Um Novo Modelo

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Capítulo 1

- Preciso de uma nova versão para ontem, Ferreiro! As vendas dos modelos que temos disponíveis até agora estão caindo. Ninguém liga mais para a Verônica 3.0 e todas as suas funcionalidades! - o homem fala ofegante e seu rosto pelo holograma parece que vai explodir a qualquer momento.

A loira o observa e escuta atenta cada palavra sem se alterar seguindo a discussão que já durava mais de meia hora. A cientista se encontrava de pé em uma das salas a qual trabalhava. Não havia ninguém além dela ali naquele horário. Chegara pontualmente como sempre e mesmo que não tenha tido horas de sono suficientes lá estava ela preparada para mais um dia naquela rotina.

Sua maquiagem reforçava o contorno dos olhos, na boca usava um batom de cor clara, um rosa que marcava os lábios de maneira que nenhum homem no ambiente de trabalho se demorasse neles e, portanto, se colocasse a ouvi-la com a devida atenção.

Ao longo dos anos sendo uma das poucas mulheres na área da robótica ela aprendeu que, infelizmente, se quisesse construir e manter uma reputação não poderia destacar demais seus atributos físicos. Os cabelos loiros permaneciam presos em um rabo de cavalo, alguns fios caíam junto da franja e nas orelhas não usava nada além de dois pequenos brincos com uma bola prateada em cada. A bata branca cobria grande parte de sua roupa debaixo... Que era uma blusa amarela sem manga e calça jeans de cos alto. As duas peças eram feitas com um tecido marciano. Quem a visse passeando nas ruas de Madrid ou nos corredores do prédio onde trabalhava saberia que aquelas roupas não tinham sido produzidas na Terra. A mulher, afinal, as havia adquirido nos anos os quais viveu no planeta vermelho.

Em casa, entretanto, ela vivia largada usando quaisquer peças de brechó. Fora dela não poderia em hipótese alguma perder o que tanto se esforçou em conquistar: o cargo mais alto depois de seu chefe naquele lugar. Assim, com as duas mãos descansando na cintura a loira prossegue sua fala:

- Mas acabamos de lançar o modelo novo dela com um sistema integrado topo de linha. Ele liga e desliga as luzes da casa, tem acesso direto com qualquer eletrodoméstico e... - para dar continuidade ela abre outras abas durante a transmissão e consegue ter acesso às fotos e filmagens do robô citado enviando os arquivos diretamente para a máquina do seu chefe sentindo um tanto de orgulho por sua mais recente criação. Entretanto, a cientista é interrompida:

- Macarena, me escuta! Todas as outras empresas têm algo do tipo oferecendo no mercado. - agora ele anda de um lado para o outro enquanto a câmera ligada em sua direção acompanha os movimentos.

Seus braços gesticulam incontrolávelmente e o jaleco que não tirava do corpo a alguns dias estava com uma aparência de encardido. Macarena vê cada detalhe do tecido amassado, das olheiras daquele homem saltando abaixo dos olhos, da feição de preocupação que ele não está nenhum pouco incomodado em apresentar.

- Parece que você esquece de alguns detalhes muito importantes: ganhamos o prêmio de melhor robô produzido nos últimos anos. - Ferreiro continua tentando convencê-lo a mudar de ideia - Trabalhamos com fios de cabelo de pessoas de verdade. E estamos vendendo bem essa versão, onde é possível para o cliente escolher a genitália e as dimensões corporais... - a aba aberta agora com as últimas notícias mostra claramente o que a cientista acabara de dizer.

Foram anos de dedicação para chegarem ao patamar o qual a empresa se encontra. E poucas são as reclamações sobre os produtos que eles vendem, de fato.

- Nenhum desses teus argumentos é válido. Um detalhe que jamais deve esquecer, Macarena: Você trabalha para mim. - a voz do homem nesse momento sai carregada de um ar de superioridade.

Com os braços cruzados e uma postura ereta ele pára de frente para as lentes que o filmam de corpo inteiro. O holograma presente na sala onde Ferreiro está o reproduz como se aquele corpo estivesse ali, apesar dele estar em uma sala enorme no último andar do prédio com vista para toda a cidade.

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