Capítulo 27

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                      Por Carla Rosón

Então.

Samuel e Marina terminaram.

Se é que dá para dizer que em algum momento estiveram juntos.

-Não faz o menor sentido - Marina diz, batendo a caneta furiosamente contra o caderno, sentada ao meu lado na sala de reuniões. -A gente nem...

Ela olha ao redor da sala quase vazia.

-Você sabe.

Tento esconder a alegria que essa notícia me causa.

Samuel e Marina não foram para a cama.

Não deveria fazer diferença para mim, mas mal consigo respirar.

-Vai ver ele tem mais respeito por você do que pelas outras garotas - digo, caprichando na gentileza. -Sabe que você merece mais que só uma noite.

A caneta acelera.

-Mas então por que terminar tudo? Tipo, ele não me vê nem como uma diversão temporária nem duradoura.

Contraio os lábios.

-Me conta exatamente o que ele falou.

Ela me olha de um jeito estranho.

-Já falei duas vezes. Sinceramente, é você que deveria estar me dizendo coisas. Ele é seu melhor amigo. Me explica o que se passa na cabeça dele!

Fico hesitante. Ainda não contei a Marina que Samuel e eu não estamos nos falando, e estou um pouco surpresa por ela não ter percebido, na verdade. Assim como Polo. Fico indignada. Nunca me senti tão sozinha, tão perdida, e duas das pessoas mais próximas de mim nem se dão conta.

E a pessoa que deveria ser a mais próxima de todas — meu melhor amigo — não pode nem ser considerado isso no momento.

-Ele só falou que mereço mais - Marina diz, encolhendo os ombros, depois que se torna óbvio que não tenho nada a acrescentar à conversa. -Não sei o que isso significa - ela continua. -Mais o quê ? Então começou a falar sobre trabalho, família, e um papo de que o irmão mais velho ganhou um prêmio de serviço público que ele nunca vai ganhar, e um monte de outras coisas, mas eu só conseguia pensar: espera aí, então quer dizer que não vamos nem transar...

Marina está sentada à minha direita, e escuto um suspiro dramático à minha esquerda. Viramos para lançar um olhar de irritação na direção de Eryn.

Tarde demais, percebo que nossa conversa, que começou com sussurros, foi aumentando de volume à medida que Marina se mostrava mais e mais chateada.

Eryn confirma que ouviu tudo soltando um comentário ácido:

-Vocês sabiam que existem lugares melhores que a sala de reunião para falar sobre a vida amorosa?

Marina levanta um dedo, e não sei se está entrando ou não no modo diva, mas eu o abaixo com um gesto discreto.

-Você ouviu muita coisa? - pergunto a Eryn.

Ela não parece nem um pouco envergonhada quando vira pra gente, então dá uma olhada para se certificar de que nossa chefe ainda não chegou e que as duas únicas outras pessoas presentes estão no canto oposto da mesa gigantesca, uma falando ao telefone, outra aparentemente jogando palavras cruzadas on-line.

-Vocês estão falando sobre Samuel García, certo? O amiguinho da Carla?

Nem Marina nem eu confirmamos, mas ela prossegue mesmo assim.

-É óbvio o que está rolando com ele. Complexo de inferioridade.

Solto uma risadinha de deboche.

-Você cruzou com ele aqui no prédio da empresa o quê? Cinco vezes?

E em todas as vezes que ele acompanhou você nos happy hours e em outros eventos. Tenho que me ocupar com alguma coisa enquanto vocês me ignoram, então fico observando tudo.

Sinto uma pontada de culpa. Eryn é tão irritante que nunca me dei conta de que podia se sentir excluída.

De fato, não sei se todo mundo a exclui por ser irritante ou se ela age de modo irritante por se sentir excluída.

-Ele acabou de ser promovido, né? - Eryn confirma.

Marina arregala os olhos.

-Desde quando você vem escutando nossas conversas?

Eryn dispensa o comentário com um gesto.

-Desde sempre. Vocês falam muito alto e parecem não perceber que as divisórias dos cubículos só chegam até o peito. E não são exatamente à prova de som. Enfim, então Samuel foi promovido há pouco tempo e se recusa a contar para as pessoas, ou seja, ele acha que não merece. Além disso, depois de galinhar por aí, finalmente encontrou alguém legal...- Eryn lança um olhar cético na direção de Marina. -Então termina tudo porque acha que ela merece mais...

Fico olhando para ela, com os pensamentos a mil.

Eryn dá de ombros mais uma vez, muito convencida.

-Como eu falei, complexo de inferioridade. O cara acha que não serve pra nada, que não merece nada de bom.

Marina começa a esbravejar com Eryn, dizendo que deveria cuidar da própria vida, mas eu me recosto na cadeira e começo a pensar em tudo o que ela falou.

Ela nem conhece Samuel, mas pode estar certa.

Ai, meu Deus .

A briguinha de Marina e Eryn é interrompida pela chegada da nossa chefe, e tento me concentrar na reunião. De verdade.

Mas as palavras de Eryn ficam se repetindo na minha mente. "O cara acha que não serve pra nada, que não merece nada de bom."

De repente começo a repassar tudo o que aconteceu.

O fato de negar ser merecedor da promoção.

Sua recusa a contar para as pessoas.

Então me dou conta de que ele se fecha em si mesmo toda vez que vai visitar sua família perfeita.

Penso que tira o foco de todas as coisas importantes que faz, se concentrando em brincadeirinhas sobre suas habilidades em Call of Duty e suas proezas na cama.

E, o pior de tudo, penso na briga que tivemos na véspera da minha mudança. Quando ridicularizei a ideia de que ele poderia namorar.

Minha reação foi uma resposta ao choque — talvez ao ciúme —, mas e se Samuel tiver compreendido de outra forma?

E se achar que não penso que seria um bom namorado?

E se ele achar que não acredito que ninguém ia querer namorar com ele?

Esses pensamentos deixam meu coração apertado, porque estamos brigados no momento. Sei que Samuel se importa com minha opinião, assim como eu com a dele.

Eu sou — ou era — importante para Samuel, e falei que ele só servia para pegação e mais nada.

E esse lance com Marina...

Será que ele não se acha bom o suficiente pra ela?

Quanto mais penso no assunto, mais me irrito, porque Samuel seria um companheiro incrível para qualquer um.

Ele é o máximo .

Mas, quando começo a me empolgar, vem o desânimo.

Houve um tempo em que eu poderia defender Samuel. Ser a pessoa que o procuraria neste exato momento e faria um monólogo animado sobre estar sendo um idiota, e sobre como seria uma enorme sorte para qualquer garota ser sua namorada.

Eu poderia ter feito isso na época, mas as coisas mudaram. Porque tenho medo de acabar dando com a língua nos dentes. De dizer o que não devo.

Tipo que eu quero ser essa garota.

Mais que amigos - Samu e CarlaOnde histórias criam vida. Descubra agora