{Cap. 1}

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Quando você ficar mais velha, mais tranquila, mais lúcida
Vai se lembrar de todos os perigos por quais passamos?
Ardendo como brasas, se apaixonando docemente
Antes dos dias sem rendição de anos atrás
E você saberá?
LP
╰─────────────➤✎Lost On You

Quando você ficar mais velha, mais tranquila, mais lúcidaVai se lembrar de todos os perigos por quais passamos?Ardendo como brasas, se apaixonando docementeAntes dos dias sem rendição de anos atrásE você saberá?LP╰─────────────➤✎Lost On You

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Pacientemente eu tentava fazer com que minha irmã Alana comesse alguma coisa

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Pacientemente eu tentava fazer com que minha irmã Alana comesse alguma coisa. Ela andava se recusando a comer qualquer coisa já fazia alguns dias e me incomodava o fato de eu não saber o que era. Eu estava com 22 anos. Havia sido a única modelo do meu vilarejo desde muito nova. Eu tive a possibilidade de ter uma carreira promissora como modelo, mas havia optado pela carreira de artes plásticas, decisão que levou a um conflito familiar muito grande, já que a possibilidade de um artista plástico subir na vida eram escassas. Eu tinha uma beleza única segundo os moradores do vilarejo, algo que deixava até um tempo atrás o meu ego bem grande, mas no fundo eu sabia que aquilo se devia apenas pelos meus cabelos grossos e ondulados e meus chamativos olhos âmbar extremamente incomum. Apesar de sentir inúmeras vezes meu ego crescer com os elogios, ao mesmo tempo eu não me orgulhava dessa tal beleza, pois a herdei de um homem que eu deveria chamar de pai, mas que me abandonou, a mim, minha irmã e minha mãe assim que Alana foi diagnosticada com uma doença neurológica rara.

Por vezes me pegava pensando nele e no que ele devia estar fazendo. Será que ainda estava vivo? Acho que nunca saberei.

Alana, minha irmã mais nova, tinha 17 anos, puxou a beleza da mamãe, o que na minha opinião, era infinitas vezes maior do que era minha própria beleza. Ela tinha cabelos longos e escuros, os fios grossos davam um volume excepcional a ela. Antes de tudo isso, ela era extremamente vaidosa. Se precisava ficar em forma: "vamos fazer exercícios", era a primeira coisa que ela falava. Se precisava ir para uma festa: "necessito de duas horas só para arrumar o cabelo". Alana entendia muito sobre maquiagens e usava cores escuras para dar um certo destaque em seus olhos verdes. Comentários como "sua irmã é tão linda, pena que está em uma cadeira de rodas" era algo muito frequente e que fazia o meu corpo tremer de raiva, mas sempre me lembrava da felicidade praticamente palpável de Alana e deixava esses comentários de lado.

Eu sabia o quanto Alana era forte, nunca demonstrava estar incomodada com a cadeira de rodas, mesmo sabendo que a paralisia nas pernas não melhoraria nunca. Alana costumava dar nome a cada cadeira que aparecia e usualmente usava o termo "nós", como se a cadeira fosse alguém e não algo que a acompanhava. Eu admirava sua felicidade latente, sua força de vontade, suas conquistas e apesar de ser 5 anos mais velha que ela, eu tinha o sonho louco de algum dia ser igual a ela.

Sim, Alana havia sido minha inspiração, até que chegou o dia trágico, o dia que destruiu todo o vilarejo e o mundo. Enquanto escutávamos gritos de lamentações vindos das ruas, olhávamos fixamente nossa mãe agonizando em seus últimos minutos dentro de casa.

Naquele dia, eu tive certeza de que eu e minha irmã morreríamos também, afinal, o vírus matava com uma velocidade incrível, mas por algum motivo nós sobrevivemos a esse dia, e ao dia seguinte, e ao seguinte... Eu tentava não pensar muito naquilo, mas não escutar a voz de Alana era doloroso demais, pois desde aquele dia Alana entrou em um estado catatônico, ou pelo menos assim eu chamava por falta de um termo mais adequado. Desde a morte da mamãe que Alana não dizia uma única palavra, não demonstrava medo, dor, sofrimento, não reclamava, não mostrava o menor sinal de estar ali, parecia apenas um corpo vazio do que um dia havia sido a minha alegre e amada irmã.

Havia noites em que Alana gritava e chorava, e eu sofria ao seu lado por querer consolá-la, tirá-la de seu sofrimento mudo e solitário e para a minha tristeza somente nesses eventos eu a podia escutar novamente.

– Por favor Alana, você precisa comer – falei uma e outra vez tentando colocar um pouco de uma bolacha murcha na boca da minha irmã, mas sem sucesso algum.

– Eva? – me virei ao reconhecer a voz da minha amiga, a única sobrevivente do vilarejo junto comigo – Quer que eu tente?

Acenei, agradecida por sua ajuda.

Judy era uma menina bastante simples e alegre. Mantinha o senso de humor o máximo que podia para deixar o ambiente sempre tranquilo. Uma jovem da pele negra, os cabelos cacheados que, por falta de corte, já ultrapassava a linha do bumbum. Ela havia sido muito amiga da minha irmã por muito tempo, mas nós duas só nos conhecemos de fato na faculdade, e passamos a ser amigas somente pouco tempo depois do incidente.

Eu havia estado sozinha com a minha irmã por pelo menos 5 meses, encontrei Judy com mais 1 rapaz e 1 moça que haviam sido vizinhos de Judy. Nesse dia eu estava atrás de um medicamento importante para os espasmos e dores da Alana, os espasmos musculares dela haviam aumentado muito e o remédio que tínhamos guardado havia acabado. O nosso encontro foi choroso apesar de mal nos conhecermos, ver alguém vivo era algo consolador. Os dois jovens que estavam com Judy se mataram poucos meses depois disso.

Mudávamos de casa com frequência, íamos para onde tinha comida, aproveitávamos a luz do sol para irmos ao parque, onde tinha um lago, um dos poucos lugares que ainda tinha água fresca, usávamos máscaras e panos no rosto por conta do cheiro insuportável de putrefação que havia impregnado na cidade, mantínhamos as janelas das casas fechadas após a limparmos para que o cheiro não entrasse, ou pelo menos, para que não entrasse muito.

– Judy, as provisões estão acabando. Teremos que sair daqui logo – falei enquanto via as tentativas frustradas de Judy ao tentar dar comida para Alana.

– Sim, sei disso – Judy abaixou a bolacha e olhou para o chão, eu sabia que Judy não gostava dessa parte, pois sempre havia a possibilidade de que fossemos atacadas por algum animal durante o trajeto. A expressão triste sumiu, durou apenas alguns segundos, mas foi o suficiente para que eu sentisse um aperto no estômago – Bom, fazer o que, né? Vamos traçar um plano amanhã e veremos o dia em que teremos que sair daqui – sua voz voltou a animação habitual e eu a correspondi com um meio sorriso. Gostava do fato dela ser sempre tão positiva e invejava essa capacidade nela, me fazia lembrar dos bons momentos com Alana.

Andei em direção a janela assim que Judy voltou a insistir em tentar dar a bolacha para a Alana, já estava entardecendo e logo os "lobos" iriam começar a aparecer.

Nos perguntávamos inúmeras vezes que tipo de animal era aquele. Sabíamos que era extremamente perigoso e que matava em pouco tempo. Haviam começado a invadir a cidade junto com outros animais poucos meses depois da pandemia. Evitávamos ao máximo qualquer animal que aparecesse e durante a noite, não saímos para nada. Esses "lobos" mediam em torno de 1 metro e eram extremamente violentos. Algo que já presenciamos mais de uma vez desde as janelas. E em uma dessas vistas devastadoras, um grupo de sobreviventes resolveu passar pela cidade a noite, e apesar de irem em grande número, os "lobos" venceram em poucos segundos.

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