A Fada-Ninfa e Zé Caio: a ponte do não-expresso

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#PRATODOSVEREM 👁️| Banner na cor café com leite. Lê-se "A fada-ninfa e Zé Caio: a ponte do não-Expresso", título do conto. Do lado direito, a ilustração de uma ninfa loira. O conto foi escrito por Letícia Vitória.

Ainda que se cale a minha boca, resta-me meu peito. Com meus olhos contemplo ascoisas que vão e vêm, vêm e vão, abaixo de mim, da sacada de meu prédio. Vão e vêm. Meus olhos bailam junto das luzes, dos faróis e dos postes. À flor da pele eu venho e vou, vou e venho, vou e vou. Inconformado, ardil. Mas sendo eu, como sou.

É tarde e não é. O céu claro ainda. O meu descontentamento deslizando junto do pincel que borda traços grossos em um laranja-bordô cegante. Um verde que é vivaz está sob meu comando irrefreável, pronto para tornar-se um gramado. Sai tão opaco que eu decaio em expectativa. Esperava que saísse mais breu. Não o sei eu. Está bom e não está. 

Um cinza-choroso irá ser céu. Passo à ponte onde transitarão veículos de amarelados faróis. Torno à grama viva demais para meu escrúpulo tristonho. Porei nela uns lírios e tulipas alaranjadas; estas abrigarão, sem consenso e sem própria vontade, em seu gineceu, gotas ríspidas que as nuvens trarão. E será já. O passadiço do qual se utilizam os transeuntes, ah!, — estes infelizmente ficarão impossibilitados de cruzá-lo para chegar ao outro lado.

Este, no qual estarei eu, Zé Caio. Assim mesmo. Ele-mesmo. Mas estarei em segundoplano. Porque posando à grama estará uma moça-ninfa-fada, de pele álgida e orelhaspontudas. Ademais, depois daí, não saberei defini-la mais. Se é que já antes vou saber.

Nunca. 

Seus cabelos serão como um regato eflúvio-queimadiço. Ela roubará a cena. Já eu, pequenino ao fundo. Um capacete — não fará menor sentido colocá-lo, digo-lhes eu,— mas estará lá. Também em escala menor. E, posso soar conclusivamente triste, mas nunca eu poderei falar sonoramente a Anna Minnie o quanto a acho luminosamente linda.

Porque me comunico gesticulando. Ou pelo menos eu acho que nunca. 

E é exatamente por este motivo que não ligo se esta tela de pintura está confusa ou não está. Não se encaixam os elementos, afinal. Quem saberia além de mim, senão eu? Fico sem saber se não quero que ela acabe por tornar-se um paradoxo. Eu nunca a destruiria, ao fim de tudo.

Por isso é que isso é como é. Como se vê. Como vejo. Porque meus traços grotescos,cheios de melancolia e inconformismo traduzem já o que tanto quer saltar para fora de mim.

Eu estou cansado de que me vejam apenas andar ao redor da minha deficiência. Parece que eu giro à volta dela, ou ela gira em torno de mim. E olha que nem mesmo as artes cênicas me atraem. Mas sinto-me um bailarino. Um bailarino sendo tela, assistido pelas pessoas. Uma tela que se move, que irá embora, todavia uma tela que sempre receberá novos e maus olhos dos espectadores que não saibam apreciar-me sempre quando sair à rua.

A arte me atrai. Mas não a cênica. A visual. Ela faz com que eu me sinta um artistamais valoroso. Fiel a mim e à minha vontade. Um baile de mãos. É assim que eu, Zé Caio, a enxergo. Mãos também bailam. São raivosas, frementes, suavidade.

Contos para se conscientizar: porque o respeito está nos detalhesOnde histórias criam vida. Descubra agora