A coisa-que-dança, a Otília, & a clínica Escada-Cárie

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#PRATODOSVEREM 👁️| Banner na cor roxa. Ao meio, lê-se "A coisa-que-dança, a Otília e a clínica escada-Cárie"; do lado esquerdo, um boneco de cor branca parece dançar. Conto escrito por Letícia Vitória.

Dentro do consultório odontológico, o sopro gélido do ar-condicionado pareceatravessar o tecido quentinho do casaco verde-alga de Dominico. O garoto encolhe-se a volta de si mesmo, esfregando os cotovelos impacientemente. A sala de espera é clara demais aos seus olhos. Eles ardem tanto que Dominico não para de piscar, tentando centrar seu olhar num ponto só do recinto. Mas ele é inquieto quanto a lugares novos, mesmo quando tenta estar parado externamente. Só não é a favor de mostrar a ninguém.

A porta de vidro pela qual entrara com Sarabeli, sua prima de segundo grau, range outra vez, dando a impressão de que ficará aos cacos a qualquer segundo. Olhar estreito, vincos na testa. Dominico tem medo de muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo, principalmente se ele for a plateia. Uma menina de cabelos amendoados, em ondas esparsas e longas, surge na entrada da recepção enquanto uma mulher mais velha, — que parece ser sua mãe, — a carrega nos braços.

Logo atrás um homem. Deve ser o seu pai. Traz recolhido nas mãos um objeto feitode alumínio pintado de verde-claro e enfeitado com margaridas. Eu sei que ela veio nosbraços porque esta clínica possui escadas em vez de alguma rampa ou elevadores lá naentrada. Acho que realmente os adultos não têm tempo para pensar nisso. Observo o homem abrindo o apetrecho. Faz até um barulhinho legal. A menina é posta no chão, e ele traz o instrumento para bem mais perto dela. Está de pé agora.

A mulher a chama com um gesto para que vá sentar-se ali. Nunca vi uma dessas bugigangas na minha vida toda. Essa coisa mexe-se de uma forma que faria minha barriga doer, — para lá e cá, cá e lá. Será que ela o está pondo para dançar? A garota puxa de uma das pernas. Eu nunca tinha visto alguém caminhar assim.

Ouço o seu riso.

A mãe dela começa a bater umas palminhas em comemoração.

— Isso! Essa é a minha garotinha!
Fica mais próxima do assento, gira a coisa-que-dança na direção de si, e encosta seutronco no apoio azul vazado com buraquinhos.

Um beijo ao lado da sua cabeça é depositado pela mãe, que recebe desta outra, por vez, um olhar que parece denotar:

"Mãe, tá todo mundo olhando! Aqui não!"

Mesmo que só tenha ele e sua prima ali.

O outro adulto se senta numa cadeira ao lado delas, mas antes sorri e abraça a garota bem apertado. Isso me parece ser:

"Ah, papai tá tão orgulhoso de você, querida!" — acompanhado dum sorrisão desmedido, que vem à tona de maneira fluorescente. E me lembra um marca-texto.

Eu enrubesço, querendo pôr a minha cara num buraco. Tento descentralizar meunervosismo de mim mesmo olhando para um ponto qualquer daquela recepção. Espero muito que ela pare de me encarar.

Contos para se conscientizar: porque o respeito está nos detalhesOnde histórias criam vida. Descubra agora