Il pranzo in tavola

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As entradas já estavam sendo servidas, bacalhau com natas e uma sopa que não agradou em nada o olfato da menina. Hortênsia se lembrou da sua revolta em estar ali, odiava peixe. Aliás, nenhum tipo de culinária provinda do mar lhe agrada. Sua intimidade com a imensidão de água salgada é zero, apesar do amor do seu pai por praias. O marechal é um mergulhador, sua filha foi talassofóbica por toda a infância e só começou à superar a paura por águas profundas, quando teve contato com cachoeiras. Agora, aos vinte anos, queria tomar o tempo perdido e se afastando do mar de gente, a menina caminhava nas lajotas que separam a baía do pátio. Com um cuidado extra, ela se sentou na beirada do píer e assistiu às ondas baterem nos tijolos cheios de algas. Ela não notou, mas seu pai foi o último dos convidados à chegar, acompanhado pelo diplomata inglês. Não estava exatamente empolgada para estar perto do pai, com certeza ele reclamaria da falta de cabelo para ser trançado ou arrumaria algum defeito no seu vestido. Mas uma hora teria de encará-lo, então ela inspirou fundo e após se deixar acalmar mais alguns minutos pela melodia das ondas, ela se levantou e foi procurar a mesa da sua família.

Estar com as meninas era muito bom, apesar de terem poucos minutos antes de descer ao pátio novamente. Na companhia das amigas, poderia fazer a mais tediante das atividades e não sofreria por um segundo. Depois de conhecer o quarto em que se hospedariam e desfazerem malas, as quatro se juntaram às suas respectivas famílias para almoçar. Enquanto caminhava gradativamente entre os corpos, a menina buscava sua mesa. Era difícil se localizar no meio dos convidados amontoados em rodas de conversas fúteis, estava esbarrando em várias pessoas, este vestido não é nada apropriado para caminhar entre multidões. Vez ou outra, proferia "Scusa", mas lá pela décima vez ficou de saco cheio. Estava começando a perder a paciência recém ajuntada e discretamente, tentou empurrar um homem pouco mais alto. Deu tão errado que ela não só tropeçou como também, teve o tornozelo mordido.

— Cielo!

Ia bradar, mas o homem lhe segurou pelo pulso e com um dedo indicador, calou seus lábios. Enquanto se debatia para se soltar do rapaz, ela enfim identificou o que havia mordido seu tornozelo: um ganso. Mas Hortênsia não conhecia gansos pessoalmente, então ela só pôde identificar o animal como um pássaro de pescoço comprido, bico e patas laranjas e belíssimas penas brancas.

— Please, do not scream! Os guardas vão acabar se irritando com o Duke!

A palavra saiu dos lábios dele de uma forma engraçada, como se ele estivesse engasgado com o ar. Mas conhecia bem este último termo. Ela deixou uma risada baixa escapar, enquanto apontava para o animal com uma fita azul marinho no pescoço.

— Il duca?! Tu dici... l'anatra?

Claramente, havia uma pequena dificuldade para os dois se entenderem. A moça podia ler a dúvida no rosto do rapaz. E como num piscar de olhos, os olhos verdes pintaram-se. A dúvida se tornou malícia e isto é outro termo que a morena conhece muito bem.

European, right?

O sorriso que ele esboçou, era digno de um tapa. Um tapa ou um beijo. O clássico sorriso de todo dândi, que abre portas, ilumina noites e enudece mulheres. Talvez, a maior realeza ali fosse a ave.

— L'anatra! 

A moça apontou para o animal e dobrou os cotovelos, batendo os braços. Nunca foi boa de mímica, mas dessa vez precisava se virar.

Oh! Right! Can't speak english... A peasant!

Ignorando-a, ele reclamou sílabas que ela não conseguia entender. Ainda assim, antes que ela tomasse uma atitude ou ele respondesse com toda aquela arrogância, um segundo homem interrompeu.

Are you out of your mind?! She's a lady! Stop that shame!

A autoridade na voz era ainda maior que a estatura, e quando o segundo rapaz se virou, ela enfim identificou o seu rosto.

HortênsiaOnde histórias criam vida. Descubra agora