Bastardos

Cartas na mesa.

A respiração. Era tudo o que Tiago conseguia escutar. Ele e seus colegas puxavam o ar com tensão, qualquer som muito alto e estaria tudo acabado o monstro descobriria a emboscada e mais uma vez eles seriam derrotados.
Não apenas Tiago e seus parceiros sabiam disso, mas toda a vila havia se comprometido com aquele momento e a tensão parecia falar mais auto. Não se ouvia nada nas ruas, nem nas casas, até às crianças estavam em silêncio... Aguardando.
A criatura era muito esperta, Tiago já havia participado de várias tentativas falhas de prende-la, mas nunca obtiveram sucesso. E ele tinha medo... Medo do que aconteceria se não a capturasse. Dessa vez seu pai não toleraria erros e ele já havia cometido vários e naquela manhã seu pai o olhou com mais severidade do que de costume.

- Ei cara! - Disse Davi seu único amigo tocando em seu ombro. - Está na hora! Avistaram ela nas plantações ao sul.

O velho Fausto, ferreiro da cidade, trouxe espadas curtas e ornamentadas as entregando para os cinco jovens que se acotovelavam para conseguir pegar as de aspecto mais mortal. Ele também puxou duas lanças de madeira com pontas de ferro recém trabalhado e respirou fundo como se fosse dizer algo solene.

- Agora as lanças.- disse baixinho com orgulho olhando para os quatro rapazes que estavam a um passo de distância de Tiago. - É uma honra ser o lanceiro, os contemplados iram ter a importante tarefa de limitar o monstro...

O velho suado e de roupas sujas continuou discursando causando sono e desinteresse em Tiago que coçava seu cabelo acinzentado e despenteado.
"Inúteis, as lanças eram inúteis!" Pensou com irritação, os idiotas que as iam segurar só divertiriam a criatura. Seus reflexos são incríveis, desviar desses idiotas ia ser fácil a real chave para a derrotar era ...

- Tiago? Está ouvindo as instruções? - disse Fausto irritado limpando seu suor abundante no avental. - Ah! Não importa! Ulisses e Jorge são os escolhidos! Sejam responsáveis rapazes, nossa segurança depende de vocês.

Sim dependia, infelizmente a maioria dos homens da cidade não tinha treinamento militar, na verdade isso era um tabu para sua pequena e pacata vila, poucos eram aqueles que sabiam se defender de uma mosca.

O pai de Tiago sempre foi contra isso, para ele todos deveriam saber se defender, "mas para que?"  Pensavam os moradores, "não temos guerras, nem assaltos, nem mau tempo! "
Bem era assim antes da coisa aparecer, até os 13 anos de idade os únicos que treinavam artes marciais eram seu pai, Davi e as vezes seu pai conseguia o forçar a treinar.

Tiago não sabia exatamente se gostava ou não de brigas, o que sabia era que ser ajudante da curandeira era muito mais divertido, seu pai não gostava, mas ele amava. Era difícil aparecer alguma coisa muito interessante, mas já tinha visto machucados bem fundos e até uns ossos quebrados.

Os outros garotos gostavam de jogar futebol, caçar por aí, mas para Tiago passar uma tarde catalogando especies de ervas medicinais era a melhor coisa.

Mas, depois que a coisa apareceu e assassinou duas velhinhas, o pai de Tiago não pensava em mais nada além de acabar com ela. Ele também queria que essa maldita criatura fosse morta, mas para seu pai essa parecia ser a única coisa que importava.

Um grupo de homens e mulheres passaram a treinar com seu pai, mas seu velho não se conteve com isso, ele decidiu que queria um pequeno grupo de elite que se dedicasse 100% a causa. E é claro que Tiago teve de ser o primeiro "voluntário", os outros foram escolhidos a dedo por serem os garotos mais atléticos da cidade.

Nesse meio tempo de treinamento o velho, não deixava que os garotos do grupo de elite se envolvessem diretamente no conflito, ele dizia que era para não estragar o elemento surpresa, mas para Tiago ele só queria evitar que o filho entrasse na briga de verdade. Aquelas coisas paternais confusas de "quero você forte! Mas bem debaixo das minhas asas!"