Capítulo XVIII

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Sofia estava cansada. Não dormira e seu pesadelo tomara conta de si, mesmo acordada, durante toda a noite. Tinha bebido chá, tomado calmante, trabalhado, mas tudo que ficava em sua cabeça era o sangue, toda aquela poça envolta do corpo, e de repente ela voltava toda a sua concentração para não chorar, não ter nenhuma crise de pânico, não incomodar ninguém.

Quando chegou o horário de sair deu graças a Deus e se levantou, tomou banho e se arrumou. Não conseguiu comer, tinha vomitado de madrugada e sabia que nada ia parar em seu estômago.

Pegou os brownies e se apressou em sair de lá. Foi para o número 206 e bateu à porta duas vezes.

— Bom dia – Ela disse assim que abriu a porta, e a mãe de Lara, Roberta, sorriu.

— Ah, bom dia! – Roberta tinha sempre as bochechas impressionantemente vermelhas, algo estranho para alguém com a pele tão morena. – Tudo bem?

— Tudo sim, vim trazer os brownies – Ergueu a cesta para mostra-la.

— A Lara avisou, muito obrigada – Roberta pegou a cesta esbarrando sem querer na mão de Sofia, ficando com um tom mais intenso de vermelho. – Quer entrar?

— Ah, não, está tudo bem – Rejeitou educada, e Roberta afastou nervosamente o cabelo dos olhos. – Muito obrigada, mas já vou para o trabalho.

— Nós te damos carona. Só vamos tomar café e já vamos. Deixamos você primeiro se não for caminho.

— Tia Sofia! – O salto que Lara deu para o colo de Sofia eliminou completamente as chances da mulher recusar o convite.

— Bom dia, lindinha – A menina desceu para o chão e abraçou Sofia, dando um beijo na barriga dela em seguida.

— Oooi, bebê – Falou com uma voz infantil, como se fosse muito adulta. – Como você tá? Ele tá bem, Sofi?

Sofia riu.

— Tá sim, e você?

— Tô espetacular – Disse veemente, de olhos fechados e uma expressão solene. – Você trouxe o bolo? Posso ver?

— Tá aqui, filha – Roberta pegou um pacotinho de brownie e deu para a filha. – Por quanto vocês vão vender?

Lara abriu a boca, depois fechou e franziu o cenho, confusa.

— Acho que a gente não sabe. Ninguém falou nada. Mas pode ser por vinte e cinco reais, porque foi a tia Sofia que fez, né?

Sofia riu.

— Acho que vinte e cinco reais é muito, lindinha. Pelo tamanho que eu cortei é cinco, no máximo.

— Aaah – Lara lamentou. – Pode ser! Mãe, compra um? Dois... Três! Um pra mim, um pra você e um pro papai.

— O seu pai não vai querer – Roberta replicou, acariciando os cabelos quase raspados de Lara. – Sabe que ele não come chocolate.

— Então dois pra mim e um pra você – Lara disse feliz. – Daí eu ofereço só pra ele ficar feliz... Fica cinco mais cinco mais cinco, que é igual a três vezes cinco. Dá quinzão, mãe. Compra? – Implorou com os olhinhos piscando, e Sofia foi obrigada a rir.

Roberta suspirou, constrangida porque sua filha dominava a situação logo na frente de Sofia. Deu um sorrisinho e concordou.

— Claro... Entra, Sofia. Vai com a gente, né?

E Sofia realmente achou melhor ter companhia do que pensar em feridas que jamais seriam curadas.

*

Sofia não sabia como achar outro laboratório que falsificasse exames. Depois que admitiu o fracasso para Nathan, o homem não teve como ajuda-la, e na realidade parecia querer fazer o oposto. Sugeriu que ela deixasse as coisas fluírem naturalmente!

Não era uma opção, a ideia a desesperava e a deixava estressada. Ninguém se intrometeu em seu caminho o dia todo, o que foi bom para todos, mas Sofia estava querendo explodir.

Estava tão frustrada ao ponto que quase ligou para Evan para despejar xingamentos contra ele por ser tão insistente, mas ele ligou primeiro.

— Alô – Seu tom foi duro e mal-educado. – O que você quer?

Ia te desejar um bom dia, mas acho que você já está tendo – O rosto de Sofia esquentou tão rápido que de um segundo para outro tingira o vermelho intenso. – Aconteceu alguma coisa?

— Fora o fato de eu receber uma ligação sua?

Pelo visto não – Ele não estava com tempo para ficar discutindo, na verdade – Encontrei um laboratório perto do centro, disseram que podem marcar para hoje a tarde, se estivermos com pressa. O que você acha? Posso passar onde você estiver e vamos para lá.

O coração de Sofia disparou.

— Pensei que eu ia escolher o laboratório – Escondeu o nervosismo na voz.

E eu pensei que você estivesse com pressa para se livrar de mim.

— Eu estou – Afirmou aborrecida, comprimindo os lábios e soltando o ar com exasperação. Sua vista começou a ficar embaçada. – Mas não quero ir em qualquer lugar por isso.

Eles pareceram legais quando conversamos, e as recomendações são boas.

— Eu quem tenho que gostar deles – Um nó se formava em sua garganta. Ela tentou controlar a respiração. Estava dando tudo errado, tudo. Apoiou o cotovelo na mesa e a testa na mão, segurando-se para não chorar. – Eles vão enfiar uma agulha na minha barriga! – Sua voz transmitiu a irritação, não o desespero. Ainda bem.

É, eu sei... Mas é um bom lugar, podemos ir lá só para conversar, marcamos pra outro dia se gostar deles, se não, só procuramos mais...

Ela cerrava os dentes e não conseguia destravar. Não conseguia se obrigar a respirar. Tremia involuntariamente.

— Tá – Ganiu, desligando depressa.

Muito depois, passou o endereço onde se encontrariam.

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