EXTRA.2

81 1 0
                                    

A "era das trevas" veio como uma gripe. Rápida e silenciosa. Destruindo todas as defesas do corpo. Uns dias antes de começar tínhamos feito um investimento financeiro ruim, que nos resultou em um prejuízo que particularmente me preocupava. Mas éramos um time, eu por ele e ele por mim. Sabíamos que passaríamos por momentos delicados e ele sempre tentava me manter segura de que ficaria tudo bem.
Levi estava no trabalho quando recebeu a infeliz noticia que seu pai havia falecido. Não eram próximos mas ainda sim era o seu pai. Ele me ligou pra contar a noticia, que teria que viajar para o velório e insistiu para que eu não fosse com ele. Eu não entendi muito bem, que pessoa não quer o apoio de sua mulher num momento tão delicado?
Ele havia me falado uma vez sobre uma situação que tinha passado com a família de seu pai, e segundo ele não queria que eu fosse diminuída ou destratada por eles. Mas minha insegurança gritou mais alto.  Pedi que ele voltasse pra casa para que eu o cuidasse, assim ele fez.
Houve uma grande briga naquela tarde, começou com eu ser insensível a sua perda por não ter o abraçado, e depois sobre ele ter arrumado tudo e só me avisar que estava partindo. E então virou apenas gritaria. Antes de sair eu pedi perdão por ter sido uma grande vaca naquele momento difícil. Deixei que meus problemas tomassem conta da minha mente.
Mas a briga não parou por aí....
Ele teve uma namorada na cidade que estava indo, haviam se tornado amigos. Eu era ciente que assim que soubessem da noticia varias pessoas que já foram próximas a ele viriam lhe desejar condolências, é normal. O que eu não era ciente é que havia um grupo com foto deles dois e corações no titulo, onde ela foi lhe desejar os pêsames e ele achou mais fácil apagar tudo. Só não contava que ela fosse mandar msg sem entender em outra rede social justo na hora que eu estava com o celular na mão.
Veja bem, eu vim de relacionamentos falidos, onde mentiam e me manipulavam.
Ah, mas ele nunca te deu motivos para desconfiar, certo? Exceto por uma pasta de fotos escondida e conversas arquivadas, não havia nada recente em nenhum dos dois, mas foram pautas de sérias conversas que tivemos.
Ele me veio com a desculpa de que eu ficaria zangada se visse e achou que esconder seria melhor. Era mais fácil ter contado a verdade e nos poupado da grande situação que aconteceu no aeroporto, por fim depois de muito se explicar eu entendi e disse que nós ficaríamos bem.

Era estranho estar naquela casa tão vazia e dormir sozinha então foi terrível. Ele estava sempre me mandando mensagens e ligando quando podia, recebeu muitas informações assim que chegou no local. Eram muitos olhares tortos e muitos "disse me disse" a respeito de sua presença no enterro do próprio pai. Logo os advogados começaram a trabalhar, acontece que seu pai tinha uma vida um tanto diferente do que ele imaginava e o que esperava por ele era algo que mudaria sua vida para sempre. 
Uns dias depois eu estava no trabalho quando recebi uma mensagem dele: "arruma suas coisas, você vem pra cá". Foi uma grande correria para organizar tudo, procurar todos os documentos que ele precisava, arrumar suas roupas e equipamentos eletrônicos pra levar, além de coisas que eu sabia que ele iria precisar mas não lembraria de pedir. De repente eu já estava em outra cidade na casa de sua mãe, eu iria com ela até ele. Uma mulher incrível, posso afirmar, que desde o momento que nos conhecemos ela se tornou família pra mim.
Foram horas de ansiedade até enfim encontra-lo. Meu coração palpitava de felicidade, não nos desgrudamos desde que pus os pés para fora do carro. Tínhamos dias de pendencias de saudade para resolver mas éramos hóspedes na casa de seus tios.
Mas é como dizem por ai: escondido é mais gostoso.
Tudo parecia uma grande novela. Família rica brigando por herança, irmãos brigados há anos, velhos mesquinhos e egoístas, mudança de testamento, tio querendo roubar o sobrinho, um ameaçando matar o outro. Eram tudo, menos uma família.
No começo foi um grande choque tudo que ouvi, era irreal. O pai dele era um verdadeiro filho da puta, que tipo de pai mente e esconde uma vida de luxo e conforto enquanto seu filho trabalha se arriscando muitas vezes debaixo de chuva por 12 horas?
O que nos aguardava era um longo processo judicial para que não fosse tirado dele mais nenhum centavo que era seu por direito e muitos se aproveitavam disso como se ele não fosse herdeiro de seu próprio pai. Estávamos jogando xadrez com as peças pretas, sempre fazendo da melhor defesa um ataque. Para cada movimento do adversário, um contra-ataque muito antes pensado. Seriam dias de muita luta, mas estávamos jogando contra leigos.
A advogada que estava a frente do seu caso era uma profissional excepcional, além de sua tia. Ela sabia de todos os podres da família, que não eram poucos, tinha um senso de justiça impecável e isso lhe dava confiança de que a vitória era certa.

O que era para ser uma visita de apenas alguns dias foram se tornando semanas, o dinheiro estava acabando, as contas atrasando, tínhamos o aluguel de nossa casa que logo venceria, minha faculdade atrasou, os meus chefes me pressionavam para voltar ao trabalho...
E nada da decisão judicial.
As brigas começaram a aparecer com mais frequência. Nós não tínhamos mais a nossa rotina cansativa que nos fazia ter saudade um do outro. Fazíamos tudo juntos e não desgrudávamos nenhum momento. Foi ficando sufocante. Depois de um tempo não conseguíamos conversar sem brigar, eu me preocupava muito com o nosso relacionamento e ele só pensava no processo. Ele só falava sobre isso, só se interessava sobre isso e as outras coisas eram superficiais. Acontece que eu não tinha muito no que pensar. Eu não queria pensar em todos os problemas que nos esperavam e todas as coisas que se acumulavam.
Começamos a ter problemas íntimos e isso desencadeou muitas brigas por ciúme. E as redes sociais que nunca foram um problema virou palco de muitos arranca-rabos.
Eu sei, era muita pressão naquele momento que estávamos vivendo. Foi tudo muito intenso, mudanças muito rápidas, e não tivemos tempo de nos preparar para tantas coisas em tão pouco tempo.
Ele foi se tornando cada vez mais depressivo. Ele não sentia mais paixão por viver, sentia raiva dos dias que não tinha uma notícia sobre o processo, dormia cedo para que o outro dia logo chegasse. Eu o procurava a noite mas ele sempre estava com sono demais. Então o cara que gostava de sair todo final de semana, o cara comunicativo e com a maior facilidade de fazer amigos que eu já conheci preferia passar o dia todo em frente a um computador jogando do que socializar com as pessoas. Era muito mais fácil pra ele virar a madrugada jogando do que se manter acordado vendo um filme que eu escolhi. Ele esperava dia após dia a por uma resposta da juíza e isso consumia sua vida.
Eu não soube lidar com isso. Eu não tomava meus remédios há uns meses e passar por toda essa mudança me abalou de formas que eu não sabia explicar, não conseguia controlar mais as coisas que eu sentia. Eu me sabotava, achava que eu não era mais boa o suficiente. Eu o via ser cada dia mais individual, tudo lhe dava mais ânimo que estar comigo. Logo virei sinônimo de raiva e briga. Eu o cobrava muito, sei disso, só que as coisas que pra ele não eram nada, eram tudo pra mim. E quando eu fraquejava, quando eu ameaçava desabar, eu ouvia de todos:
"você tem que ser forte! Forte por ele!"
Então eu levantava a cabeça e melhorava, e depois fracassava e melhorava de novo...
Aos poucos fui deixando de existir, deixei de controlar minha própria cabeça e minhas emoções, eu vivia e respirava ansiedade.
Tive que abrir mão de algumas coisas. Deixei pra trás o trabalho que eu tanto ralei e a cidade que eu dei tudo que eu tinha pra voltar, e tudo bem. Eu faria tudo de novo. Ele era o amor da minha vida, eu nunca o deixaria só! Por mais que tudo estivesse tão difícil ainda sim acreditava que se estivéssemos juntos tudo ficaria bem.
Perder coisas que eram tão importantes pra mim não foi um ato de coragem, foi um ato de amor. Por mais que ele não me visse mais como a mulher da sua vida eu ainda era sua mulher e permaneceria. Aos trancos e barrancos, na riqueza e na pobreza, na saúde e na doença. Foi uma escolha minha. Por nós dois.

No fim, tivemos brigas mais sérias. O controle emocional foi-se para não voltar mais. Terminamos e voltamos algumas vezes. Falamos coisas que machucaram e criaram feridas dentro de nós, e mesmo pedindo perdão não serão facilmente esquecidas.
Decidimos que precisávamos nos afastar um pouco, eu sentia falta do acolhimento da família e ele achou que seria uma boa idéia que eu fosse passar uns dias na minha cidade natal. Talvez melhorasse a relação.
Ida e volta compradas, uma malinha com algumas roupas, eram 15 dias de descanso de toda a loucura do último mês. Dias de autocuidado e recuperação emocional pra que eu conseguisse continuar firme ao seu lado. Combinamos de manter nossa fidelidade e lealdade mas cada um com seu próprio espaço e momento.
Só que ele tomou suas próprias decisões, pelos seus próprios fundamentos e motivações. Um dia depois da minha ida ele terminou comigo e pediu que eu não voltasse.
Partiu meu coração pela segunda vez.

CONTINUA

Eternizando EstrelasOnde histórias criam vida. Descubra agora