TEARS

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Sangue da alma.

·˚ *

"Genética." Diz Flossie, "Está vendo o que eu desenhei no seu caderno?"

"Tô sim." Concorda Cody, menino do 1° ano do médio, assim como Flossie.

"Olha, o pai da genética é o Mendel e ele estabeleceu conceitos no que chamou de primeira lei de Mendel." Ela aponta coisas no caderno com o dedo, "Ele forçou a reprodução entre ervilhas para descobrir como acontece a genética."

"Ele não tinha mais nada para fazer? Tipo, transar em vez de fazer ervilhas transarem."

"Aparentemente não." Ela ri, "Mas bom ponto, Cody."

"Não ri do que eu digo, sua esquizofrênica." Cody fica sério, "Eu te contratei para me ensinar biologia e não para ser minha amiga."

"Mas eu-" Ela olha rapidamente para Cody, que continua mantendo sua expressão séria, Flossie engole seco, "Me desculpa. Você está...certo."

"Agora me ensina direito." Ele por fim cochicha, "puta."

Ela não entendeu à partir de que momento a cidade inteira assumiu que podia tratá-la de qualquer jeito, mas já percebeu que mesmo se gritasse o mais alto possível para pararem eles automaticamente se tornariam surdos.

Flossie termina a sua segunda tutoria do dia exausta e bem mais tarde do que o esperado, então resolve ir para casa. Como tinha combinado de se encontrar com Bruce, precisa ligar para casa dele e explicar o que havia acontecido.

Ela disca o número da residência dos Yamada e torce para que, de algum jeito, ele esteja em casa.

"Alô?"

"Oi, Amy." Diz Flossie, reconhecendo a voz da irmã de Bruce.

"Olá, Flo." Responde Amy, em um tom triste.

"Liguei para avisar o Bruce que não posso mais ir ao nosso encontro."

"Você ia encontrar ele?"

"Na floresta, depois do jogo de beisebol."

"Flo..." Amy fica quieta por alguns segundos, "Bruce...desapareceu."

"O quê?"

"Não o vimos mais depois do jogo, então, minha mãe ficou preocupada." Continua Amy, "Ela ligou para polícia....eles....eles encontraram a bicicleta dele."

"Aonde estava?"

"Perto da casa do nosso irmão, perto da....perto da floresta."

O mundo pareceu lento por alguns minutos, Bruce desapareceu. Ele desapareceu assim como Griffin e Billy.

Ela não queria ouvir mais nenhuma notícia dessa, tinha o mínimo de esperança, que seja lá quem for esse sequestrador, tivesse parado.

O pior de tudo é que ele parece selecionar só pessoas que ela conhece, é óbvio que acham que ela é a culpada, todos os garotos que já desapareceram tem relação com ela.

Flossie chorou muito, já é horrível passar por isso uma vez, multiplicado por três é ainda pior. O resto daquela sexta-feira, que de pacata não tinha nada, foi totalmente apática e desanimadora.

Quando a garota soube do desaparecimento de Billy, passou pelo menos um mês olhando em cada rua e esquina dessa cidade maldita. Em relação a Bruce, ela não tinha forças para fazer nada, parecia irreal de mais reviver isso de novo e de novo.

Ela então resolveu procurar flores para ele, igual fez para Billy e Griffin, não por pensar o pior, mas por dar uma certa esperança e conforto.

Flossie anda pelo bosque atrás de sua casa, a vegetação composta por flores secas e amarronzadas são lindas. Ela sorri ao imaginar que, se Bruce fosse uma estação do ano, ele com certeza seria outono.

"O que está fazendo?"

"Vance!" Diz Flossie, "Oi. Eu tô...colhendo flores."

"Eu já tô sabendo sobre o Yamada."

Flossie continua mexendo na terra, não responde nada.

"Eu sinto muito...por você." Fala ele, "Sabia que vocês eram...amigos."

"Está tudo bem." Ela tenta sorrir e desvia seu olhar para terra.

No mesmo instante seus olhos encontram gérberas que havia plantado no outono passado. Elas significam beleza da vida e energia positiva, igual Bruce.

Flossie tenta conter suas lágrimas, tenta muito, não queria chorar na frente de Vance, mas ela não consegue.

As lágrimas escorrem pelo seu rosto e tocam o chão florido, sua tristeza é acompanhada de soluços barulhentos que fazem com que Vance se aproxime.

"Quer um abraço?" Indaga Vance.

Ela não responde, continua chorando.

"Vou te abraçar."

Vance se aproxima devagar e a abraça. Flossie esconde seu rosto molhado no peitoral dele e chora tanto que a camiseta de Hopper fica molhada.

Em algum momento do dia, ela parou de chorar. Assim como nos dias depois, ela se acostumou com tudo. É desgastante se acostumar com tudo.

Como de costume em toda lua cheia, Flossie vai até a cachoeira da floresta e implora para, qualquer Deusa que estivesse ouvindo, ajudasse os meninos.

Ela fecha os olhos e escuta a copa das árvores balançando conforme o vento, a canção da água correndo e os animais simplesmente sendo animais. Dá um sorriso.

Um sorriso que logo se apaga assim que seus olhos se abrem novamente e ela vê o espírito de seu pai do outro lado da cachoeira. Ele a observa atentamente, não diz uma palavra.

Tem muitas almas furiosas e confusas que gritam e imploram por algo que nunca vai acontecer, mas ele, ele nunca abre a boca, ele não fala nada. É agonizante.

Ela decide deixá-lo para trás e andar até sua casa mas assim que se vira, o corpo de Griffin aparece no relento, fazendo com que ela se assuste.

Os dois de uma vez é novidade, isso nunca tinha acontecido antes. Flossie entreolha entre eles para ter certeza que está vendo certo.

Ela engole seco e respira fundo, continua seu caminho de volta para sua casa, e torce muito para que não veja Billy.

Ainda não acredita, não pode acreditar. O caminho parece cada vez mais estreito e escuro, a atmosfera de tensão.

Um barulho vindo da árvore acima dela faz com que Flossie congele seu andar. Gotas de sangue pingam em seu rosto, ela toca nas mesmas e observa seu mais novo dedo ensanguentado.

Sabe que é tudo ilusão, sabe que não é desse mundo, não é real, mas ela teme em olhar para cima e ver o que está derramando todo esse sangue.

[...]

⋆·˚ ༘ *

The Sinner || O Telefone PretoOnde histórias criam vida. Descubra agora