Capítulo único

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Aos 15 anos minha mãe e eu nos mudamos para nosso novo apartamento. O Edifício Rubi ficava no centro de São Paulo, e por maior que seja o meu esforço, não consigo lembrar ao certo o bairro, apenas que da minha sacada podia ver uma grande torre espelhada sobre um prédio branco e, do outro lado, um grande parque em meio à cidade. Era um condomínio de luxo — disso eu me lembro bem —, e sua escolha foi estratégica para minimizar os riscos à nossa segurança, afinal: com um mercado dentro do condomínio, tínhamos tudo que necessitávamos entre suas três torres, saindo apenas para trabalho — no caso da minha mãe —, escola ou lazer.

De certa forma, porém, eu não estava tão contente com a mudança. Meus pais haviam se separado há poucas semanas antes de nos mudarmos e talvez minha mãe tenha enxergado esse novo apartamento como um ambiente para recomeçarmos, mesmo que em nenhum momento me foi perguntado se isso era o que eu realmente queria. Não que nossa situação anterior estivesse melhor, o processo de separação dos meus pais não foi necessariamente fácil para a gente — e até preciso admitir que acordar com sua mãe chorando de madrugada não é o passatempo favorito de nenhuma filha —, mesmo assim, seria legal se ao menos tivessem me dado a ilusão da escolha, especialmente porque a relação que tinha com minha mãe era algo bem próximo, e tanto ela quanto eu nos sentíamos livres o suficiente para compartilharmos nossas segredos, e mesmo assim — quando ela precisava mais —, não foi capaz de compartilhar comigo um momento que tanto lhe fazia mal. De qualquer forma, quisera eu seu único segredo ter sido esse.

+ + +

Lembro até hoje de quando ele apareceu em minha vida. Eu cheguei em casa após mais um dia de escola e, como de costume, minha mãe estava em mais um plantão médico, mas grudado em nossa geladeira com alguns ímãs ela deixou um pequeno recado falando sobre o que tinha para comer na geladeira. Eu teria a casa toda para mim até as 18 horas, quando ela chegaria, mas sem internet ou TV a cabo, não tinha muito com o que me entreter, então após o almoço tentei agilizar a tarefa de casa sobre matrizes — ou algo assim — para ter o restante da tarde livre, e após quase trinta minutos fechei meu caderno com a sensação de dever cumprido. O relógio, porém, ainda me passava a sensação excruciante de que algumas horas me separavam de qualquer mínima interação com outra pessoa, e sem a menor vontade de assistir qualquer programação da TV aberta, eu me vi obrigada a ir até a sacada, talvez admirar a vista, talvez pensar em algo a se fazer.

Uma lágrima escorreu do meu rosto nesse momento. Apenas uma, que logo secou conforme escorreu pela minha pele. Lembrei de todos os amigos que deixei em meu antigo bairro. Não eram muitos e eu provavelmente conseguiria contar nos dedos aqueles que eu realmente gostava dentre o grupo de quinze crianças da rua. Tínhamos até mesmo um grupinho que em nossos maiores delírios jurávamos ser inseparáveis: Taissa, Natalia, Veronica e Victor — o único garoto que admitimos em nosso círculo de amizade, especialmente por não se dar tão bem com os outros garotos, que constantemente o zombavam por conta do peso. Ainda assim, ele sempre se demonstrou extremamente sensível, então acabamos o adotando como parte do nosso grupo, mas naquela tarde, olhando para as nuvens que corriam o horizonte, senti-me triste. Agora meus amigos estavam do outro lado da cidade, e não sabia ao certo se eu os veria novamente, ou se eles ainda me considerariam como parte do grupo se um dia eu voltasse... Na verdade, eu não sabia nem ao menos se eles queriam que eu voltasse.

Todos aquelas incertezas me faziam querer abandonar tudo. Não sei, pegar qualquer moeda que encontrasse pela casa e torcer para não subir no ônibus errado rumo ao nosso antigo bairro, mas lá estava eu, presa no vigésimo andar de um bairro que ninguém me conhecia. Eu quase me senti traída por meus pais, como se por quinze anos precisasse utilizar as poucas habilidades sociais que tinha para, quando eu finalmente me sentisse mais confortável perto de alguém, eles tirarem isso de mim. Tudo aquilo parecia tão injusto que o impulso de gritar a plenos pulmões subiu por meu peito, mas antes que pudesse finalmente externá-lo, parou em minha garganta quando olhei para baixo.

Apartamento 203Onde histórias criam vida. Descubra agora