Hortênsia

Family, Famiglia, Família

Não gostava da culinária portuguesa, parecia muito simples. Seus pratos favoritos envolvem carnes, Portugal não é muito bom nisso. Como sempre, pôr seus pensamentos em palavras poderia trazer uma guerra. Thomas comeu seu peixe, calado. Harry prefere comer o que prepara, e por preparar, quero dizer caça. Por mais que estivesse degustando a sopa de natas, o peixe foi servido para seu ganso. O duque estava, pela primeira vez em muito tempo, apreciando a refeição sem dar sermões e...Sorrindo?! Quando foi última vez que seu pai sorriu? O acordo com o marechal só poderia melhorar se o marechal duplicasse o dote! Coisa que não poderia ser feita, visto que a família não era tão abastada.

-É bom estar de bom humor, não é? -Seu irmão retrucou e completou em seguida, como quem não sabe a corda bamba em que se metia- Thomas desconhece essa sensação.

Pai e filho riram e brindaram, Thomas realmente não se sentia tão bem à algum tempo. Até chegou à invejar a diversão dos dois, mas logo depois, lhe veio em mente: será que Harry riria, depois do anúncio do noivado?

Do outro lado do mar de mesas, Hortênsia era a única de sua casa à não ceder. Por mais que o gosto não fosse um problema, seu orgulho ferido seria. Apesar de disfarçar uma careta, não conteve as palavras enquanto assistia sua irmã separar espinhas da posta, no canto do prato.

— Isso não é nem uma refeição!

E de fato, não deveria ser considerado. Esperava ansiosamente a sobremesa, que teria de ser o seu sustento até o fim da tarde. Antepastos e massa lhe nutriam melhor! 

—   Você tem raízes mais fortes em Cabo Frio do que em Florença! Peixes e praia são uma tarde normal para você!

Poderia ficar emburrada com Margô, mas a voz debochada não deixava com que ela se invocasse. Sentiu falta destas piadas com um quê de superioridade.

— Ao menos, tenho algum contato com uma pequena parte da Europa! O máximo que você tem do outro lado do oceano é a pele pálida!

As meninas riram e seus pais pararam, admirados pelas quatro se dando tão bem através de ofensas.  Nunca foi fácil para Hortênsia, ser amiga da sua mãe, mãe das suas irmãs e rival do seu pai. Agora que estava voltando, queria se por no seu lugar e se deixar ser cuidada por quem deve e cuidar de quem precisa. É mais difícil do que parece, ainda mais, quando você assiste sua irmã quinze anos mais nova, quase se matar com a faca que não deveria estar segurando.

— Maria, me dê isso!

Não é que sua mãe fosse muito distraída, é que Maria é demais para uma mãe só. A pirralha é um poço de energia infindável, da mesma forma que Hortênsia era, à quinze anos atrás. Secretamente, a menina acha que ao assumir sua irmã mais nova, estaria aliviando um pouco da carga que causou por ser uma filha nascida antes do casamento. "Nada com que eu não possa lidar", ela costuma seguir este pensamento até realmente não poder lidar com mais nada. De bom grado, coisa que só fazia com a mais velha, Maria passou a faca para sua irmã, erguendo a mão sobre a mesa e aproveitou para dar uma cotovelada em Margô antes de baixar o braço. Parecia que se meter com a segunda no comando, era uma forma de aliviar as agitações e a brincadeira favorita da pequena: desafiar qualquer coisa ou qualquer um, que fosse superior e não se impusesse sobre a criança. Margô é definitivamente o mais divertido de enfrentar, porque é fisicamente incapaz de chamar-lhe a atenção. Morre de amores toda vez que tenta, mas isso não impediu-a de morder fraco o braçinho de sua irmã. 

Mafalda é um caso à parte, está entrando na juventude à todo vapor e isso está lhe tornando uma chata. Não brinca como gostaria e está mais preocupada do que deveria, com a aparência. Nunca foi fútil e definitivamente, não quer ser como as outras garotas, mas vestidos, penteados e jóias têm ganhado um brilho novo. É uma pena assistir a infância morrendo, mas é uma espécie de renascimento que Hortênsia procura apoiar à todo custo. Mesmo não tendo a paciência correta para lidar com a jovenzinha.