• Capítulo Nove

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— Perdi no jogo.

E eu perdi as palavras.

— Tá brincando comigo? Você não é assim, Elizabeth. O que tá acontecendo, de verdade?

É, Elizabeth, você não é assim.

Me pergunto se continuo imóvel, eu não deveria escutar isso, é conversa de irmão pra irmão. Continuo ali.

— Não precisa se preocupar comigo, eu só tô passando por umas coisas. Não é nada demais. – Ela diminui o tom de voz —Desculpa por ter gritado, eu confiro se ela está bem. 

— Não deve ser "nada demais" pra você estar agindo assim. Anda, me conta.

— Eu tô bem, Samuel. Só alarmei por impulso. É só um jogo. Tô agindo como sempre, você que nunca notou. Como notaria?

— Do que está falando?

— Ninguém percebe ou nota o que estou sentindo há meses. A minha cabeça está prestes a explodir! – Ela exclama.

Eu não deveria estar aqui. Eu não deveria ouvir isso. Eu me preocupo com ela. Eu deveria ter notado.

— Ei, eu sinto muito por isso, sinto muito por você se sentir assim. Todos sabemos que você tem sentimentos, Lili. Você só não pode carregá-los sozinha.

— Sam, eu tenho algo pra te contar. – Liz dispara.

Ele se mantem em silêncio por um período curto de tempo.

— Quando quiser.

Me afasto da porta. Eu realmente não quero invadir mais ainda a sua privacidade.

— Eu gosto de garotas. – Ainda escuto.

Porra.

Eu não queria MESMO ter escutado isso. Na verdade, queria, mas depois desses anos todos...
Eu senti algo por ela esse tempo todo e ela só vem confessar isso agora?!
Mas ela pode ter descoberto agora...
Não que isso signifique que ela sente algo por mim. Ou será que sente? Isso justificaria um pouco ela estar brava comigo, ou não?
Surgiram tantas perguntas na minha cabeça, eu só queria ir embora e fingir que nunca ouvi isso, mas fico feliz que ela tenha se assumido para alguém de confiança.

— Eu também gosto de garotos! Só pra frisar...

— Ei, relaxa! Eu sou gay, caso não se lembre. – Eles dão uma risadinha — Cara, isso é tão legal... Mamãe tinha um arco-íris no útero. Há quanto tempo se descobriu?

— Há poucos meses, não chegam nem a cinco.

— Posso perguntar como descobriu?

— Não acho que tenha sido alguma situação específica, eu só comecei a enxergar garotas de outra forma. Na verdade acho que tive dúvidas por anos, sabe? Mas nunca deixei que isso fluísse.

— Ainda tô meio magoado que não me disse isso antes, mas tudo bem. E então... você pretende se assumir?

    Há cada dois passos que eu considerava dar pra trás, eu andava mais um pra frente contra a minha vontade. Me livrar desse desejo guardado no meu inconsciente é uma das partes mais difíceis.
   Não estar nem a seis polegares de distância daquela porta cheia de borboletas penduradas - ou seja lá o que estava fazendo as flutuarem como se fossem de verdade - parecia errado, eu estava buscando o errado, mas eu quero sair daqui. Não quero?

Por que não consigo me mexer?

Mas eu espero por isso já fazem cinco anos, que mal pode fazer?

— Sam, você mais do que ninguém deveria saber que não é tão fácil assim. Quero que leve isso a sério, como eu nunca levei. – Escuto a sua voz falhar.

— Você sabe que todo mundo ao seu redor te apoia, certo? Não precisa ter medo.

— Eu não tenho medo do que as pessoas vão pensar. Tenho medo do que eu sinto e principalmente de como eu vou me sentir ao admitir em voz alta pra mim mesma. – Ela suspira. — Cara, já faz uns 4 ou 3 meses que eu tô tentando evitar tudo isso. Quer dizer, não é justo com ela, é? – Ouço a sua voz abaixar o tom aos poucos, como se tivesse se tocado do que estava falando.

Ela?

— Como assim "ela", Lili? De quem você tá falando?!

— Aí, que droga.  – Consigo ouvi-la bufar. — Da sua melhor amiga, é dela que estou falando.

— Mas o que- — Eu e Sam reagimos em uníssono. Me toco de que falei alto o suficiente para que escutassem. O silêncio mais ensurdecedor da minha vida reina.

*

   Eu não consegui permanecer ali, entrei em pânico. Fui para casa a pé e nunca tinha corrido tanto na minha vida. Sei que Sam tentaria me alcançar, mas não dei chance. O que tudo aquilo significava? Ela estava se preocupando com que eu fosse pensar algo do tipo que injusto! Ela não gostava de garotas quando eu gostava dela e agora ela gosta – de garotas, não de mim -, que vaca!
E eu confesso que isso passou por minha cabeça, mas sei que não é uma escolha. Eu só queria que ela gostasse de mim, só isso. Mas e se aquilo significasse que ela sente algo por mim e não sabe como me dizer agora que eu particularmente a superei?
Eu fiz certo de apenas ter saído correndo?

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