Ato II

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— Que adorável. A Srta. Soares resolveu se juntar a nós. — Segurei a vontade demostrar a língua em uma atitude infantil. — Hum... deixe-me ver, com seis minutos de atraso— o professor maldito disse com um tom maldoso em sua voz.

— Perdão, professor Niky — eu disse humildemente, mas sentindo uma comichão percorrer minhas entranhas pela falsidade. — Eu me atrasei ao passar e pegar o café.

Pobre Sra. Bucks. Sequer tinha culpa e, mesmo assim, eu a culpei. Tomaria mais dois copos cheios de café depois, como uma forma singela de pedido de desculpas subliminar.

Coloquei minhas coisas no canto da sala, olhei de rabo de olho para as outras três amigas que estavam já se aquecendo e retirei as sapatilhas judiadas da mochila. Enquanto eu revestia meus dedos dos pés com esparadrapo, apenas tomava nota que o professor estava circulando por ali.

— Você entende que esta peça é importante e definirá seu futuro, certo, Srta. Soares? —ele perguntou com aquele sotaque carregado. Eu, particularmente, achava que era um sotaque falso, mas não seria louca de perguntar.

— Sim, professor.

— Ótimo. Porque, por conta deste seu atraso, hoje à tarde você vai treinar com Josh Beauchamp.

Opa. O quê? Tenho certeza de que minha boca estava aberta, da mesma maneira que meus olhos estavam arregalados em pavor. Não pelo treino da tarde, mas pelo treinador em si. Ou pelo par que eu teria para treinar naquele dia inglório. Josh Beauchamp era reconhecidamente o bailarino mais estupidamente bonito e imbecil que a companhia já teve. Ele sequer fazia parte daquele mundinho de estudantes. Ele era o primeiro bailarino do Balé de Nova York.

Reconhecido mundialmente, adorado pelas mulheres, invejado por outros bailarinos e... putz, meu grande objeto de desejo desde os dezesseis anos.

Além de ter estudado no ensino médio com ele e, claro, ter sido plenamente ignorada ante a horda de beldades que circulavam à sua volta, ainda tive o infortúnio de estar na mesma academia de balé. E digo infortúnio porque era tenso fazer meus pliés evitando procurar o reflexo dele no grande espelho do estúdio. Eu sabia que, se meus olhinhos sedentos captassem a imagem das formas perfeitas de Josh, já naquela época, ainda jovem, haveria suspiros equeixo batendo no chão. Seria difícil disfarçar diante de toda a turma a minha adoração pelo cara.

— Maa... mas...

— Nada de mas, senhorita — ele cortou logo meus argumentos. — Alongue logo essas pernas para que possamos começar!

Oh. Meu. Deus. Ergui a perna mecanicamente, posicionando-a na barra, enquanto os pensamentos fluíam sem rumo algum pela minha cabeça. Ótimo. Mais um motivo para não conseguir me concentrar. Custava o professor ter dado esta notícia bombástica no final da aula da manhã?

Estiquei o corpo até quase poder ouvir os ruídos das articulações rangendo, tentando concentrar meus pensamentos na dor. Dor. Dor. Dor. Somente quando senti meu sangue descendo para a cabeça, que se encontrava numa posição pouco ortodoxa, foi que parei de me martirizar e resolvi encarar o desafio.

Se aquele era meu desafio do dia, então eu o enfrentaria com coragem e perseverança.

Bom, era mais fácil tentar me convencer em um mantra frenético do que aquilo realmente acontecer.


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