Capítulo 31

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                      Por Carla Rosón

Polo "escondeu" a aliança na gaveta de cuecas.

Quer dizer, sem contar o clichê da coisa, ele não é capaz de levar em conta nem que quem lava as roupas sou eu? E não só lavo, mas seco e guardo.

Claro que eu ia encontrar a maldita aliança.

Mas no fim não faz diferença.

Não faz diferença se Polo estava torcendo para eu encontrar a aliança, no que seria a proposta de casamento menos romântica de todos os tempos, ou se ele é apenas distraído.

No fim, a caixinha vermelha foi o alerta de que eu precisava.

Não só de que não posso casar com Polo, porque disso já sei há um tempão.

Mas a caixinha me fez perceber uma coisa ainda mais perturbadora:

Estou usando Polo.

Deito ao seu lado todas as noites, tentando me lembrar de como era ser apaixonada por ele, quando na verdade cada pensamento e cada sonho meu envolvem outra pessoa.

É claro que não revelo essa última parte quando termino tudo com ele.

Só peço para se sentar comigo quando chega em casa do trabalho e com toda a tranquilidade e gentileza digo que as coisas não estão dando certo.

A ironia da situação fica bem clara.

Não era minha intenção, mas dei um pé na bunda dele no mesmo local em que levei um alguns meses antes.

E sou obrigada a reconhecer que ele lida com a rejeição com muito mais dignidade que eu.

Nem ao menos parece surpreso. Como o conheço muito bem — quase tanto quanto conheço Samuel —, estreito os olhos.

-Polo.

Ele ergue os olhos.

-Você não parece exatamente arrasado - digo com um sorriso leve. -Em especial considerando que encontrei uma certa aliança na gaveta da sua cômoda...

Ele solta um grunhido e se inclina até encostar a testa no balcão da cozinha.

-Sou um idiota.

-Porque ia me pedir em casamento quando acabamos de voltar? Sem nem ter transado ainda?

Ele bufa.

-Eu sei. Ia devolver a aliança. É que...

Apoio o cotovelo na mesa e o queixo na mão.

-É que...eu pensei que comprando a aliança... me comprometendo com você, ia conseguir esquecer...

Ajeito minha postura na hora.

-Ai, meu Deus. Você ainda é a fim da tal Laurel.

-Não! - Ele senta direito. -Não, eu... Sei lá. Faz tempo que a gente não se vê, mas ainda penso nela. Fico me perguntando...

Então eu sorrio, ainda que seja um sorriso agridoce, e fico de pé. Me inclino para a frente e dou um beijo na testa dele.

-Você deveria conversar com Laurel.

-Ela tem namorado.

Dou de ombros.

-Mesmo assim. Acho que nós dois sabemos que é possível namorar uma pessoa pensando em outra.

Ele me olha com cuidado.

-Samuel?

Engulo em seco.

E assinto.

Polo solta o ar com força.

-Eu sabia. Aquela música no karaokê... foi pra ele, não foi?

Meus olhos se enchem de lágrimas quando lembro. O mais estranho é que foi ontem à noite. Parece que tive uma vida inteira para pensar a respeito.

Não consigo parar de pensar no que senti despejando meu coração e minha alma ao cantar aquela música linda, de cortar o coração.

Ainda estou sob o impacto da agonia de ter contado a Samuel como me sinto sem que ele soubesse que eu estava fazendo isso.

Meu coração acelera quando penso a respeito. E se Samuel sabe?

Se Polo percebeu, por que não ele?

Ai, Deus. E se foi por isso que ele foi embora do nada ontem à noite?

Todo mundo achou que tivesse conhecido alguma garota no bar, uma hipótese que me irritou, mas essa outra é ainda pior. E se Samuel percebeu o que eu estava tentando fazer e deu no pé?

Polo fica de pé e me acompanha até a porta.

Pego a mala que deixei perto da porta para este momento, quando deixaria o cara com quem um dia pensei que fosse casar.

-Tchau, Polo.

Ele se inclina para a frente e me dá um beijo no rosto.

-Tchau, Carla.

E, de repente, está tudo acabado.

Acabou, e tudo bem por mim.

Talvez não "bem". Porque tem um buraco enorme no meu peito, o qual não está relacionado com o cara com quem acabei de terminar.

A melhor escolha seria ir para a casa dos meus pais. Ou de Nadia. Ou de Marina.

Ou até um hotel.

Preciso pensar a respeito. Bolar um plano.

Entro no carro e vou até meus pais. Chegando lá, não consigo sair.

Dou a partida de novo.

Faço o caminho de volta, mas não pra casa de Polo.

Vou pra minha casa.

Mais que amigos - Samu e CarlaOnde histórias criam vida. Descubra agora