Capítulo 1 - Penumbra

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 Você provavelmente já deve ter sentido aquela vontade de sair por ai correndo como se nada importasse, pensando em encontrar o lugar dos sonhos, o seu "Éden" ...
 Eu também pensava assim, achando que nunca encontraria esse lugar e ficaria só em meus sonhos, foi então que em um fatídico dia, essa visão mudou...
 Era uma manhã fria de agosto, as férias acabaram e a rotina da faculdade estava voltando ao normal, o céu estava pálido com algumas nuvens sobrepondo o brilho do sol, provavelmente indicando uma chuva forte ao meio da tarde, meu quarto ainda escuro estava gelado e-
- VEM LOGO SE NÃO VAI FICAR SEM CAFÉ!!
 Minha mãe, Alice já gritava comigo às 6 horas da manhã de uma segunda-feira. Procurava em meu quarto ainda todo desorganizado meu uniforme da ironicamente sonhada Universidade Sonhos, lugar esse que todas os jovens, ricos ou pobres buscam entrar, menos eu, que passei direto por ser filho de professor, mesmo ele não estando mais vivo... Quando foi chamado para um treino militar, seu fuzil estava com defeito e a arma explodiu nas suas mãos, cortando seu pescoço e o fazendo sangrar até a morte, agora a única lembrança que me resta é um pingente que ele usava, era uma espécie de pentagrama ou algo do tipo, minha mãe sempre disse que dava sorte pra ele e como é minha única memória eu sempre uso.
 Finalmente achei o uniforme azul com detalhes em vermelho, minha mãe já estava entrando em crise com a minha demora então desci correndo sem nem arrumar o cabelo, desci arrumando a calça e me encontrei com um prato de torradas com um copo de café na mesa, o que me deixou no mínimo assustado:
- Tudo isso pra que mãe? É só a volta às aulas.
- Estava inspirada hoje...
 Sua fala era motivadora, mas sua expressão era totalmente o contrário, seu rosto estava pálido e suas olheiras estavam mais expostas que nunca, havia acontecido alguma coisa essa noite mas fiquei com receio de perguntar, ela anda muito ocupada com o serviço que eu mal converso com ela hoje em dia, fora que eu não gosto de café e mesmo assim ela fez, tomei pra não deixa-la triste e fui pra universidade.
 O que tinha esquecido é que a vida não é meu sonho e ainda não tenho um carro, então sou obrigado a andar de ônibus todo dia, a parte boa é que sempre posso conversar com o motorista, Antônio, ele já tem seus 70 anos e trabalha só porque gosta de dirigir, mas ainda assim é quase como um tio pra mim hoje em dia, é quase como aqueles mentores em séries de fantasia, mas isso fica para os sonhos, agora vou ter que enfrentar esse inferno chamado "ônibus lotado".
 Chegando lá na faculdade depois de quase morrer sufocado dentro do ônibus, dou de cara com uma fachada completamente nova, eles mudaram todas as cores que antes era um bege e cinza escuro para algo mais moderno, um branco com azul e vermelho, ficou bonito mas chamativo demais, mesmo assim, tinha algo errado, a grama estava mais escura e tinha algumas árvores mortas, algo que com o antigo jardineiro nunca aconteceria, ou é por conta da troca de estações, enfim, fui direto pro campus pra me reunir com o pessoal já que é o único lugar vazio, o que é irônico pra um prédio gigantesco desses, é quase como o Castelo de Windsor, agora o que um castelo gigantesco desses faz no meio do interior de São Paulo eu não sei, mas ele existe e é enorme.
 Chegando lá vi o Marcos e o Diego conversando perto da praça principal, marcos como sempre estava todo machucado por andar de skate igual um louco, sinceramente as vezes eu me pergunto o por que ele entrou na faculdade e como ele entrou, já o Diego estava com sua jaqueta de couro clássica que ele não tira por nada, provavelmente nem deve lavar aquilo já que só anda de moto pra todo lado, inclusive é o único do nosso grupinho que dirige, mesmo não tendo carro. Chegando perto vi que estavam com uma cara meio triste, alguma coisa havia acontecido:
- O que houve rapazes?
- É o Hugo, ele apanhou de novo... - disse o Diego, com um tom agressivo.
- Parece que algumas coisas nunca mudam né Michael? - Completou  o Marcos, melancólico.
 Hugo é o amigo mais moreno do grupo, é também o mais inteligente e dedicado de nós e isso é motivo de inveja para alguns que acabam o machucando só por não aceitarem ele se dar bem em um curso tão difícil como medicina, e se fossem só outros alunos ainda era algo fácil de resolver, mas o buraco é bem mais embaixo...
- Aonde foi isso?
- Érrr, melhor a gente ficar quieto... - Marcos me interrompeu.
- Tá de sacanagem? Um amigo nosso acabou de apanhar e você quer ficar quieto?
- Não é isso não, é que ele tá bem atrás de você...
 Quando meu corpo virou, vi Hugo chorando, uma marca roxa no braço esquerdo e sangue no nariz, sua cara era uma mistura de dor, tristeza, raiva e amargura, era um olhar tão triste que me deu vontade de caçar aqueles que fizeram isso e duplicar a dose neles, se eu conseguisse já que lutas não são o meu forte...
- Cara, que-
- Não, nem tenta ir atrás, foi a professora de anatomia e ela está decidida a me reprovar.
- E você vai abaixar a cabeça pra isso?
- E EU VOU FAZER O QUE MICHAEL? Metade dessa escola me quer fora daqui e é isso que eu vou fazer, podem falar o que quiser mas não vou ficar me matando nessa porra pra no fim nem ter um diploma.
 Ele estava abalado, é como se tudo aquilo que ele se esforçou na sua vida fosse em vão, aquilo que os seus pais haviam feito pra ele conseguir entrar na Sonhos não servira de nada e ele estava disposto a jogar tudo isso fora só pra acabar com o sofrimento.
- Ah não, calma ai que agora a chapa vai esquentar – Marcos estava pronto pra descer a porrada em qualquer um que aparecesse na sua frente (mesmo ele sendo tão ruim de briga quanto eu), enquanto Diego ficava parado igual uma estátua, se a gente fosse ele seguiria, se não ficaria ali esperando algo acontecer.
 Enquanto discutíamos tudo isso, vi ao fundo uma garota nova passando, no primeiro momento ela parecia saber exatamente onde ir e em um piscar de olhos, completamente perdida, seus olhos buscavam em todo o horizonte algum lugar pra ir enquanto seu corpo congelava no meio da escada envolta de uma multidão de alunos. Meu corpo sem eu pensar começou a ir em sua direção para ajudá-la, escutei algum dos três falando algo como "aonde você tá indo Michael?"
 Chegando lá perto vi que sua bolsa estava aberta, quando fui pra avisa-la senti uma força me puxando pela alça da mochila e quase me jogando pro chão da entrada, quando vou ver, os três patetas estavam atrás de mim, Hugo já tinha limpado o rosto e estava se segurando pra não rir comigo quase caindo no chão, já os outros dois com uma cara de espantado olhando pra mim:
- O que tu pensa que ta fazendo?
- Ta querendo falar com uma garota?
 Aparentemente os dois ficaram com medo de apanharem e correram pra mim como se algo fosse mudar e usaram a garota como desculpa pra isso, que por falar nela, quando me virei novamente, ela havia sumido, única coisa que sobrou na escada foi seu chaveiro que escapou, era uma pena branca e preta, tive que pegar antes que alguém pisasse em cima e destruísse aquilo, e antes que eu fizesse qualquer outra coisa, o sinal toca e a gente é obrigado à correr para as salas.



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