#PRATODOSVEREM: Banner na cor rosa-claro, contendo o desenho de uma dançarina em dourado e ao centro o nome do titulo deste conto "A Dançarina", escrito por Wagner.
Se podemos associar fases de nossas vidas a cores, posso dizer que minha vida começou cinza e silenciosa.
Sabe o que é viver numa prisão? Por mais estranha que essa pergunta pareça, eu nasci numa. Não uma prisão com paredes de concreto e grades, mas a mais sombria delas: uma prisão sem muros.
Após vestir meu maiô lilás neon, com abertura no umbigo e cavado atrás, me sento no banco de madeira para calçar as meias brancas e os tênis esportivos (também brancos) de cano alto. Olho para as outras garotas no camarim, que estão vestidas como eu. Somos dançarinas de aeróbica e daqui a pouco vamos para o palco ocupar nossos lugares nos degraus da arquibancada.
Às vezes olho a furto para os rostos delas, para os movimentos que seus lábios fazem, denotando as emoções que estão sentindo. Sou boa em leitura labial. Consigo ler o que cada uma está dizendo, graças a anos de treino. Mas não consigo ouvir nenhum som.
De repente, sinto uma mão se pousar no meu ombro esquerdo e me viro instintivamente para essa direção, olhando para cima. É Isadora.
"Vamos, Camila. A gente já vai entrar", ela me apressa, falando em sinais.
Ofereço a ela um sorriso e respondo em Libras* que já vou.
Amarro os cordões dos tênis, fico em pé e ando até o espelho. Dou uma volta em torno de mim mesma, olhando no cristal meu bumbum exposto pelo maiô cavado, e embora eu me sinta um pouco invadida pelo tecido, não há como fazer nenhum ajuste. Se bem que não tenho nenhuma timidez em me expor. Quando danço, não me importo com quem está me olhando, mas apenas em dar o meu melhor.
Ponho as munhequeiras lilases, prendo meu cabelo louro num rabo de cavalo alto, e como temos ainda alguns minutos, dou uma olhada no meu rosto pálido. Meus olhos são azuis escuros. Não herdei de papai só a cor dos olhos, como também a deficiência auditiva.
De mamãe puxei o cabelo louro, o rosto de modelo, o corpo curvilíneo e a personalidade forte. Dizem que sou sua cópia adolescente, o que acho um exagero. Mas sempre me sinto envaidecida quando fazem essas comparações.
Dando um suspiro, fecho os olhos por um breve instante e volto ao meu lugar, espalmando as mãos em ambos os flancos. As garotas estão rindo, alegres. Um sorriso se insinua em meus lábios. Apesar de tudo, eu sei sorrir.
Quando eu era garotinha, cada um dos meus dias era como uma noite escura e sem fim. Eu não fazia a menor ideia de como era o barulho do vento agitando as copas das árvores, nem o riso dos meus pais e primos. Era como se eu fosse personagem de um livro de gravuras, onde eu só podia sentir a textura do papel.
As vozes das pessoas não passavam de movimentos com os lábios, algo que eu não conseguia compreender. Mas mesmo pequenininha, um grito ecoava dentro de mim. Eu sempre me perguntava por quê. Por que eu não conseguia ouvir, por que eu não conseguia falar, por que eu me sentia um corpo suspenso no espaço.
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Contos para se conscientizar: porque o respeito está nos detalhes
Historia CortaO respeito é essencial e ele mora nos detalhes, mas para que atinja a todos é preciso haver conscientização, em especial, sobre inclusão PCD e valorização da saúde mental. Por isso o Projeto Flor de Lótus reúne neste livro contos variados de divers...