Capítulo I

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É doloroso estar viva.

Olho para a minha mãe por um instante, e essa dor aumenta. Uma pontada bem grande no meu peito. 

Passo os dedos pela cicatriz no meu pulso esquerdo, e então a sensação de raiva. Raiva de mim mesma. Se eu não tivesse ficado tanto tempo pensando. Se eu não tivesse sido fraca, teria funcionado. Eu teria conseguido partir, e minha mãe seria livre. Nunca mais teria que se preocupar com o fardo que eu virei em sua vida.

Minha história é a seguinte: eu e meu pai sempre fomos do tipo aventureiro. Então, durante um fim de semana em que minha mãe, enfermeira, iria dar plantão no hospital, nós decidimos sair para acampar em uma floresta não muito longe da nossa cidade, onde havia uma cachoeira linda. Sempre fazíamos esse tipo de coisa.

A gente sempre inventava algo para fazer quando mamãe ia dar plantões. A gente sempre se divertia. E sempre voltamos seguros para casa, com mamãe nos esperando na sala. A aí nós nós juntávamos na cozinha para fazer o jantar. Nossa casa sempre foi uma alegria. Mamãe sempre estava rindo de algo que eu ou meu pai dizíamos ou fazíamos. Nosso cachorro estava sempre correndo e fazendo bagunça. Sempre havia alguma música animada tocando no canto da sala, ao lado da TV.

Mas nesse fim de semana em específico, nós não voltamos para casa. Mamãe não nos recebeu na sala, e nós não fizemos o jantar contando sobre nosso fim de semana e fazendo piadas enquanto o cachorro fazia graça pra ganhar um petisco.

Enquanto eu dirigia de volta para casa, quando estávamos tão perto, um motorista sonolento de caminhão avançou o sinal com tudo. Ele bateu direto no lado do passageiro. Onde era pra eu estar.

Papai não morreu na hora, era como se ele precisasse se despedir do amor da sua vida. Minha mãe nunca me contou, mas a ouvi falando no telefone. Quando ela entrou para vê-lo, assim que ela tocou a sua mão, ele sussurrou um "eu te amo" e fechou os olhos.

Aqueles olhos nunca mais se abriram. E eu tenho ouvido o choro discreto da minha mãe todas as noites quando ela se deita para dormir. Ou quando está tarde e ela vai no jardim chamar meu pai para entrar, mas ele não está mais lá fora treinando nosso cachorro. E a pior parte é quando ela me olha. Quando ela olha nos meus olhos, e vê os olhos dele. Exatamente o mesmo formato, a mesma cor.

Isso foi há 5 meses, e há mais ou menos 2 meses, ela não olha mais nos meus olhos. Eu sei que ela não faz por mal, sei que ela não me odeia. Ela só não quer mais sentir essa dor. A dor que eu causei, e continuo causando toda vez que estou por perto.

Foi por isso que há mais ou menos 1 mês, enquanto ela estava no plantão e eu fiquei sozinha em casa, eu tentei salva-la de uma parte da dor.

*GATILHO - TENTATIVA DE SUICÍDIO *

Eu entrei na banheira, e coloquei minha música favorita pra tocar enquanto tentava acalmar as batidas do meu coração. Não queria partir assim. Queria ir em paz, com calma.

A música se repetiu algumas vezes, até que eu finalmente senti o ardor na minha pele. Doía bem menos do que eu imaginei. A lâmina entrou e cortou a pele do meu pulso lentamente enquanto gotas gordas de sangue pingavam na água. Fiquei ali por um tempo, pensando em como minha mãe poderia seguir com a vida dela agora. Sem ninguém ao seu lado para lhe lembrar constantemente o que ela perdeu.

Mas aí a porta abriu, a música foi abafada pelos gritos da minha mãe, e eu fui tirada da banheira com uma força que eu nem imaginava que ela tinha. Depois disso eu só lembro de acordar no hospital, com minha mãe ao meu lado. Ela disse que nós iríamos embora, que precisávamos de uma vida nova.

E aqui estamos nós. Indo para Hawkins, onde a irmã da minha mãe mora com a filha. Ela perdeu o enteado há um tempo e se divorciou recentemente, então minha mãe acha que nós podemos dar forças umas as outras, e blá blá blá...

Fire - Eddie MunsonOnde histórias criam vida. Descubra agora