Piloto

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              Me vi obrigada, depois de seis anos, a voltar ao Brasil. Depois de tanto tempo fugindo de tudo que me remetesse ao meu passado entristecedor. Me escondi nas sombras das minhas próprias derrotas, adquiridas a cada vez que eu dava um passo para trás, ou insistia em olhar para o que já tinha passado, na esperança de entender, minimamente, como vim parar aqui.

            Quando recebi aquela ligação de Carol, enquanto olhava para o visor do celular, pensei seriamente em atender e xingá-la insistentemente, até que ela desistisse de falar seja lá o que ela queria, ou melhor, eu poderia somente não atender e deixar aquele telefone tocando até cansar. Mas não foi isso que eu fiz.

           Atendi - era como se algo dentro de mim gritasse por isso - e escutei da voz dela a pior notícia que eu poderia receber. Papai estava doente. Não com uma doença rotineira, como ficamos uma vez ou outra ao ano. Ele estava com câncer. Seu estado cada vez mais precário e a quimioterapia se tornando ineficiente.

- Você precisa vir visitá-lo, Luiza!

             Aquela última frase de Carol martelou na minha cabeça por três dias seguidos. Ela desligou na minha cara - como se tivesse algum direito - e nunca mais retornou. Eu comprei a primeira passagem para o Brasil, sem volta. Estava deixando a Espanha, depois de tanto tempo, para embarcar diretamente para o país mais conhecido como "Mi Pesadilla" pelos meus amigos espanhóis.

           O quão egoísta eu sou por ter, por um segundo, considerado não voltar ao Brasil por achar que eu não saberia lidar com a pressão? Não sei em que escala estou aceita naquela família. Eu sei que meu pai não me odeia. Minha mãe... É, ela respeita minha existência pois, enfim, surgiu a partir dela. Minha irmã, - como é difícil falar essa última palavra... - bom, ela sabe que a odeio.

- E sua estadia? - Caio, um dos meus únicos amigos brasileiros aqui na Espanha, perguntou, enquanto me ajudava a colocar as malas no porta-malas de seu carro.

- Em um hotel. Qualquer hotel do Rio de Janeiro. - Respondi sem fôlego, pois ele foi todo gasto no levamento da última mala. - Eu não vou ficar na casa dos meus pais.

- Você não acha que eles farão questão disso?

- Provavelmente, mas eu não me importo.

- Posso saber do motivo?

- Carol.

- Apenas ela? - Questionou de sobrancelhas arqueadas. Ele sabe que minha resposta era não, mas eu jamais admitiria.

- Sim. - Respondi sem encará-lo.

           Entramos no carro, ele como motorista e eu no banco do carona. Fomos o caminho inteiro em silêncio. Minha amizade com o Caio já era cúmplice o suficiente para ele perceber quando eu estou tensa com algo, e temos intimidade o suficiente para ele também saber que eu detesto conversar nesses momentos de tensão, então ficou apenas calado.

            Foram quase dez horas de viagem, entre sonos mal dormidos, escalas e severas turbulências.

Eu estava exausta.

           Minha calça pantalona preta não combinava com o clima quente que pairava pela cidade do Rio de Janeiro, mas meu cropped de mesma cor aliviou o calor que eu estava sentindo.

           Eu descia as escadas rolantes com o carrinho cheio de malas. Cheguei ao salão de cheking e o calor aumentou três vezes mais. Amarrei meus cabelos longos em um coque soltinho e busquei me escorar em uma coluna, para aliviar as pernas, mas não perder um bom campo de visão.

Será que ela esqueceu de mim?

            Fazia quarenta minutos que eu esperava por ela, mas nada acontecia. Eu já estava acostumada com sua mania de atraso, mas, poxa, se passaram tantos anos, como não aprendeu ainda?

NÓS A SÓS | Fanfic Valu - Stupid Wife Onde histórias criam vida. Descubra agora