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Capítulo 6

- Desviantes? O que é isso? - Saray responde segurando firme a mão de Alex enquanto aguardava uma resposta de Altagracia que só tinha olhos para Zulema.

- Você me parece um modelo bem interessante... Podem se sentar, apesar de não precisarmos disso. - a robô se antecipa e senta novamente sem tirar os olhos de Zahir. Ela faz um gesto para que Tere feche a porta e os murmurinhos referentes à humana no recinto cessem.

- Mamãe, quando a gente voltar pra casa? - a criança ao lado de Vargas a observa atenta enquanto a modelo aperta os lábios como forma de lidar com sua ansiedade que ainda circulava pelo seu corpo desde que matara o pai da garota.

- Mãe? E temos por aqui uma robô tão bem socializada com humanos que sabe exercer essa função? - Altagracia se move pegando algumas ervas e preparando uma kumbaya para fumar ali enquanto ainda permanece firme observando as duas robôs a sua frente.

Zahir, ao invés de se sentar anda pela sala averiguando cada fresta do local.

- Então você é o quê por aqui? Chefe de um bando de robôs sem teto?

- Quase isso... Sou a líder dos desviantes dessa zona e sou responsável pela vida de cada um que vive nessa espelunca. Não conseguimos lugar melhor para não sermos encontradas pela polícia e aqui vivemos em uma comunidade que se apoia mutuamente nas mais variadas necessidades... - ela bafora tomando um tempo para pensar - são necessidades desde peças faltantes até programas que criamos novos para serem instalados em quem desejar. Problemas com dinheiro, cartões de crédito, vestimenta... Maneiras de passar despercebido como quase humanos.

Vargas arregala os olhos e tomada pelo impulso diz:

- Já ouvi falar de vocês. Um modelo antecessor ao meu, que dividiu trabalho comigo em outra família, fugiu. - Saray sentia calafrios só de pensar que agora era ela a robô que podia estar sendo procurada pela polícia.

- Ele pode ter encontrado morada em outra zona. Tenho muitos contatos caso queira reaver o laço com ele.

- Não estou aqui para isso. Pretendo encontrar um lar para Alex e cumprir a pena que me cabe.

Altagracia solta uma risada gostosa e olha para Zulema que estava entretida com um enfeite de metal em cima de uma estante com livros.

- Vocês sabem que a pena é o desligamento total de vocês, não? Suas peças podem ser doadas para que cientistas estudem qual foi o erro que as fez desviar da lei maior entre humanos e androides.

- Eu só quero tirar esse programa de mim. - Zahir finalmente fala com sua voz rouca e as duas outras mulheres a olham desconfiadas, mas Saray é a primeira a interrompê-la.

- Esse programa é o que está evitando que faça mais besteiras, Zule. Ela veio com nenhuma norma de fábrica. Absolutamente nenhuma forma de se relacionar bem com as pessoas e com outros androides, e eu verifiquei isso quando nos aproximamos. A fiz baixar um programa pequeno de ética e moral. - dessa vez Vargas está voltada para Altagracia.

- Uma tem empatia suficiente para se apegar a uma humana que a chama de mãe, e a outra veio zerada de qualquer atributo benéfico para o convívio social? Me expliquem como fizeram o assassinato de um humano.

- A culpa foi dela que me fez quebrar a barreira!

- Querida você não é a primeira a fazer isso... Nesse exato momento estás em um lugar permeado por androides desviantes que de uma forma ou de outra conseguiram tal feito e outros mais. Mas isso leva tempo... - Altagracia se levanta mostrando os livros na estante. - os humanos já sabiam de brechas possíveis em seus próprios sistemas, escreviam sobre isso e a literatura circulava entre eles de uma maneira mais livre. Foi-se o tempo que discutiam sobre uma aproximação dos nossos sistemas com o modo de funcionamento humano. - a moça entrega alguns volumes para as duas folhearem - só que isso foi ficando cada vez mais escasso... Hoje em dia robô é tratado como escravo e mesmo os modelos que são fabricados com emoções como você - ela se volta para Vargas - ainda tem várias características sobrehumanas exatamente para frizar as diferenças entre nós.

A kumbaya nessa altura já acabara e a mulher se senta em sua mesa cruzando os braços antes de continuar:

- No mais, o que quero entender é de que maneira cada uma se desviou. Estou estudando junto com outros robôs da comunidade maneiras cada vez mais sofisticadas e ágeis de fazer isso. Lhes darei um teto e proteção em troca de me passarem informações que possam ser valiosas.

- A humana... - Vargas engole em seco.

- Terá que arranjar para ela uma nova família. Não aceitamos seres humanos por aqui.

- Ela pode ser útil. Cortamos seu cabelo, fazemos com que fique com uma aparência distinta das fotos que a polícia pode já ter em mãos e ela sai para trazer coisas que lhes seja útil. - Zahir propõe não sabendo bem o porquê. Olha com pena para Vargas que não consegue soltar a mão da criança. E tenta verificar que emoções são as que está sentindo agora sem muito sucesso.

- Farei uma votação para que as outras integrantes tenham voz de decisão também. Muitos robôs por aqui carregam traumas incuráveis devido à má convivência com seres humanos e não os quero expor a maiores problemas.

- Já é alguma coisa. Obrigada. - Saray aperta a mão de Altagracia antes de se dirigir para fora do escritório.

- Você fica. - a mulher aponta para Zahir - preciso acessar seu sistema e fazer um mapeamento profundo para entender como funciona.

- Quem te criou? - é a primeira pergunta que Zahir escuta depois de ver sua recém amiga sair pela porta com Alex.

As duas tem mais uma longa conversa que se desenrolou até cair a noite. Mas enquanto as três estavam no escritório outra situação se passava noutro local. Macarena havia se encontrado com o policial Fábio.

Depois de sair de seu trabalho com a incumbência de encontrar a modelo 568Z274 Ferreiro pára em um local para tomar um café. Seu telefone logo toca e é da polícia. Ela recebe um comunicado para comparecer à cena de um crime em que sua robô estava supostamente envolvida. Ao chegar no espaço percebe se tratar do mesmo lugar em que havia ido com sua amiga Rizos recente. Ela avista Fábio e Helena, dois policiais responsáveis pelo caso.

- Oi, ela é sua robô? Qual o modelo?

- Na verdade... O robô aqui é ele, Ferreiro. - Helena. Vinda de netuno... Fábio, um robô que estava em sua família há anos. O mesmo já tinha sofrido algumas mudanças. A mulher cresceu com ele em casa... Tendo um sistema de envelhecimento. Aos 20, com um dinheiro que juntara com seu trabalho o aprimorou para que fossem parceiros... E o fez passar por mudanças na aparência as quais o deixaram com idades semelhantes. Fábio não era usado somente como parceiro de trabalho...

- Oh, desculpe. - Macarena cora pelo equívoco um tanto machista o qual se passou da parte dela ali.

- É, então... Vamos encontrar essa puta ou não? - Entretanto, ao dizer isso, Helena é chamada para averiguar a cena de um crime.

Os três vão até o local e solicitam à empresa de Sandoval a análise do sangue na cena do crime. Macarena aguarda resposta dos funcionários encarregados de fazer a análise e não precisa esperar nem cinco minutos. Seu aparelho acoplado ao cérebro logo lhe traz a notícia de que se tratavam do sangue das modelos 568Z274 e 656712C. Enquanto que a amostra de sangue humano pertencia à Alex Lewis.

Ferreiro solicita aos policiais que possa entrar na cena. E chama Kiara que sai de seu pingente ao comando de sua dona e fala:

- Hora de reformular o que se passou por aqui... - a ursa retira seu olho de botão e uma luz sai do buraco projetando toda a cena na frente dos que estavam ali presentes.

A fuga das duas robôs é registrada por Fábio em seu sistema. Helena cruza os braços, dá um suspiro e fala:

- Ferreiro, você ficará responsável por encontrar 568Z274 e 656712C.

A loira se despede dos dois e se vê sozinha na rua sem saber para onde ir. Ela resolve então parar em algum lugar para tomar um café. Precisava se recompor depois de tudo o que havia acontecido. Kiara retorna para o seu colar. E a loira caminha o mais devagar possível. Estava atordoada com o rumo que a situação havia tomado. Mas algo a retira de seus pensamentos. Dois braços a agarram por trás, e logo ela é tomada por uma sensação de sonolência.

Zahir segurava um pano embebido de essência do sono em seu nariz, e o corpo da humana logo desfalece em seus braços.

- Parece que minha criadora foi pega pelos desviantes. Vamos, rubia. Hora de tirar um soninho.

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