O herdeiro é um verdadeiro fugitivo. No princípio, quando sua mãe morreu, queria ficar e lidar a perda com seu pai e ajudar na criação do irmão, mas quando foi enviado para a Europa, algo lhe sussurrou que era melhor assim. Desde então tem fugido dos seus sentimentos, escondendo-os em longos períodos de jejum e privação de sono, trancado em laboratórios, pesquisas e estudos. Sua mãe teria lhe forçado refeições goela abaixo e amarrado-o à cama, se necessário. A duqueza também teria arrancado seu pai do seu quarto de luto, pelos cabelos. Talvez pelos cabelos funcionasse melhor, do que as palavras que Thomas usou nas suas tentativas de tirar o pai do quarto.
"Por favor, pai. Harry precisa... Eu preciso de você..."
Os dois passaram por todas as fases que pai e filho podem passar: ainda nas primeiras memórias, Thomas se lembra de ver a mãe aos prantos, enquanto redigia cartas cujo remetente, apesar dele não saber ler na época, agora entendia, eram as mulheres com quem seu pai mantinha relações. Foram as inúmeras noites assim, sozinho para consolar a mãe traída, que fizeram com que seu ódio pelo pai crescesse.Thomas não estava junto no momento em que sua mãe descobriu estar grávida, mas não tinha como esconder, quando ele ouviu a mãe chorando durante o banho e ao arrombar a porta do banheiro, se deparou com a enorme barriga que em dois meses, seria seu irmão mais novo. Logo depois de engravidar sua esposa, Damian passou à morar com sua amante por um tempo, tentando engravidá-la também, para poder pedir o divórcio. O pior de tudo não era assistir a duquesa sofrendo nas mãos do homem que jurava lhe amar, o pior de tudo é que ninguém parecia vir em seu socorro. Então só restou que seu filho lhe ajudasse à se salvar. Thomas odiava seu pai, mas quando perdeu sua mãe, não tinha outra pessoa à quem recorrer. Quando a duquesa se foi, foram quatro meses apenas com seu irmão e a criadagem. Damian não saiu do quarto para nada e apenas se sabia que o homem estava vivo, quando ocasionalmente tocava o sino em seu quarto, chamando pelos serventes da cozinha, que deixavam refeições na sua porta. Harry ardia em febre e foi depois de despachar o médico, que o jovem, com quinze anos, decidiu tentar tirar seu pai do quarto.
Assumir sua depêndencia pode não parecer algo grandioso, mas Thomas sempre foi muito seguro de si. Talvez por essa razão, tenha suportado seis meses como senhor do lar. Seu pai não saiu do quarto de imediato, pelo contrário, levou mais dois meses até que o homem se recompusesse e desse as caras, como se nada tivesse acontecido, durante um almoço. Primeiro, os irmãos pensaram que fosse um fantasma, tamanha magreza e palidez seu pai possuía. Mas depois de algum tempo para raciocinar, Thomas foi tomado por uma ira colossal e partiu para cima do duque. Hoje, o rapaz pensa que poderiam ser seus hormônios lhe controlando, ou toda a raiva enraizada em seu peito, mas nunca havia se sentido tão rancoroso. Assistir seu pai se sentar à mesa, dar ordem aos criados, como se os últimos seis meses nunca tivessem acontecido... Como se sua mãe não tivesse morrido por culpa dele.
— Ponham meu lugar à mesa. O que estão esperando?! Incompetentes! Não podem fazer o certo!
Todos estavam surpresos demais para fazer qualquer coisa. Os olhos inchados e avermelhados davam ao duque uma aparência mais tenebrosa. Não queria ser visto como um pobre viúvo e para isso, precisava demonstrar que ainda era o dono desta casa.
— Cale-se!
Seu filho rugiu, à plenos pulmões e com punhos fechados, fez toda a mesa tremer ao se levantar. Thomas era um menino muito dócil. Era.
— Você não pode gritar com eles! Não pode gritar com ninguém! Nos últimos meses, eles tem cuidado de mim e do meu irmão melhor do que você cuidou por toda a sua vida!
Foi quando o duque perdeu o pouco controle que havia conseguido juntar dos pedaços de seu coração. O homem avançou no garoto e bastou um tapa, para que seu filho caísse no chão. Ainda sentado à mesa, Harry recolheu seus joelhos e afundou o rosto, da maneira mais prática de se encolher em posição fetal, entre os braços da cadeira. Seu choro foi ouvido por toda a sala e foi a última vez que o rapaz derrubou lágrimas. Thomas ficou no chão por tempo demais e seu pai usou um só movimento para atirar ao chão o prato, a prataria e a taça do menino. O lugar de Thomas não era na ponta da mesa, muito menos defendendo a criadagem, gritando pelos comodos e tomando a frente da sua casa. O viúvo passou as mãos sobre os fios de cabelo, um pouco despenteados e se sentou no seu lugar de direito. Estava fraco, foram meses fazendo meia refeição à cada duas semanas e havia perdido peso, suas roupas estavam folgadas e não tinha mais lágrimas para chorar. Por alguns minutos, apenas assistiu o que sua vida havia se tornado.

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Hortênsia
Fiction HistoriqueMuitos vivem grandes histórias, mas apenas escritores podem eternizar-se nas páginas. - Manoela Aprígio. Esta história é uma pequena grande parte da minha vida. Codificada, modificada, reformada, mas ainda assim, minha. Muita coisa será da compreens...