L'inizio

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A última manhã na casa dos seus avós, prosseguiu normalmente. O mundo não para e tudo que podemos fazer, é não despencar enquanto flertamos com a morte. Ainda assim, a morena não tinha certeza do seu desejo de partir. Sendo filha de um dos mais altos homens no comando militar do império, estaria presente em todos os eventos da alta temporada social. É provável até que seu pai lhe arrume com um nobre! Tudo para garantir um bom futuro para sua herdeira... Ainda assim, não queria herdar nada do que o homem tem à oferecer. Se pudesse, trocaria o título, o dinheiro e todo o dever de fidelidade à coroa, por terras na sua querida serra. Diferente da segunda nascida de sua casa, a primogênita não precisa de luxo. Seria feliz com algumas galinhas, um pequeno gado, talvez um cavalo e um cão. Não seria rica, mas seria feliz e isso bastava. Talvez, esse peso em seus ombros seja influencia de Dom Pedro II, o rapaz é um verdadeiro príncipe, ainda assim, não deixa de ser um jovem e é de total confiança para a menina. Também estava disposto à abdicar do seu trono por um governo melhor ao país, ao menos seus motivos eram generosos. Caso abrisse mão da herança, ela também estaria abrindo mão da sua família aos olhos do povo e isso não aconteceria. Além da sua mãe e das irmãs, não tinha muitos de confiança por perto. Aliás, não tinha ninguém além das filhas dos outros três marechais que regiam o Guarda Dourada, ao lado de seu pai. Um reencontro seria equivalente à muitas lágrimas, risadas e com certeza, muita bagunça. Mas o primeiro evento da alta temporada era o oposto disso, tudo muito formal, muito aberto e muito organizado. As celebrações do jubileu de prata do Tratado de Aliança e Amizade. Tudo começa com a elite reunida no Paço Imperial, no Rio de Janeiro. Muitas moças se aproveitam de oportunidades assim, a alta sociedade é formada pelas poucas famílias que ainda mantém tradições imaculadas: casar-se, sempre tentando ascender na hierarquia e ter filhos, porque um herdeiro é a única forma de segurar um marido. A morena não anseia pela segunda parte, mas se casar seria muito bom, só que também custará muita coisa.

Tamanha ambiguidade afeta toda a fazenda e até mesmo as flores pareciam mais murchinhas enquanto recebiam água pela última vez, antes da sua cuidadora sair pela porteira e não retornar até o próximo desabrochar. Ela sempre viu as flores-da-paixão como um retrato da sua identidade mais íntima, visualizando cada cacho do seu cabelo como um dos ramos da trepadeira que desce por sua janela. O romanticismo em relação à natureza, é necessário para seu coração, tanto quanto ar é necessário para seus pulmões.

— Tens tutto pronto?

A menina assentiu com a cabeça, sem olhar para a figura magra, de cabelos cinzentos à porta. Não é que estivesse triste ou emburrada, apenas não conseguia encontrar ânsia alguma para enfrentar tantas horas de estrada, por uma temporada longe do campo. Ao mesmo tempo, não aguenta mais tanta espera para rever suas irmãs, seus pais e suas amigas. Foram dez anos longe da vida de regalias e boa etiqueta, sequer conseguia se lembrar as funções dos vários garfos que gente abastada põe na mesa e torcia para a saudade que seu pai sentia, fazer com que se esqueça de dar chiliques sobre o corte de cabelo, curto como os homens têm. Viver com seus avós, afastada da civilização e distanciada do agito da cidade, não precisava de vestidos, etiqueta e cabelão. Era libertador para uma adolescente, poder usar saias que não tocam o chão e calças quando andava à cavalo. 

— Si, nonno.

O regador foi posto no parapeito da janela, com metade da sua capacidade preenchida. Ela se voltou para seu avô com um ar de luto.

— Non deixe que miei fiori morram...

Por uma última vez, nonno Aprígio travou seus olhos na netinha e, mesmo que o sol das oito ofuscasse a visão, ele tentou memorizar bem quando foi a última vez que via sua menininha ali, no quarto onde passou a juventude e amadureceu até se tornar a bela mulher que é.

HortênsiaOnde histórias criam vida. Descubra agora