Eternizando Estrelas

SEIS

Dizem por aí que amor e ódio andam lado a lado, vocês ja viveram uma paixão que nasceu da raiva? Você sente o famoso ranço a primeira vista, tudo que aquela pessoa faz te irrita, ela abre a boca e você tem vontade de deitar a porrada nela.
Alguns anos atrás conheci esse cara, no meu momento mais impaciente e ansioso. Ele era arrogante, pretensioso e sarcástico. Tivemos uma briga nos bastidores do espetáculo que foi crucial pra que eu o odiasse, logo depois descobri que o mesmo faria parte da minha turma de teatro. Tínhamos amigos em comum mas ele não me descia.
O tempo foi passando, ele foi se tornando mais suportável, as vezes eu ria das besteiras que ele falava, encontrava em alguns rolês mas era apenas isso.
Passei a encontrar ele mais vezes, aquele garoto idiota não era tão idiota quanto eu pensava. Ele era bonito, marrento, cabeça dura, e eu me sentia atraída por ele. Mas eu sempre estava namorando.

Quando Ben me trocou pela segunda vez naquela festa de pré-carnaval ele estava comigo e meus amigos. Me animou pra não deixar a festa acabar por conta do ocorrido. "Você está linda, ele é um idiota."
Eu me diverti muito e graças a você aquela noite ganhou outro significado e eu nunca vou esquecer tudo que aconteceu, Marvin.

Naquela noite ele tentou me animar de todas as maneiras, me fazia rir, cuidou de mim como um bom amigo. De repente sentimos uma fina chuva de verão se transformar numa tempestade nos deixando completamente ensopados, no começo não nos importamos mas quanto mais tarde ficava mais frio fazia. Acabei me perdendo dos meus amigos e ele deixou os dele pra me fazer companhia, não conseguimos pedir um uber e já era muito tarde. Eu sentia tanto frio que meus lábios ficavam cada vez mais roxos, ele percebeu e perguntou se podia me abraçar pra me esquentar. Seu abraço era quente e caloroso, sentia sua respiração na minha nuca e seu coração bater mais rápido. Era estranho abraçar alguém que eu odiava mas foi tão bom senti-lo. Me senti segura.
Quando eu finalmente consegui um meio de transporte pra voltar pra casa a chuva engrossou, nos abrigamos em um pequeno quiosque e sem pedir apenas me apertou contra seu peito. Fui ficando cada vez mais ofegante. Levantei a cabeça para agradecer mas não consegui falar, olhando em seus olhos fui me aproximando e ele me beijou.
Logo em seguida o carro chegou, ele ficou no local e eu pedi que me avisasse quando chegasse. O que eu soube depois de algum tempo é que os amigos que ele dispensou pra ficar comigo eram sua carona, como não passava mais ônibus aquele horário ele pegou o que parava mais perto e correu aproximadamente 6km na chuva pra chegar em casa.
"Eu estava tão feliz que não me importava correr na chuva, às três da manhã, com todos que me viam me chamando de louco. Eu beijei a garota dos meus sonhos." palavras dele.

Eu procurei por você no outro dia, Marvin, mas você não foi à festa e seus amigos não sabiam onde estava. Então eu viajei. Não parava de pensar nele mesmo estando em outra cidade curtindo o Carnaval, trocamos mensagens todos os dias, eu queria muito vê-lo de novo.
Quando voltei ele me chamou pra sua casa para me ensinar a jogar pôquer, com qualquer outra pessoa isso seria um código pra sexo mas ele era mais profundo do que transparência. Foi divertido aprender algo que ele adorava e mais ainda ganhar dele, mesmo sabendo que ele me deixou ganhar.
Aos poucos fui descobrindo que não conhecia ele de verdade. Marvin era um gênio, seus pensamentos eram organizados, suas teorias fundamentadas, tinhas suas próprias filosofias e vivia de um modo genuíno. Eu adorava ouvir suas ideias matando um cigarro, adorava ouvir cada pronúncia e ao final ganhar um beijo. Ele sempre achou que eu era muito pro seu caminhãozinho, me colocava em um pedestal e me achava não só linda, mas também uma garota foda.
Tivemos um relacionamento muito bom, tínhamos nossas diferenças e brigavamos as vezes mas nossa parceria era única. Ele me acompanhava em todos os rolês que eu queria ir, do baile de favela ao terreiro de umbanda. Ouvia meus 15 áudios de fofocas e interagia como se soubesse de tudo. Era difícil nos ver um longe do outro, um fim de semana juntos se tornava uma semana. Bêbados e chapados, enfim o casal perfeito.
Passamos por momentos difíceis mas não lembro onde nos perdemos, onde nossas brigas definiam nossas conversas e nossa parceria acabou.
Eu precisei de você, Marvin. Você não estava lá por mim, não segurou a barra comigo, mas eu passei por cima disso porque achava que te amava. Mas você não me amava mais.

O fim sempre deixa sinais. Eu o sentia distante e não quis acreditar nos meus instintos, preferi confiar nele e que o amor que ele dizia sentir não falharia. No nosso aniversário de namoro não estávamos muito bem.
"Está tudo bem, amor?"
"Não, acho que nós dois não da mais certo."
"O que? Por que? Do nada Marvin?"
"Só... Não da mais."
"Olha, vamos conversar sobre isso. Eu planejei com carinho a noite de hoje, nós conversamos e se achar que é o fim mesmo vai cada um pro seu canto."
"Não Alice, não da mais."
"Tudo bem. Mas porquê?"
"Só acabou."
"Me da uma explicação, me diz o que houve, conversa comigo! Me diz se o problema sou eu ou se errei com você, me fala se eu posso melhorar..."
"Para Alice. Acabou."
"Vem pra cá e conversa comigo, somos amigos acima de tudo. Vou enteder se for o fim mas vem pra cá."
"Tudo bem."
Então eu segui o plano. Meus pais foram pro sítio e a casa era só nossa, comprei um bom vinho, fiz lasanha, coloquei uma lingerie nova e acendi as velas pra dar o clima. Então o esperei, por horas. Mas ele nunca apareceu.
Mandei mensagens, liguei, deixei recado, até a ficha cair que tinha acabado. Sem nenhuma explicação ele desapareceu da minha vida. Foi devastador como perder um membro, e conviver com um vazio sem saber o que aconteceu, onde tudo se perdeu, o que podia ter feito pra evitar... Foi o silêncio mais gritante e ensurdecedor que eu já vivi.
Hoje entendo que amor também é se afastar pra não machucar, e principalmente que talvez não tenha sido amor. Éramos jovens demais.
O meu amor ainda estava por vir.