— Por que demorou tanto, princesinha? – Sam pergunta, assim que volto a mesa.
— Depois te conto.
Agnes, Jack e Liz se entreolham.
— Vocês compartilham até esse tipo de informação? – Agnes brinca.
— Que nojo, não!
Todos rimos.
*
Mais tarde, chego em casa morta. Minha mãe sequer questiona onde eu estava, ela anda meio avoada esses dias, não deve nem ter percebido que saí de casa. Já meu pai...
— Quando vai nos apresentar a namorada?
Sim, eu sou assumida para os meus pais desde os meus treze. Não tinha muito como esconder, eu era uma pré adolescente meio esquisita.
— Namorada? Até eu quero saber dessa.
— É, agora você sai frequentemente de casa sem nos dizer nada... Supus que arrumou alguém.
— Só nos seus sonhos mesmo. Todas as vezes que saí foi com Sam.
— Entendi, mas ele não é gay? E você não tinha dito que tinha arrumado um namorado?
— Ele é bissexual. E eu sou lésbica, lembra?
Meu pai nunca tinha me ouvido falar que era lésbica, eu sempre usei pretextos como: "eu gosto apenas de garotas."
— Então tá filha. — Ele diz, naturalmente — Da próxima você avisa, tá? – Ele dá um sorrisinho e sobe as escadas.
Suspiro e subo logo depois que ele entra no quarto. Meu quarto tem uma distância considerável do deles, por questões de privacidade, graças a deus.
Ligo o computador e noto a data de hoje. Argh, ainda é segunda.
Tento evitar pensar em tudo que aconteceu hoje.
*
No outro dia, lá estou eu novamente na aula de biologia, mas dessa vez é no primeiro turno.
— Espero que vocês tenham dormido bem a noite. – O professor passa entregando alguns papéis. – Hoje vamos para o laboratório, não levem celulares.
Tento ver de longe o que está escrito nos papéis que ele está distribuindo, parecem panfletos de algo. Será que finalmente essa escola vai dar uma movimentada?
— É um acampamento pós-verão. – Steve esclarece, vendo que por um triz não subo na cadeira para enxergar. O garoto que estava desenhando ontem.
UM ACAMPAMENTO?
O máximo que eu esperava era algum evento de caridade. Não que seja ruim ajudar as pessoas, só que fazemos isso todo ano durante períodos diferentes dos semestres.
Não consigo acreditar nem quando Sr. Ramos – o nome do professor de biologia, já que agora ele é relevante. – me entrega o panfleto.
"ACAMPAMENTO PÓS-VERÃO!
Um dos pais de nossos alunos, Gabriel Witter, doou a escola mais de 200 mil reais e em forma de agradecimento e troca, nos pediu que tivéssemos um evento escolar para que os alunos tivessem um pouco de entretenimento para começar o semestre bem.
Usaremos o dinheiro para reformas, caridade e projetos. Contamos que nosso primeiro projeto seja o "Acampamento pós-verão". Onde os alunos do ensino médio serão redirecionados para uma área de lazer no meio de uma floresta segura. Lá serão direcionados para escoteiros experientes que irão ajudar em tudo que precisarem. A viagem será financiada somente pela direção escolar, o que quer dizer que alunos NÃO pagam. Apenas precisamos das autorizações de pais ou responsáveis.
DURAÇÃO DE PROJETO: Cinco dias.
ITENS NECESSÁRIOS: Produtos de higiene, roupas, álcool em gel, lanternas, garrafas de água (não precisam conter água, pois lá será providenciada a todos), repelente e protetor solar.
OBS: Os alimentos não são necessários, mas poderão levar.
Esperamos que todos possam comparecer.
Qualquer dúvida, perguntem para o professor em sala de aula. Todo o corpo docente está devidamente informado;Direção escolar."
Caramba. Quem diria que o pós-verão ia ser melhor que o próprio verão. Isso é incrível.
Ouço perguntas do outro lado da sala e já se começam os boatos.— Mas esse cara não é aquele ex-presidiário?
— Sr. Ramos, as cabanas vão ser disponibilizadas lá mesmo?
— Vão ter banheiros?
— As cabanas vão ser separadas entre meninos e meninas?
— Gabriel Witter é seu pai, né Steve?
— Que exibido. O nome ainda está em negrito.
— Vão ter mais projetos ao longo do ano, professor?
Nem sequer ouço as respostas, mesmo que eu vá precisar delas daqui a um tempo. Steve se retira da sala e todos se calam. Vou atrás dele.
Então é isso, Steve Witter.
O encontro bebendo um suco de caixinha em um dos banquinhos do corredor.
— Você tá bem? – Pergunto, sabendo a resposta. Ou não.
— Tô sim, relaxa. – Ficamos em silêncio por uns três segundos no máximo. – É só que, cara... já tinham esquecido o meu pai e ele mete uma dessa. Isso me deixa puto, porque quem lida com tudo depois sou eu.
— Mas o que seu pai tinha feito pra saberem quem ele é?
— Caramba, eu acho que você é a pessoa mais desatualizada dessa escola. – Dou de ombros, eu prefiro assim. – Ele foi preso há um ano por tráfico de drogas e tal e agora tá tentando se reconciliar com deus e o mundo, nada é suficiente pra ele. Eu não estou reclamando do ato que ele fez, só das consequências que isso vai tomar.
— Steve, seu pai devolveu a esperança de que essa escola tenha pelo menos algo de bom. Todos devem estar celebrando agora.
— Ah, para. Você ouviu os comentários, ele nunca vai ser mais do que um presidiário.
— Por que se importa com isso? Não acredito que seu pai seja alguém tão ruim assim. Duzentos mil reais não é mixaria.
— Sinceramente, pra ele é, mas ele sabe que não é pra instituições que ele doa. Ele não é má pessoa, Kristen.
— Eu acredito em você, mas quer saber? — Vejo ele quase espirrar o suco em si mesmo apertando a caixinha e pego de sua mão — Não importa o que eu penso, não importa o que todas essas pessoas pensam. São apenas adolescentes, Steve. São influenciáveis e com certeza fazem coisas piores do que seu pai fez, só não são flagrados e muito menos se importam. Ele é sua família e um dia todas essas pessoas que convivem com você hoje em dia vão sumir. Sabe quem vai sobrar?
— Ele? – Steve dá um sorrisinho sem mostrar os dentes.
— Ele. Sua família. Apenas ignore e aproveite o passeio junto com seus amigos. Uma hora todo mundo esquece e você não vai mais nem se lembrar dos atormentos.
— Eu não tenho amigos, na verdade. Não aqui. – Ele tira os olhos do chão e olha pra mim. – Mas obrigada, Kristen. De verdade, não tinha que fazer isso. Você é uma poeta.
Nunca ninguém me disse isso, mas é superior à um elogio qualquer.
— Não precisa agradecer, e outra, eu me considero mais do que só sua colega, Steve.
— Está dizendo que é minha amiga?
— Só se você quiser que eu seja.
— Então será uma honra.
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Pós-Verão
Fiksi RemajaKristen Donovan conta uma parte de sua vida conturbada: A adolescência. Envolve sentimentos, garotas e outros extremos nos quais Kris não sabe lidar. A verdade é que ela é uma das garotas mais desejadas da cidade, mas é o que menos enxerga. Seus ol...