Capítulo XV

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Evan conferiu o estado de Sofia ao entrar no veículo. A mulher estava em silêncio e com o rosto impassivo, e a única indicação de seu desconforto, que podia ser confundido com displicência, era a tensão em sua postura enquanto cruzava os braços.

Até o momento em que ele ligou o carro ela poderia se passar por uma estátua, mas então ela fechou os olhos e respirou fundo, anunciando que estava pelo menos semipresente ali.

Mas não falou nada, e Evan a deixou quieta, observando-a pelo canto dos olhos de vez em quando, percebendo pequenos detalhes uma hora ou outra. Por exemplo, o jeito que seus ombros relaxaram gradativamente conforme se afastavam daquele lugar, como depois de um tempo ela começou a tamborilar os dedos sem alianças nas coxas, mesmo ainda parecendo aérea, e também deu atenção ao fato de que ela estava com a mesma roupa de quando tinham se encontrado, não havia muitas horas. Isso não era importante, apenas significava que Sofia devia ter ido direto para lá, e também que estava bonita.

Evan respirou fundo e continuou o trajeto. Não sabia aonde devia levá-la, e como preferia deixá-la se tranquilizar antes de lhe falar, dado ao potencial que ela tinha para se irritar com ele mesmo quando estava bem, decidiu seguir para algum lugar conhecido. Talvez ela morasse perto do shopping onde tinham se reencontrado...

De repente Sofia o olhou, comprimiu os lábios e voltou a atenção para a rua.

— Coloque o cinto.

— Quê? Ah, sim – Ele se surpreendeu em perceber que realmente não o tinha colocado. – Sim, senhora.

Ela fez um biquinho mal-humorado e afastou os cabelos espessos para detrás da orelha. Evan então notou dois piercings na cartilagem. Um com uma pedra azul e outro com o formato de estrela. Irrelevante, claro, mas ele não se lembrava daquilo.

— Você quer bater o carro? – Ela indagou irritada.

Quê?

— Está olhando mais pra mim do que para a rua. – Explicou.

O homem riu.

— Hum, acho que a honra de te ver duas vezes no mesmo dia é demais para mim. – Respondeu humorado, prevendo bem a faísca nos olhos dela.

— Se você está com pena de mim...

— Deus me livre! – Ele zombou. – Acho que você me mataria se eu tivesse...

— Mataria sim – Retrucou, mas semicerrou os olhos levemente. – Por que está me olhando tanto, então?

— Você não é digna de pena, sabe? Acho que só estou te olhando por curiosidade.

— Curiosidade?

— É, e preocupação também.

Ela suspirou aborrecida e se jogou contra o banco.

— Pode concluir o raciocínio? Não quero ter que perguntar o significado de cada frase solta que você fala!

— Qual o mistério? Me preocupo com você porque estava acuada ao ponto de me chamar, sendo que ficou claro que não gosta de mim, e minha curiosidade é justamente pela situação onde você se encontrava e o interesse em saber como você reage às coisas. Bastante simples, está satisfeita?

— Satisfeita não é a palavra que eu usaria. – Ela resmungou, mas Evan apenas riu, e Sofia já estava agitada outra vez: – Você não tem mais o que fazer? Por que foi me buscar?

— Porque você pediu.

Ela comprimiu os lábios.

— Humpf, bem... Obrigada.

— Disponha. – Ele parou no semáforo e Sofia identificou a avenida. – Está melhor? Quer conversar?

Ela sentiu uma pontada forte de irritação atingi-la ao encará-lo.

— Estou. Não, não quero. – Lembrou-se da mensagem dele de repente. – Não sobre isso, pelo menos. O que quis dizer com sem chance?

Evan se surpreendeu com a restauração da antiga relação.

— A mensagem?

— É, a mensagem.

— Acho melhor não discutirmos isso agora – Ele respondeu, categórico.

Sofia não cedeu.

— E eu acho que é um ótimo momento para discutirmos – Retorquiu. – Pelo menos resolvemos logo e limitamos nossos encontros.

— Você tem bastante presença de espírito, sabia? – Ele desconversou, não só porque não queria falar de um assunto como porque queria falar do outro. – Não faço ideia de qual possa ter sido seu problema com aquele cara, mas...

— Isso não é da sua conta – Ela cortou enfurecida, e do lado de fora um rapaz passava retirando os saquinhos de bala dos retrovisores porque o sinal abrira. – Você não... Isso não... – Engasgava-se e seus olhos num instante começaram a arder. Ela se calou. Por que infernos tinha chamado aquele homem insuportável?

— Certo! Não vou falar disso... Quer que eu te leve pra algum lugar?

O rosto dela estava lívido de raiva.

— Não te aguento mais, quero ir pra casa!

— Ok – Ele respondeu calmo. – Qual é o endereço?

Sofia abriu a boca para respondê-lo, mas mesmo com os pensamentos nublados e turbulentos foi capaz de lembrar as razões pelas quais não diria onde morava.

— Esqueça, pare aqui – Soltou o cinto e Evan a olhou como se fosse louca.

— Aqui, no meio da rua movimentada?

Ela cerrou o maxilar.

— Aqui, em qualquer lugar! Quero sair desse carro...

— Ser atropelada é tão divertido assim? – Seria melhor do que ficar com ele, se não estivesse grávida. Sofia respirou fundo e o esperou parar o veículo. – Pronto. – Ele desatou o cinto e pediu que ela esperasse. – Não acha melhor espairecer um pouco antes de entrar no carro de um desconhecido?

— Vou poder fazer isso quando parar de ouvir a sua voz.

Ele apertou a ponte do nariz, cansado.

— Prometo que fico quieto, mas vamos tomar alguma coisa aqui enquanto você se acalma – Estavam na frente de uma panificadora, e a mulher só então reparou. – Se quiser também resolvemos a questão do laboratório depois disso, mas eu não vou te deixar sair antes de garantir que você está bem.

— Me deixar...?

— Você está grávida e o filho pode ser meu – Ele a interrompeu. – Será que não podemos concordar que queremos a sua segurança?

Ela arqueou as sobrancelhas, surpresa. Em seguida corou e sentiu um aperto no peito. Seu filho... Realmente! Não podia ficar sozinha daquele jeito, e se alguma coisa acontecesse com o bebê?

— Tá bom. 

— Ótimo.


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