#PRATODOSVEREM 👁️| Banner na cor branca. Ao meio, lê-se "O passarinho cativo e Eu", título do conto. À volta dele, há fios de arame com alguns nós. Conto escrito por Maria R.Já vou lhe avisar: Este não é um conto bonito, nem feliz. E poderia ser facilmente uma carta aberta.
Dizem que quando ficamos à beira da morte, podemos visualizar nossas vidas como se fosse um filme passando na tela. Eu me perguntava: "CADÉ A PORRA DO MEU FILME?!" enquanto o sangue jorrava das minhas artérias distais dos pulsos e tornozelos.
Anos e anos de terapia me ensinaram muitas coisas, coisas que aprendi e não consigo aplicar em mim. Analisar os outros e ajudá-los (ou tentar) sempre foi e será mais fácil. E eu? Bem... Será que sou tão teimosa e quebrada a ponto de ter consciência do que me machuca e continuar me machucando?
Quebrada e medrosa.
Teimosa e perdida.
Existem tantas combinações hostis para representar o meu estado de espírito catastrófico que elas nem caberiam num livro.
Voltando à terapia, sentar frente a frente com a psicóloga e encarar seus olhos é quase uma tortura. Aquele olhar compassivo e enigmático que diz: "Eu entendo, mas preciso que fale mais"
Não consigo, caramba! Não consigo dizer aquilo que nem sei o que é.
"Você se lembra de um dia ser feliz?"
Não, eu não lembrava.
Todavia, uma vez me disseram que nós devemos comemorar todas as nossas vitórias, por menor que elas sejam.
Então, hoje comemoro a libertação de um lugar que só me acorrentava e que um dia chamei de casa. Mas, ao mesmo tempo, sinto falta. Não falta da sensação de prisão; era o cômodo conforto, a ilusória ideia de controle e o "lar doce lar" que mantinham fechadas as comportas da minha mente prestes a explodir.
Como se um passarinho criado a vida toda dentro de uma gaiola tivesse a oportunidade de sair. Ele está livre agora, mas não sabe para onde ir.
Talvez a liberdade seja bem mais aterrorizante e mordaz. Há um mundo grande como imaginava que fosse, mas vivi por tanto tempo presa dentro de mim que não consigo deixar o meu eu verdadeiro sair.
Isso é, se ainda existe uma eu em meio a essa cascata de tristeza, memórias em branco, sonhos nunca sonhados, lágrimas reprimidas e palavras não ditas.
O passarinho cativo e eu temos muito em comum.
Sabe o que é pior? Olhar para trás e não saber quando foi que me perdi, ou sequer lembrar se um dia fui verdadeiramente feliz.
Não me lembro de ser feliz, não me lembro de quando o abraço deixou de ser apreciado e passou a ser um pesadelo. Quando foi que deixar alguém entrar, equiparou-se a permitir tomar um tiro, doloroso e cruel.
Eu não sei responder, e não saber me assusta.
Viver me apavora.
Tantas pessoas, tantas vidas cruzadas e o meu pontinho insignificante, sem utilidade real que chamo de vida, não significa nada. Nada importante, nada pelo que alguém vá chorar, já que a minha existência é um incrível empecilho, um fardo enorme.
E eu? Qual sentido teria minha vida? Nenhum. Procuro nas mais antigas memórias e nas aspirações mais distantes e não encontro uma boa resposta. Porque, simplesmente, nada parece se encaixar, eu não me encaixo.
Sou a porra do ponto insignificante fora da reta, o passarinho trouxa que não sabe voar a céu aberto, a garota que se calou por tantos anos que não consegue falar o que sente.
Se é que ela sente. Será que sinto? Será que quero sentir?
Os remédios ajudam, eles ajudam a minimizar a reação externa: os antidepressivos mascaram o choro silencioso na calada da noite e os ansiolíticos censuram por um breve período a inquietação crescente. Só que aqui dentro, na minha cabeça — poderia dizer coração, mas sou cética e cientificamente moldada demais para adicionar uma outra função ao coração, senão bombear o sangue —, ainda existe um turbilhão agitado, a sensação ruim de dor, amargura, medo, cansaço. Tudo junto e misturado. Muitas emoções nunca expelidas que implodem dentro de mim e cozinham meu cérebro de dentro para fora.
A cada dia percorrido, é uma luta perdida, mais um dia sem ter forças para sair da cama, encarar o sol, ver as cores do mundo; conviver com pessoas suga o restinho de mim, ter que sorrir e dizer que está tudo bem. Pois assim é mais fácil delas lidarem, do que dizer:
"Não, tá tudo uma merda, e eu quero cortar os pulsos a qualquer momento."
Porém, acho que minha psicóloga não vai gostar de saber que estou reconhecendo a minha "vitória" com os pulsos lacerados pendurados acima de uma poça de sangue, um litro de vodka barata e algumas cartelas de medicamentos tarja preta como companheiros de cabeceira.
Espero que ela entenda que não há o que comemorar quando se está completamente apavorada, perdida, submersa na própria tristeza, se afogando no próprio sangue vermelho vibrante com cheiro de ferro.
Pude sair da gaiola, no entanto ainda há grades por toda volta. Fios percorrem meus braços e dão acesso às veias, lágrimas e lamentações custam a ser interrompidas quando meus olhos começam a se abrir e notar que a forte luz branca não é a entrada pro famigerado "paraíso" e sim a lâmpada do quarto de hospital.
Uma nova chance de aprender a voar, na qual provavelmente vou cair diversas vezes e me machucar. Mas ainda posso tentar, não é? Ao menos mais uma vez?!...
Você não está sozinho(a)!
FIM.
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Contos para se conscientizar: porque o respeito está nos detalhes
NouvellesO respeito é essencial e ele mora nos detalhes, mas para que atinja a todos é preciso haver conscientização, em especial, sobre inclusão PCD e valorização da saúde mental. Por isso o Projeto Flor de Lótus reúne neste livro contos variados de divers...