• Capítulo Quatro

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— Eu arrumo a cama – Foi o que consegui dizer.

Liz entendeu o recado e saiu do quarto.

Eu não sabia como lidar com a situação, de repente me senti com 12 anos novamente.

*

Me pego vestindo uma roupa da Srta. LeBlanc. Um macacão bege longo com botões, uma boina prata com lantejoulas, uma blusa cinza básica – me surpreendi que tivesse algo assim em seu closet, supus que fosse alguma peça de pijama. – e uma sapatilha prateada também. Penso em esperar que Sam chegasse pra ele ter o privilégio de me pegar no quarto assim. Acho que fiz um bom trabalho, alguém tinha que ver isso.

Ouvi um barulho que parecia ter vindo da cozinha. E um grito.

Corri desesperadamente.

Quando me aproximei, Liz estava segurando uma vassoura e varrendo o que parecia serem cacos de vidro.

— Você tá bem?!

— Ei, eu tô bem. Desculpe o susto. – Ela para de varrer para me analisar. – Belo look. Combinou muito com você.

Me escapa uma risada e ela acaba rindo também, o que acaba deixando as coisas mais leves.

— Derrubou algo?

— Dois copos. Ia fazer uma vitamina de banana, mas esqueci que não tem banana. – Ela dá outra risadinha.

Vitamina de banana é a minha vitamina favorita, mas não sei se ela lembra disso. Talvez seja apenas uma coincidência.

— Ia beber os dois copos? – Tiro a vassoura da mão dela delicadamente, e ela permite. Junto os cacos que faltavam na pá e jogo na lixeira.

Ela parece ter ficado nervosa, o que me deixa meio intrigada, mas é uma reação interessante.

Humpf , por acaso você acha que eu ia fazer pra você também?

— Acho, considerando que é minha vitamina favorita.

Ela tira os olhos de mim e anda até a sala de estar.

— Eu nem sequer sabia disso.

Ela sabia.

— Tá bom, podemos fingir que você só tava com muita sede mesmo, se preferir. – Ando, logo atrás dela.

Ela assente, revirando os olhos.

Sento ao seu lado no sofá e vejo que um programa estava pausado na TV. Eram 'Os Jovens Titãs'. Lembro que ela costumava assistir desenhos animados quando algo a incomodava. 

— Desculpa ter falado daquele jeito com você.

— Tudo bem.

— Não, não está. Desculpe, de verdade.

— Você só foi realista, eu que fugi do assunto. Sinto muito por isso, Kris. – Ela me chamar pelo apelido me alivia. – Na verdade sinto muito por tudo.

Me pergunto do que ela está falando.

— Você não tem com o que se desculpar, Liz.

Ela baixa a cabeça e sorri.

— Faz muito tempo que você não se dirige a mim com o meu nome.

Percebo que é verdade, mas nunca havia percebido isso.

Eu não consigo descrever a sensação que é voltar a conversar com ela assim, como se tudo aquilo tivesse desaparecido. Mas algo dentro de mim não queria que ignorássemos isso, sempre pareceria que existe algo mal resolvido. E outro ponto um pouco importante, eu ainda sinto algo por ela. Naquele momento percebi que se quisesse ter a amizade de Liz de volta, teria que abrir mão dos meus sentimentos.

Eu estava disposta a tentar.

— Desculpe não ter tentado resolver as coisas com você, sua amizade me faz muita falta. – Ela parece ler meus pensamentos. A verdade é que não é só essa a nossa conexão.

— Liz, eu...

— Não. Espera. Eu não vou conseguir dizer isso em outro momento ou repetir. – Deixo que ela fale. – Desculpe por ter parado de falar com você por motivos idiotas, Kris. Eu não sei o que você sentia por mim, mas aquilo me assustou. – Ela hesita. — Só que o ponto é, eu entendi depois de um tempo e eu mesmo assim, não fui conversar com você sobre isso. Eu sabia que você não viria, até por respeito a mim, eu imagino... Eu só... eu só deveria ter ido falar com você. Talvez as coisas fossem diferentes agora.

Diferentes... como?

Elizabeth LeBlanc não estaria dando a entender o que eu acho que ela está dando a entender, certo?
Ela gosta de garotos, Kris. Só garotos. Semana passada ela estava com um garoto. E semana retrasada com outro garoto.

Me sinto tão estúpida por estar sequer cogitando que ela sente qualquer tipo de atração por mim.

— Talvez ainda fossemos melhores amigas, eu imagino. – Ela diz e infelizmente parece perceber a minha decepção, eu realmente não sei disfarçar essas coisas. Que droga, já estou estragando tudo de novo.

É. Melhores amigas.

— Só que... – O som do portão rangendo a interrompe.

Porra, Samuel.

Ela entra com muitas sacolas de compras, suponho que para o mês inteiro. Nos levantamos para ajudá-lo.

Ele para no meio da sala e me olha de cima a baixo. Ainda estou com a roupa de sua mãe.

— Ah, não. Não acredito que vocês não me esperaram pra brincar. – Antes que possamos ter qualquer reação, ele nota o que está passando na TV. – Desenho animado... uh, parece que foram duas horas meio difíceis.

*

Passou-se uma semana. Eu fui pra escola todos esses dias e parei de usar o curativo que estava no meu nariz, ele já estava mofando. O estranho é que não vi Willow – nome que resolvi dar para a garota da bolada sem nenhum motivo especifico, só foi o primeiro nome que pensei na hora. —durante toda semana. Fiquei entre: ela está fugindo de mim ou ela está doente. Preferi não ir atrás de me aprofundar no assunto.

Sam voltou ontem para a escola e as coisas melhoraram muito diante disso. Eu amo Agnes, mas não podia suportar um dia a mais sozinha com ela. Eu até poderia fazer outros amigos, mas ela iria ficar sozinha, isso me faria sentir mal. Eu não sou antissocial, apenas tímida.

Durante toda a semana, só passei dois dias em casa. Fiquei até os finais de semana na casa dos LeBlanc. Pra convencer meus pais a permitirem, inventei uma história que não é tão mentira assim. Falei que a Srta. LeBlanc está passando por um período difícil e quis que eu passasse uns dias com Liz e Sam, para anima-los. A mentira é: Ela não pisou em casa desde aquele dia. Ela viajou, sabe se lá pra onde.

Liz e Sam não parecem estar muito preocupados com isso, sempre souberam se virar, mesmo antes dos pais quererem o divórcio. De qualquer forma, eu me preocupo. Sei que eles estão apenas montando uma barreira contra o que realmente estão sentindo, ou seja, adiando o sofrimento.
Afasto meus pensamentos. Pego o meu livro de Biologia e caminho até a sala. Até que esbarro em alguém. Tem como ser mais clichê?

Ah, é um homem.

— Caramba, acho que é aqui que começaria nossa história de amor se eu não fosse lésbica.

Me toco de que nunca tinha admitido em voz alta, pra melhorar, foi pra um completo estranho. Gosto de como soa.

— Acho que se eu também não fosse gay ajudaria no processo.

Nós rimos, enquanto ele ajoelha para pegar o meu livro caído no chão.

— Me desculpe, não segui meu papel. – Eu digo quando ele me entrega o livro. – Eu deveria ter me abaixado também para as nossas mãos se tocarem, certo?

— Tá perdoada. – Ele sorri.

Vejo que estou cinco minutos atrasada no meu relógio de pulso, aceno para ele enquanto saio. Ele segura em meu braço sutilmente antes que possa concluir.

— Desculpe. Se não for incômodo, estou procurando por alguém.

— Ah, certo. Quem você está procurando?

— Samuel LeBlanc, conhece?

Pós-VerãoOnde histórias criam vida. Descubra agora