Capítulo 07

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Por Carla Rosón
Um ano e meio atrás, minha mãe me ligou
numa quarta-feira e me perguntou se eu
queria ir tomar um café com ela.

Era um convite incomum. Não que eu não
goste de café ou da minha mãe. Mas, além de
viver em um bairro distante do centro, ela
também trabalha lá, como professora de
ciências do ensino médio.

Então não havia nenhuma razão para vir até a
cidade em uma quarta-feira qualquer, mas
por algum motivo isso não me acendeu
nenhum sinal de alerta.

Deveria ter.

Ela estava com câncer.

Ficamos sentadas naquele café durante duas
horas, mas, quando saímos, aquela única
palavra reverberava na minha mente.

Mais tarde, bem mais tarde, eu pensaria nos
detalhes. Nódulo. Estágio três.
Quimioterapia. Radiação. Mastectomia.
Prognóstico.

Todas palavras horríveis, derivadas daquele
único termo destrutivo que começava com
"c".O mês seguinte foi péssimo, como seria de
esperar. Eu chorava. Muito. Para piorar, meu
pai também. Minha mãe não, o que só servia
para tornar tudo ainda mais aflitivo, porque
era ela que estava doente, e aguentava bem
mais firme que a gente.

Mamãe perdeu os cabelos. Ficou enjoada e
fragilizada, mas manteve a força mental. Eu
ia visitá-la pelo menos três vezes por semana,
na maioria das vezes mais, e nem nos piores
dias ela deixou de me receber com um
sorriso.

Eu quis raspar a cabeça em solidariedade,
mas ela não podia nem me ouvir falar a
respeito. Foi dela que eu puxei os cabelos loiros, grossos e ondulados e foi ela que fez
questão de que eu mantivesse os meus compridos, para se lembrar dos dela enquanto não cresciam.

Durante muitas noites só ficávamos sentadas
em silêncio na sala com uma caneca de chá,
ouvindo suas cantoras de jazz favoritas enquanto fazia carinho nos meus cabelos, nós
duas no chão, ela usando uma de suas várias echarpes de cores vivas para esconder o couro cabeludo.

A coisa piorou antes de melhorar. Nas consultas médicas, sempre muito sombrias,
os prognósticos apontavam um fio de esperança e nada além disso. Uma mastectomia dupla em que seus seios seriam
substituídos por próteses que fariam parecer
que tudo estava normal, quando não estava.

E então..

E então minha mãe melhorou.

Está em remissão há cinco meses. Por ser tâo
cheia de vida, parece que o pior ficou para trás há cinco anos.

Seus cabelos ainda estão curtos, mas bonitos.
Seu corpo está mais forte a cada dia. Tanto
que vamos encarar uma corrida de cinco
quilômetros juntas no mês que vem, um
evento pelo tratamento do câncer de mama,
em que ela vai usar orgulhosamente um
broche indicando que é uma sobrevivente.
Eu não poderia estar mais orgulhosa.

Durante os piores momentos da doença dela,
sempre soube que não estava sozinha, mas
tive que me esforçar para não acabar desmoronando.

Quando chorava, era tarde da noite, sem
ninguém por perto. Nem Polo nem Samuel,
apesar de que, como dividimos a casa, ele
sabia que eu estava chorando. E eu sabia que
ele sabia, porque às vezes o encontrava dormindo na porta do meu quarto pela
manhã, como se tivesse montado acampamento lá para me proteger em meu
sofrimento.

Não que Polo não tenha sido exemplar.
Ele ficou do meu lado o tempo todo.

Mas foi Samuel quem sofreu junto comigo.

Ele sentiu a doença na pele, como se minha
mãe e meu pai fossem seus pais também.

Já encontrei os pais de Samuel uma porção de
vezes. Em visitas durante a faculdade, na
formatura, e coisas do tipo. Até passei um fim
de semana na casa do pai dele durante as
férias de verão. Eles são legais.

Mais que amigos - Samu e CarlaOnde histórias criam vida. Descubra agora