Não consigo me levantar. Estou me sentindo como se eu tivesse centenas de quilos. A voz em minha cabeça retorna:
— Eu ouvi a sua prece e posso ajudá-lo. Levante-se criatura de carne!
Nesse momento o peso que estava sobre mim, cedeu. Levanto-me e olho para a criatura novamente.
— Qual o seu nome? — a coisa me pergunta.
— Abraão Lopes senhor.
— Me chame apenas de Livrador. Eu sei o que te aflige e tenho o poder para curar a sua filha, mas tudo tem um preço. Você está preparado para pagar o preço de salvar a sua filha?
Nesse momento um dos braços esquerdos, o que está com a mão no punho do trono se move em minha direção abrindo os seus enormes três dedos em um gesto convidativo.
— Eu sei muito bem o preço. Você levou meu pai de mim. José Lopes. Se for para salvar a minha filha eu estou pronto Livrador.
— Muito bem! Poupa-me de ter que explicar como você pagará pelo bem de sua filha.
A mão do Livrador retorna para o punho do trono novamente.
— Nos últimos anos de sua vida nos veremos novamente. Alegre-se apenas com o milagre que está prestes a acontecer em sua vida.
— Espere por favor — falo estendendo a minha mão direita de palma aberta em sua direção.
Sinto um nó na garganta. Um certo medo de questioná-lo.
— Fale!
Dessa vez a voz quase gutural não foi em minha cabeça, mas ecoou por todo o lugar.
— O que é você? Quem é você afinal? Sinto falta do meu pai e eu o vi hoje nessa montanha.
— Eu sou o Livrador, mas também todos aqueles que eu ajudei, até mesmo o seu pai.
— Isso é realmente ajudar? Deixá-los definhar sem lembrar das suas pessoas queridas, da sua família? Isso para mim, é a morte em vida.
A coisa se acomoda novamente em seu trono colossal. Então uma água viva sai de sua cabeça e então vem em minha direção. Será que eu perguntei demais? Morrerei aqui? Chegando no nível do chão um brilho roxo muito forte sai dela. Não acredito em meus olhos ao ver a forma que ela tomou... pai?
Ele está lá parado alguns metros a minha frente olhando para mim, sorrindo pacientemente. Está do mesmo jeito que eu me lembro antes dele começar a sucumbir ao vazio do esquecimento. Vestido com sua calça bege, sandália de couro e uma camisa do Fortaleza. Seu cabelo branco dos lados e sua calvície tomando toda a parte de cima da cabeça. Ele está lá com aquele olhar que ele sempre teve, um olhar que sempre admirei, o de uma pessoa boa que ama a família acima de tudo.
— Pai é você mesmo?
— Chegue mais perto meu filho e tire suas próprias conclusões.
Ando em direção ao seu encontro, estou tão feliz por vê-lo novamente. Quando chego perto ele abre os braços como se tivesse esperando um abraço e então finalmente fecho os meus em volta dele. Ele é real, consigo tocá-lo.
— Tenho tanta saudade, como isso é possível? É o senhor mesmo?
— Sim, sou eu meu filho.
— Mas o senhor está morto. Eu vi o senhor morrer. Como isso é possível?
— Eu sei que foi muito doloroso meu filho. Eu também sofria muito por não conseguir lembrar de todos vocês.
O nosso abraço se desfaz, mas sua mão direita repousa no meu ombro. Meu olho começa a encher de lágrimas.
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Águas Vivas de Memórias (um conto)
Misterio / SuspensoAbraão vendo sua filha Mariana com pouco tempo de vida devido a um câncer decide seguir o que ele acredita que foi os passos do pai e buscar o sobrenatural para resolver essa tragédia. Será que ele conseguirá salvar a sua filha?