dormir a noite, depois seguir viagem até o destino final, pertencer ali por 15 dias e, depois repetir. Essa era minha vida desde que me entendo por gente.
Dessa vez iríamos sair de Curitiba em direção a uma cidade do interior de São Paulo, porque de acordo com Tonho, o pessoal do interior curte os artistas circenses. Eu estava cansada, minha cabeça doía e, eu não tinha um mísero centavo nem para comprar um medicamento, já que todo o meu dinheiro foi utilizado para comprar gasolina para a van que usávamos.
Minha irmã Maiara dormia ao meu lado tranquilamente, ela estava feliz, já que finalmente tinha ganho uma função importante no circo, a de ficar na recepção cobrando os ingressos. Tonho a permitiu fazer isso depois de muita insistência por parte dela, alegando que, ela era capaz de fazer mais do que, apenas limpezas, todavia, pelo seu grau precário de estudos e, por não ter nenhum dom artístico, ele não permitia que ela fizesse nada, o que a aborrecia.
Eu por outro lado, nasci com uma veia artística apurada, gostava de cantar, o que fazia escondido de todos, todavia, um certo dia, Maiara escutou meu canto e chamou meus pais, que ouviram e, acharam que seria útil uma voz dessas no circo. Por isso, comecei a me apresentar desde os 10 anos, e, de lá para cá nunca mais parei e, mesmo que não quisesse mais seguir com aquilo era obrigada a continuar.
Havia chamado Maiara diversas vezes para cantar comigo, mas ela dizia que não era capaz, que não conseguia, o que fazia com que ela ficasse sempre de lado nas apresentações.
Meus pais eram artistas assim como eu, minha mãe era uma grande acrobata e meu pai um palhaço de renome, os dois tinham um circo em parceria com primo da minha mãe, o Antônio, a quem chamavam carinhosamente de Tonho. Durante anos, eles ficaram juntos, até que meu pai, apaixonado por uma fã, decidiu largar tudo para viver esse amor, largando o circo, para viver uma vida mais "normal". Minha mãe sofreu muito na época, não aceitando o fato de perder o grande amor de sua vida e, em uma noite de apresentações, caiu do picadeiro, tendo uma morte instantânea. Maiara e eu ficamos órfãs, sem saber o que fazer, foi quando Tonho, disse que, poderíamos ficar com ele.
Maiara não queria continuar nas viagens intermináveis pelo Brasil, dizia que não tinha talento e, por diversas vezes quis desistir, alegando que queria estudar e ser uma grande advogada, entretanto, eu não tinha coragem de deixar a única parte da minha família que havia restado e, como não tinha a mínima vontade de estudar, não queria ir com ela. E se não desse certo? E se passássemos fome? Com o circo pelo menos, tínhamos algo para comer todos os dias, não era muito, mas o suficiente para que não morrêssemos de fome.
Com o tempo, Maiara desistiu da ideia de retornar aos estudos, o que foi um alívio para mim, afinal de contas, o circo era minha arte, a minha essência e, apesar de tudo, eu não saberia viver sem ele. Todavia, também não seria capaz de viver sem ela.
[...]
A segunda feira começou chuvosa, havíamos chegado e, eu estava morrendo de vontade de passar o dia inteiro na cama, entretanto, Tonho e Maiara disseram que, apesar de ser a estrela do cinema, necessitava ajudar a arrumar as coisas, para o espetáculo que ocorreria ao anoitecer.
Bufei, sentindo um cansaço imenso invadir todo o meu corpo devido a viagem e as noites mal dormidas, todavia,apesar de tudo, levantei-me e comecei a ajudá-los.
Fernando, um rapaz alto, moreno, barba por fazer, estava montando a lona do circo, enquanto Maiara o ajudava, enquanto isso, Marília, uma mulher loira, com os olhos negros auxiliava os demais rapazes a tirar todos os equipamentos do carro.
Aproximei-me de Marília, que estava ocupada demais pegando algumas malas com certa dificuldade, amparei-a e, com meu auxílio, conseguimos descarregar a van completamente.
"Hoje o dia será cansativo" Ela disse sentando-se em uma das cadeiras da plateia, os cabelos claros molhados de suor e o rosto cansado. Marília era mais nova do que nós, havia sido deixada no circo por uma família que veio assistir a apresentação e, não tinha condições de criá-la, deixando-a conosco, na época ela tinha 3 anos, e acostumou-se completamente com nossa vida nômade. Não sabíamos quem eram seus pais, o único dado que tínhamos era de que ela havia sido entregue a minha mãe logo após sua apresentação na cidade de Goiânia.
Marília e eu éramos muito amigas, apesar da diferença de 5 anos, entre eu e ela, tínhamos uma afinidade ímpar, a qual causava ciúmes em Maiara, que dizia que, a qualquer momento iria me deixar e seguir seu sonho e, que eu não teria tempo para sentir sua falta, pois teria a companhia de Marília. Eu ignorava os seus dramas, o que fazia com que ela ficasse ainda mais nervosa, todavia, ela se arrependia depois e, tudo voltava como era antes.
Marília gostava de escrever, ela compunha as músicas que eu cantava e, com isso, conseguia lucrar algum dinheiro por fora. Havia chamado ela diversas vezes para cantar comigo, contudo, ela não tinha coragem, era tímida e, não gostava de apresentar-se, preferindo ficar nos bastidores.
"Os dias sempre são cansativos Marília!" Disse suspirando, vendo os meninos montarem o picadeiro, eles pareciam tão cansados como nós, todavia, não podiam parar nenhum segundo. Ela segurou em minha mão "Você reclama de barriga cheia, deveria estar feliz por ser tão reconhecida aqui no circo Imperial, seu número é um dos mais importantes" Ela falou sincera, eu ri sarcasticamente.
"Desde quando uma artista de circo é reconhecida? Eu não sou ninguém Marília!" Disse aumentando o meu tom de voz. Ela bufou
"Só acho que você deveria reclamar menos, sei lá, ser mais feliz, como a sua irmã, que não tem a metade do seu talento, mas é muito mais carismática" Explicou e levantou-se dali, não me deixando responder. Xinguei-a mentalmente, ela não era capaz de entender que eu não estava feliz fazendo aquilo, que tudo que eu mais queria era ter uma vida normal, uma casa fixa, dinheiro, família, trabalho estável, sem a necessidade de ficar pulando de cidade em cidade, como se fosse uma cigana.
"Eu queria casar" Disse baixo "Ter alguém para chamar de meu, uma pessoa que me amasse" Uma lágrima solitária escorreu pelos meus olhos "Filhos para cuidar" Complementei "Mas isso é impossível!" Finalizei, limpando as lágrimas que insistiam em cair.
Quem se apaixonaria por uma artista circense? Qual imbecil seria louco a bastante para dar bola para alguém como eu? Que atributos eu tinha para ofertar? Olhei-me de cima a baixo, achei-me feia, mal cuidada, os cabelos necessitando urgentemente de uma hidratação, as unhas quebradiças, a pele ressecada. Sinceramente, se estivéssemos em um conto de fadas, eu seria a bruxa, aquela que ninguém quer por perto.
Envergonhada pelo meu estado, decidi que aquela seria a minha noite, e que, apesar do pouco dinheiro que tinha daria um jeito de me arrumar melhor, cuidar mais de mim, para pelo menos estar bem comigo mesma.
Fui até o trailer e encontrei uma Maiara deitada na cama improvisada mexendo no celular, ela estava compenetrada vendo sei lá o que.
"Irmã, olha o que eu achei" Ela disse aprontando algo para o celular, mas eu a ignorei, indo em direção ao armário e pegando o pouco dinheiro que me restava.
"Aonde você vai?" Ela perguntou curiosa, senti que ela vinha caminhando atrás de mim, mas não dei bola.
"Cuidar de mim" Disse batendo a porta do trailer e indo em direção à rua
"Maraísa, o espetáculo vai começar daqui a pouco! Aonde você vai criatura?" Ela perguntou preocupada. Dei de ombros.
[...]
Caminhei até o centro da cidade, o qual, por estar localizado em uma cidade do interior não era tão longe do circo, ali avistei algumas lojas. Comprei alguns cremes, maquiagem, esmaltes, um perfume e sai. Nunca havia me dado o luxo de me produzir, todavia, algo em mim dizia que, se eu o fizesse talvez as coisas mudariam.
Estava a ponto de ir embora quando passei em frente a uma loja de roupas, onde avistei um vestido longo negro como a noite, meus olhos brilharam, e eu pensei em comprar, entretanto, em que lugar eu o usaria ? Aquilo era chique demais para uma apresentação em um circo de quinta categoria, onde apenas aqueles que não tinham dinheiro para fazer coisas mais rebuscadas iam.
"Talvez se um dia eu arranjar um namorado eu possa usar" Pensei, mas aquilo era impossível, mesmo que eu arranjasse um namorado, ele seria tão pobre quanto eu!
Decidida a me humilhar, entrei na loja, experimentei o vestido e, para minha surpresa ele caiu como uma luva em meu corpo franzino e magro.
"Você está divina!" A vendedora disse "Parece a dama da noite" Ela sorriu e, eu me olhei diversas vezes no espelho, como se não me reconhecesse. Aquela era realmente eu ou apenas mais uma miragem?
"Quanto é?" Perguntei com receio de que aquele vestido fosse mais caro do que tudo que eu já havia ganho na vida.
"R$ 300,00" Ela disse séria, notando meu desespero "Mas fazemos em 10x sem juros" Ela disse "No cartão" Completou. Pobre moça! Eu não tinha endereço fixo, não tinha como ter um cartão! Uma onda de desapontamento pairou sobre mim e, eu me recordei minha verdadeira origem.
"Você é uma artista de circo Maraísa! Contente-se com isso!" Pensei, todavia, por alguma ironia do destino, eu queria ignorar essa frase.
Peguei a carteira, contei as notas e paguei o vestido. O meu dinheiro do mês estava gasto, eu me xingaria depois, todavia, meu ego necessitava disso e, eu não iria desaponta-lo.
Viveria o resto do mês a base de pão com mortadela, mas usaria aquele vestido, nem que precisasse morrer por conta disso!
[...]
"Aonde você estava irmã?" Uma Maiara atordoada chamou-me, ela estava na frente do circo andando em círculos desesperada.
"Fazendo compras" Disse mostrando a sacola
"Você pegou nosso dinheiro para comprar porcarias?" Ela perguntou
"Nosso não, meu dinheiro!" Disse nervosa, pisando duro e indo em direção ao trailer.
Hoje era meu dia de beleza e, ninguém iria estragar isso!
Chegando ao trailer, fui até o banheiro improvisado, tirei minhas roupas e, observei-me durante alguns instantes no espelho.
Meus cabelos negros iam até a altura dos meus seios, meus olhos da mesma cor, pareciam inexpressivos, como se necessitassem de algo para realça-los, minha pele estava queimada por conta do sol escaldante que havia pego durante todos os dias na estrada. Meus seios eram fartos, bem definidos, alinhados com o restante do corpo, minha barriga estava escondida, quase sem nenhuma gordura, resultado da comida escassa que tínhamos. As pernas eram torneadas, resultado das muitas caminhadas que fazia em meu tempo livre. É, eu não era a mais bela das mulheres, todavia, havia como melhorar minha aparência.
Lavei meus cabelos cuidadosamente e deixei-os em banho de creme por alguns minutos, enquanto isso, fiz minhas unhas, passando um esmalte em tom nude, enxagüei os cabelos, sequei-os e, com a ajuda de alguns grampos fiz alguns cachos. Hidratei minha pele com o hidratante que havia comprado e fiz uma leve maquiagem, realçando meus olhos.
Fui até minha mala e peguei um vestido vermelho, curto de paetês, o qual realçava ainda mais minha pele clara e meus cabelos negros, por fim, soltei meus cabelos, que formavam leves ondas e coloquei um par de saltos, que havia ganhado de Maiara em um dos nossos aniversários. O sapato era velho, mas, devido a escuridão do circo, ninguém iria reparar.
Olhei-me no espelho e, parecia que estava diante de outra Maraísa, alguém mais bela, mais jovial. Espantei-me ao ver, o que uma simples maquiagem era capaz de fazer e, ri sozinha ao perceber que, apesar da miséria em que vivíamos, eu podia me cuidar melhor.
"Anda Maraísa, não temos o dia todo!" Uma Maiara entrou nervosa no trailer e, encontrou-me em frente ao espelho do banheiro assustada, como se tivesse visto um fantasma.
"Já estou pronta Maiara, obrigada por avisar!" Disse a encarando "O que houve? Viu fantasma?" Perguntei
"Irmã, você está simplesmente uma gata!" Ela disse me olhando dos pés a cabeça completamente surpresa. "Nunca te vi se arrumar assim. O que aconteceu?" Ela perguntou
"Cansei de viver na miséria e, me comportar como uma pobre qualquer que não se cuida. A partir de agora serei uma pobre digna, que tem uma auto estima elevada" Falei com um sorriso nos lábios e Maiara encarou-me
"Irmã, está faltando uma coisa!" Ela disse indo em direção ao quarto e procurando alguma coisa em sua bolsa de mão. Fiquei parada esperando que ela voltasse, quando ela reapareceu com um batom vermelho em mãos.
"Tome, passe isso" Ela disse me entregando "Você estará vestida para matar!" Ela falou sorrindo. Eu peguei o batom de suas mãos e, passei, ele realçava meus lábios carnudos, dando-me um ar imponente, como se eu fosse uma daquelas madames da alta sociedade que eu via nas revistas de moda.
Passei a mão pelo vestido, sentindo-me a própria Cinderela após passar por toda a transformação pela fada madrinha, todavia, a diferença era de que eu era minha própria fada madrinha.
Maiara pegou na minha mão e caminhamos juntas em direção ao circo. Dessa vez eu sentia que meu número seria diferente, algo em mim havia mudado e, com toda certeza, eu deixaria que isso transparecesse, até mesmo em minha voz. Era como se no meu íntimo eu soubesse que algo aconteceria, fazendo com que meu coração pulsasse mais forte.
Eu não sabia o que iria acontecer, entretanto, o que quer que fosse me surpreenderia.
[...]
Todos me elogiaram pela escolha da roupa, Marília disse que eu parecia ser uma cantora de sucesso e me pediu um autógrafo. Tonho me olhou admirado, assim como Fernando, o qual me elogiou, dizendo que eu era a mulher mais linda da noite, esse fato causou um ciúmes imenso em Maiara, a qual nutria um certo sentimento por ele, por mais que não quisesse admitir.
Enquanto o espetáculo acontecia, pude olhar o público que o assistia, eram em sua maioria crianças, as quais se divertiam com as palhaçadas bobas de Murilo, entretanto, um rapaz me chamou atenção. Era um homem alto, de cabelos castanhos desgrenhados e, uma barba por fazer. Tinha os olhos cor de mel e, um nariz afilado, dando-lhe um ar imponente. Usava uma blusa polo branca e uma calça jeans. Ele sorria com as piadas sem graça de Murilo e, eu desejei internamente que Murilo nunca mais parasse de conta-las, pois, a cada vez que eu via o seu sorriso meu coração pulsava de uma forma diferente.
"Quem é esse homem?" Perguntei intimamente a mim mesma "Será o pai de alguma criança?" Continuei os pensamentos "Mas não tem nenhuma criança ao lado dele. Será que veio sozinho?" Questionei-me. Ainda o encarava, quando Tonho tocou meu ombro e disse que era hora do show.
Entrei no palco vagarosamente, esquecendo-me do tal homem e concentrando-me apenas em cantar, como se o restante do mundo não importasse.
Todavia, eu conseguia sentir o olhar desse mesmo homem me comendo com os olhos, fitando cada parte do meu corpo, observando-me e, desejando-me intimamente. Meus olhos que antes estavam fechados, abriram-se no momento do refrão da música e, eu pude perceber que minhas impressões eram verdadeiras, ele não tirava os olhos de mim!
Cantei olhando para ele, e mesmo assim, isso não o intimidou. Meu coração batia forte, minhas mãos suavam tanto que eu achei que o microfone fosse cair e, bem, minha calcinha, sempre tão seca, tornou-se úmida. Seria desejo? Atrações carnais por um desconhecido? O que estava acontecendo comigo?
A música terminou e, como uma ladra, resolvi fugir dali o quanto antes, não sem antes escutar todos os aplausos do público, todavia, estava tão atordoada que precisava sair dali e entrar no meu trailer e, sei lá, fantasiar uma noite de amor entre eu e aquele homem charmoso e desconhecido.
Suspirei pensando nele e, imaginando tudo que ele poderia fazer, se tivesse algum tempo a sós comigo.
Maiara quis pegar meu braço, querendo me contar alguma coisa, entretanto, eu não lhe dei ouvidos, corri para o meu trailer, entrei debaixo do chuveiro e tirei toda aquela maquiagem. Que homem lindo! Pensei enquanto me ensaboava e, minha mente ia criando as mais variadas cenas.
E se eu me casasse com ele? E se ele fosse o pai dos meus filhos? Como seria viver com alguém tão lindo como ele? Balancei a cabeça e os pensamentos se esvaíram, trazendo-me de volta a realidade.
"Chega de sonhos adolescentes!" Disse nervosa para mim mesma "Você já tem 23 anos, comporte-se como uma adulta!"
Após o banho, coloquei um vestido simples, com uma estampa floral, meus cabelos ainda conservavam os cachos e eu estava louca para comer algo, quando escutei vozes na sala. Suspirei tentando reconhecê-las, e percebi que Maiara, Tonho e uma terceira pessoa conversavam, todavia, não era capaz de identificar quem era o dono daquela voz grossa e máscula.
Suspirei fundo, imaginando ser algum fornecedor e, caminhei em direção a sala, afinal de contas, precisava ser educada, mesmo que meu estômago roncasse por comida.
Preparada para encontrar um fornecedor velho e feio na sala, senti meu coração pulsar mais forte ao vê-lo parado conversando com Maiara, entretanto, assim que me viu, nossos olhares cruzaram-se e tudo pareceu desaparecer, restando apenas nós dois.
O que ele fazia ali? Por que havia se dado o trabalho de vir até o meu trailer? Será que ele havia gostado de mim como eu havia gostado dele? Suspirei o encarando, ele sorria de uma forma tão linda que eu tive vontade de abraçá-lo fortemente.
Deus o que havia acontecido comigo? Quando havia me tornado tão sentimental? Eu que sempre fora forte para questões amorosas!
Você está agindo como Maiara! Pensei enquanto suspirava por aquele homem bonito a minha frente.
Minha irmã nos apresentou e, apertamos nossas mãos, o choque foi brutal ao sentirmos o contato pele a pele. Minha calcinha não aguentaria um golpe desse novamente, muito menos o meu coração! Sem anestesia nenhuma ele me abraçou e, eu pude me inebriar pelo seu perfume, era algo amadeirado, fazendo com que minha mente pura cultivasse os pensamentos mais impróprios possíveis.
Sentir seu corpo ao meu fez com que eu sentisse a necessidade imediata de beija-lo, todavia, isso não parecia a coisa certa a fazer. Eu o conhecia há sei lá? 1 hora?!
O abraço foi rápido, mas o suficiente para fazer com que eu me desequilibrasse completamente e, tivesse uma vontade súbita de mandar todos ali embora e, ficar a sós com aquele desconhecido.
Uma garrafa de vinho, uma boa conversa, roupas espalhadas pelo chão, um pouco de música e, teríamos uma noite perfeita, entretanto, ele não me parecia o tipo de homem a apreciar essa ideia.
O tal rapaz, que descobri chamar-se Danilo disse que eu cantava muito bem e que, deveria continuar fazendo isso, pois tinha talento, esse fato fez com que pela primeira vez em minha vida eu sentisse que fazia algo útil, que emocionava as pessoas. Entretanto, por não estar acostumada a elogios, senti meu rosto corar e, rezei mentalmente para que ele não percebesse, caso contrário eu estaria ferrada.
Enquanto eu buscava possíveis assuntos para conversar com ele,Maiara começou uma conversa sobre advocacia, e eu senti como se meu coração fosse sair pela boca, ele era advogado, um homem importante, de negócios. Que merda estaria fazendo em um circo de esquina?! Provavelmente seria rico, teria posses, quem sabe, teria até mesmo uma namorada rica que ele fazia questão de presentear com coisas caras.
Uma raiva súbita tomou conta de mim ao ver Maiara conversando sobre direito com aquele homem, eles eram feitos um para o outro! Ele poderia até mesmo ajudá-la a realizar o grande sonho de sua vida! Os dois seriam um casal feliz de advogados e, eu ficaria ali chupando o dedo, passando o resto de meus dias naquele circo! Quis correr dali, todavia, nesse instante minha irmã pareceu recordar-se da minha presença e, passou a me elogiar, dizendo que eu era um prodígio.
Novamente ele se voltou para mim, sorrindo e me encarando e, eu suspirei internamente! Maiara e eu começamos uma discussão com olhares, afinal de contas, era nítido o clima que estava se formando dentro daquela sala. De um lado um Danilo tímido, que assim como eu parecia ter muita coisa a dizer, mas tinha medo de falar o que pensava, de outro um Tonho que olhava tudo aquilo desconfiado, como se quisesse entender quem era aquele estranho, enquanto uma Maiara não calava a boca e, eu imaginava como seria o meu possível futuro ao lado daquele homem tão charmoso.
Como se percebesse o clima que estava se formando Danilo despediu-se. Todos me encararam, como se dissessem internamente "Leve-o até a porta, ele veio ver você!" Eu o segui e, segurei na maçaneta, minhas mãos suavam e, eu tive medo de que ele percebesse. Deus eu estou agindo como uma adolescente com todos os hormônios a flor da pele!
E nos despedimos com um novo aperto de mão e, ele me elogiou, todavia, eu estava ocupada demais centrada em seus olhos castanhos. Só tive tempo de pedir que ele voltasse mais vezes, entretanto, tive dúvidas se aquilo realmente ocorreria.
E ele finalmente se foi e, eu fechei a porta suspirando e fechando os olhos. Maiara ria como uma adolescente.
"Hum....." Ela disse olhando em meus olhos "Eu notei os olhares de vocês dois, ele não tirava os olhos de você!" Completou rindo e eu me senti vermelha como um pimentão "Cara ele está tão na sua!" Continuou apontando para mim e rindo como se fora uma criança de 10 anos que deu o primeiro beijo no garoto mais bonito da escola.
"Ele não é para o seu bico" Escutei Tonho dizer "Esse rapaz provavelmente só veio aqui por educação, então as duas, deveriam se comportar como tal e, não ficar criando historinhas de romance!" Ele disse nos repreendendo "Maiara, não ponha caraminholas na cabeça da sua irmã, ela é racional e, jamais se envolveria com um rapaz desse porte" Ele falou saindo dali nos deixando sozinhas.
Tonho tinha razão, eu não podia me envolver com ele! Não era o certo! Ele veio até o meu trailer por educação, não foi nada demais. Nunca ninguém havia feito isso, vir até o meu trailer e me elogiar, mas, tudo tinha uma primeira vez.
[...]
Dormir foi uma coisa que eu não fiz naquela noite, afinal de contas, ainda estava pensativa em tudo que estava ocorrendo em minha vida, minha mudança de visual, a chegada de Danilo, sua visita inesperada, as palavras de Tonho. Tudo isso eram motivos para eu ponderar.
Maiara roncava ao meu lado e, eu a invejei por dormir tão tranquilamente, brigávamos todos os dias, mas eu não saberia viver sem a minha balala, era algo mais forte do que eu. E eu a amava com todas as minhas forças.
Por não ter dormido, levantei-me às 5:00 da manhã e comecei a caminhar pela cidade, eu gostava de fazer isso, colocar meus fones de ouvido e andar por aí, para pensar um pouco na vida. Danilo tomava conta de quase todos os meus pensamentos e, quase todas as músicas que eu escutava me remetiam a ele, todavia, eu buscava não pensar nisso. Isso era paixão, algo passageiro, daqui há alguns meses, esse sentimento seria esquecido, como as páginas velhas de um livro.
Sentei-me em um banco, o sertanejo ecoando no fone de ouvido, e comecei a pensar em todas as paixões que eu já havia tido. Não foram muitas e nenhuma delas teve um futuro, não passando de momentos.
Mas como ter um futuro se, a minha vida era nômade? Como me entregar a alguém se, eu não tinha uma vida enraizada em uma cidade, como as pessoas comuns? Assim era difícil construir o que eu almejava. Todavia, eu não sabia fazer nada além de cantar, não tinha estudo o suficiente e, nem vontade de voltar à escola e, começar toda aquela monotonia novamente. Bufei com raiva de mim e da minha vida medíocre, levantei-me e rumei em direção ao circo, afinal de contas, eu tinha muito o que fazer naquele dia.
[...]
Maiara estava desperta quando cheguei, ela já havia tomado banho e, estava preparando o café para levarmos para o picadeiro. Nossas refeições eram feitas em conjunto, assim, todos nós dividíamos e, não saia pesado para ninguém.
"Aonde você estava?" Ela me perguntou coando o café
"Por aí" Disse dando de ombros "Estava pensando na vida" Finalizei
"Pensando na vida ou em Danilo?" Ela perguntou e eu suspirei pesadamente
"Que Danilo?"Perguntei fingindo que não me recordava do rapaz da noite anterior
"Você sabe muito bem que Danilo, e eu sei que ele mexeu com você" Ela disse sorrindo e eu quis chorar.
"Foi algo momentâneo Maiara, vamos seguir o conselho de Tonho e esquecer isso, é o melhor para todos nós" Falei indo em direção ao banheiro para tomar banho. Maiara foi atrás de mim.
"Irmã, posso te falar uma coisa?"Ela perguntou e eu assenti positivamente com a cabeça
"Se eu não fosse tão apaixonada pelo Fernando eu pegava o Danilo. Se você não pegasse, óbvio" Ela disse rindo no final e, uma onda de ciúmes surgiu em meu ser. Ela pareceu notar.
"Ele é seu irmã, eu não faria isso! Só se você me permitisse e me prometesse que não sente nada por ele. Entretanto, você sabe, eu amo o Fernando, mesmo que ele não dê a mínima para mim" Ela falou triste e, eu a abracei carinhosamente. Maiara era apaixonada pelo Fernando. Sua função era andar no globo da morte.
Fernando era um rapaz de poucas palavras, tímido, com um passado obscuro que ninguém conhecia, a única coisa que sabíamos é que ele era carioca e que tinha uma filha de um casamento anterior, a quem tinha que mandar pensão todos os meses. Ele não era de se misturar muito, estava sempre sozinho com um rádio na mão ouvindo músicas.
"Você sabe que ele não é para você" Disse suspirando "Sabe também que ele é um rapaz frio, que se aproveita das mulheres. Inclusive há alguns dias atrás eu o vi indo para o trailer dele com uma das meninas da limpeza" Eu falei sincera, sem omitir nada, doía ver minha irmã sofrendo, entretanto, era melhor ela saber por mim do que pelos outros.
"As vezes ela foi limpar o trailer dele que estava sujo"Ela disse ingênua e eu dei risada.
"Limpar o trailer sujo dele ás 22:00 da noite? Acorda Maiara!" Disse estalando os dedos em frente a ela, a fim de que ela acordasse "Você merece coisa melhor!" Expliquei
"Eu merecia um Danilo" Ela disse baixo para que eu não escutasse
"Maiara, mesmo que ele gostasse de você, ele não é para o seu bico. Você tem noção que esse rapaz é estudado, deve ter família, filhos, uma vida estável, ele não é como nós" Expliquei
"Eu nunca ficaria com ele irmã, mas não por conta disso, eu não teria coragem de ficar com alguém que você gosta" Ela disse "E por mais que você não queria admitir, sei que sentiu algo por ele e, ele por você. Eu vi quando ele chegou na bilheteria, seu olhar era vago, sem vida, contudo, quando ele te viu tudo mudou, seus olhos brilhavam tanto que pareciam dois diamantes" Ela explicou e meu coração deu um salto ao imaginar que ele pudesse ter gostado de mim.
No intuito de não prolongar a conversa já que meu estômago roncava de fome, abracei Maiara com força, ela encostou a cabeça em meu peito e fechou os olhos.
"Irmã, seu coração está batendo diferente" Ela disse "Mais forte, acho que é pelo Danilo" Continuou e eu sorri, amava a imaginação fértil de minha irmã.
[...]
Durante o dia, eu fiquei ensaiando com Marília, ela havia composto uma música, a qual, segundo ela, se enquadraria muito bem em meu timbre de voz. Ela tocava o violão e, eu a acompanhava com minha voz. Estávamos concentradas quando escuto uma Maiara correndo eufórica, vindo em nossa direção.
"Irmã, você não sabe quem está lá fora!" Ela disse ofegante, o rosto vermelho de tanto correr e o suor escorrendo pela sua testa.
"Deve ser o papa" Marília disse rindo e eu a acompanhei. Gargalhamos durante alguns instantes, mas ela nos olhava seria.
"Quem está lá fora Maiara?" Perguntei sem dar muita importância, normalmente não recebíamos visitas fora do espetáculo
"É o Danilo" Meu coração pulou para boca e eu senti meu rosto corar.
"Ele disse que estava passando por aqui e, eu o avistei e, fui conversar com ele. A gente falou muito sobre você, e eu disse que você tinha mexido com ele e tal, aí ele teve uma crise de tosse" Ela falou eufórica. "Irmã, ele gosta de você, ficou até nervoso quando eu toquei no seu nome!"Ela disse contente "Como ele está quase colocando os pulmões para fora de tanto tossir, eu saí de lá para buscar uma água, mas quem vai levar é você"Falou contente como se tivesse ganho na loteria.
Eu me levantei na hora, surpresa pela atitude de Maiara, mas sem saber se a abraçava ou a repreendia pelo que ela fizera. Mas minha vontade em vê-lo era maior que a raiva, então eu fiz o que ela mandou.
Escutei risos de Marília, que ecoavam pelo ambiente, e senti os olhares das duas me seguindo, todavia, eu estava tão feliz em revê-lo que nada conseguiria me tirar do sério.
O que ele teria vindo fazer ali? Seria realmente vontade em me ver? Ou sei lá, talvez,ele estivesse realmente passando por ali perto e, resolveu parar para me cumprimentar, algo esporádico. Tentando inutilmente pensar que ele havia vindo por puro acaso caminhei até ele com um copo de água gelada nas mãos.
Ele estava parado, tossindo como um louco, o rosto vermelho, todavia, não sei se pela tosse ou por me ver, seus olhos brilhavam intensamente, como se ele acabasse de ganhar um presente inesperado. Parei em sua frente, entreguei-lhe o copo e ele o bebeu com tanta destreza, que tive uma vontade imensa de rir. Após isso, ele pareceu me agradecer internamente.
Ele entregou-me o copo com água e, parecia pronto para ir embora, quando algo veio em minha mente, eu precisava fazer a pergunta que me matava por dentro e me tirava o sono. Questionei-o acerca de sua procedência, ele disse que era de São Paulo e que logo voltaria a capital, fato que fez com que eu ficasse chateada, afinal de contas, ele não ficaria ali por muito tempo.
Não fique triste Maraísa, você também não ficará muito tempo aqui! Esqueceu-se que tem uma vida nômade! Pensei
Sem muito assunto e, agora desanimada perguntei se ele viria a noite, e ele prometeu que retornaria, fato que fez com que toda a euforia retornasse. Ele viria, é isso já era motivo o suficiente para que borboletas voassem livres pelo meu estômago. Então ele se foi e, eu fiquei o observando, vendo-o ir embora, para longe de mim, mais uma vez.
Maiara e Marília que observavam tudo cochichando e rindo logo atrás, como se fossem duas adolescentes vendo a amiga tentando ficar com o bonitão da escola, se aproximaram. Maiara pulava mais que pipoca e, Marília estada eufórica.
"Como foi?" Maiara perguntou "Ele se declarou?" Questionou novamente
"Ele vai voltar hoje a noite" Foi o máximo que eu consegui dizer e me retirei dali, as duas me seguido me enchendo de perguntas, as quais não era capaz de responder.
Marília perguntou se eu gostava de Danilo, fato que fez com que minha mente desse um nó. Como gostar de alguém que eu conheci há menos de 24 horas? Isso era coisa de filmes e, eu estava vivendo a vida real.
Por fim elas me deixaram em paz, Maiara foi resolver algumas coisas com Fernando, no intuito de ficar um tempo a sós com ele e, eu voltei a cantar com Marília, entretanto, eu errei várias vezes e, Marília me repreendeu, dizendo que eu estava completamente fora do ritmo e, tudo isso era culpa do Danilo!
Acabamos desistindo de ensaiar e, a tarde terminou comigo em meu trailer me arrumando, eu precisava ficar bonita para a noite que iria chegar e para uma certa pessoa que viria com ela.
[...]
O show começou e, minhas mãos suavam, havia repetido o mesmo procedimento da noite anterior, a única diferença é que meus cabelos estavam escovados, e caiam sobre meus ombros. O vestido de paetês negros dava-me um ar ainda mais sensual e, o batom vermelho realçava minha pele branca. Estava linda como na noite anterior e tinha noção disso.
Maiara passou por mim enquanto eu terminava os ajustes para a música que cantaria, normalmente, eu gostava de cantar músicas cheias de sentimentalismo e, naquele dia não seria diferente, a única coisa que mudaria é que eu cantaria olhando fixamente para ele. Apenas para ele.
Estava tão atordoada que Tonho precisou me chamar duas vezes para que eu pudesse entrar no palco. E quando eu o fiz, senti como se fosse a primeira vez.
Rapidamente, olhei para todos os cantos da plateia e, o procurei, rezando mentalmente para que ele estivesse ali. Ele pareceu notar meu sorriso ao perceber sua presença e, foi como se todo o nervosismo se esvaísse.
Os acordes de Quero você do jeito que quiser começaram e, eu me senti no sétimo céu, nossos olhares se encontrando, ele me encarando com um sorriso no rosto, eu cantando a música como uma espécie de indireta para ele. Tudo daria certo, era só ele entender que tudo que eu estava cantando dizia respeito ao que eu sentia.
Ao terminar o meu número, ele me aplaudiu com tanta força, que tive medo que suas mãos se deslocassem. E eu saí do palco, realizada.
"Tomara que ele venha me cumprimentar" Disse baixo apenas para mim. Maiara e Marília me tiraram do transe pulando em cima de mim, enquanto eu saia do palco.
"Minha música ficou linda na sua voz" Marília disse contente, mas eu não dei ouvidos, ela,percebeu e sorriu sem jeito.
"Deixe-a Marília, agora ela vai para o castelo dela esperar o príncipe encantado aparecer" Maiara disse divertida, eu ia repreendê-la, mas essa era a verdade.
"Conte-me tudo depois" Marília disse, enquanto eu ia para o trailer esperançosa.
[...]
Danilo apareceu alguns minutos depois, dando-me tempo de me olhar no espelho 3 vezes e passar novamente o meu perfume.
Eu abri a porta com o coração descompassado, ele parecia tão atordoado como eu e, eu deixei toda a racionalidade de lado, aproximando-me dele e colando nossos lábios. Todavia, ele não me teria assim tão fácil, meu gosto só seria compartilhado com ele, se ele tivesse entendido a letra da canção de outrora. Questionei-o acerca disso e, ele disse que não havia prestado atenção em nada do que eu havia cantado.
Meu corpo estremeceu e, reuni todas as forças do meu ser para afastar-me dele. Danilo era com os outros, mais preocupado em satisfazer as suas necessidades do que compartilhar um sentimento mais íntimo comigo.
Ele me encarou buscando respostas, mas eu não estava em condições de conversar, uma raiva súbita tomou conta de mim. Eu queria que ele saísse, mas ele não o fez.
"Eu te amo"Ele disse quebrando toda a minha raiva "Nunca te vi antes, mas sinto que sempre amei você" Finalizou se reaproximando. Cabia a mim decidir entre beijá-lo ou deixá-lo ir, fato que seria difícil após sua revelação. Por que eu também o amava, mesmo que tenhamos nos conhecido há exatamente 24 horas
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O circo [DANISA]
FanfictionAté onde você iria por uma artista de circo? Danilo, 30 anos, advogado, cansado da vida atribulada da cidade de São Paulo, decide passar uma semana longe da vida urbana, em uma cidade do interior, onde tudo parecia parado no tempo. Sua vida antes me...