A garota que ninguém via

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Tudo começou com uma dor incomum e uma bolsa rompida.
Jenny sabia que a hora do seu parto havia chegado, dor e caos se espalhavam pela sala de cirurgia, se tratava de uma gravidez cujo o bebê ninguém nunca havia visto, nem mesmo o ultrassom pôde captar nada, seria tudo aquilo psicológico? Ela ansiava por esse momento, queria ver o rosto da criança e ter a certeza de que era real.

_Trataremos tudo, seja gravidez de risco ou doença.
Prometeu seu obstetra.

Gravidez de risco então. Jenny morreu à 00:05 de uma madrugada de terça, mas Téia já havia nascido, Téia nome da Deusa da visão, luz e brilho, tudo o que essa Téia não causava, afinal, ela teria mesmo nascido?

Uma outra versão da história é a de que Robert, o pai, foi o primeiro que ouviu o choro perto do corpo da falecida esposa, e enquanto os médicos cortavam um cordão umbilical que não levava a lugar algum, uma histeria se formou na sala, todos ouviam o choro de um bebê mas ninguém a via.

Enfim conseguiram tocar a criança invisível, ao dar para o pai aquele ser ilusório ele a sentiu, seu mundo se acalmou e aquilo bastou.

Mas essa história não se trata só de uma pessoa, afinal eu estaria sendo imprudente se não os avisasse do ocorrido no quarto ao lado. Um outro parto, mais calmo, comum, menos caótico.

Tudo começou com uma dor e uma bolsa rompida, Maria sabia que o momento havia chegado, seu marido João não teve a chance de estar ao seu lado, unidos e órfãos como João e Maria pensaram que nada os separaria, e de fato nada pôde, nada além do câncer, que tudo faz, que tudo separa, assim uma semana antes da descoberta da gravidez Maria se via sozinha, sem João, sem ninguém.

_Mais que sorte, nada aconteceu.
Disse o médico, vendo que Maria conseguiu andar de casa até o hospital com a bolsa rompida.

Que sorte disse ele, que forte ela ouviu, seu esforço fora recompensado em uma gravidez tão calma e rápida como a aparência da criança nascida, cabelos brancos, sereno e de olhos claros, feito um anjo disse Maria, Gabriel então, nome de anjo.

_Uma criança perfeita e escupida por Deus. Ela entoou.

Ao longo dos anos Robert teve dificuldades para cuidar de Téia, afinal como alimentar ou trocar as fraldas daquilo que não se ver? Como cuidar de alguém que você não sabe se está ali? Ou como deixar que ela brinque com outras crianças se nenhuma criança jamais a veria?

Mas sempre que a dúvida batia, ele tocava seu rosto, seu mundo se acalmava e aquilo bastava.

Assim Téia cresceu, aos 13 anos seu pai já não se preocupava com fraldas ou como alimentá-la mas sim com o que o mundo faria com ela, ninguém nunca aceitaria uma criança invisível, os dias se passavam e Téia não podia sair, brincar ou interagir com qualquer outra pessoa, não havia mais ninguém na sua vida além do pai.

Certo dia enquanto brincava sozinha em casa ela olhou pela janela e viu um garoto de cabelos cacheados e azuis como o céu, uma cor incomum ela pensou, ele diferente dela brincava com outra criança, de aparência tão familiar quanto esquecível, devia sair para brincar com eles, mas como faria?

A porta estava trancada, mas como não dava o braço a torcer, decidiu pular a janela do segundo andar, quando se desequilibrou e caiu de costas no chão, se machucando feio.

Os meninos que ali estavam, ouviram um barulho mas não viram ninguém.

E assim, Téia que tinha apenas a intenção de brincar, agora se encontrava no chão a espera do seu pai, o único que a ajudaria, o único que a sentia.
Mas algo estranho aconteceu aquele dia, a bola que os garotos brincavam caiu perto dela, o menino de cabelo azul foi buscá-la e tocou em Téia sem notar, logo seu cabelo mudou, o que antes era azul agora passou a ser vermelho sangue.

_Aiiii
Ele entoou

O garoto foi em casa, buscou uma caixa de primeiros socorros e a ajudou a se levantar e voltar pra casa, Téia se sentiu observada, como se ele pudesse vê-la, mais tarde entenderia que em momento algum ele pôde, apenas conseguia sentir sua dor.

Assim ele se despediu e disse pra ela ter cuidado como se tudo aquilo fosse natural, Téia ficou sem palavras, vendo ele voltar para casa, agora ruivo, como se nascesse assim.

Maria era enfermeira e evangélica, uma pessoa boa eu diria, mas suas atitudes nem sempre passavam essa impressão, até os 10 anos Gabriel não pôde conviver com ninguém além da sua mãe.

" As pessoas são más Gabriel, o mundo devora pessoas boas como nós "

Era o que ela dizia, criado para ser o anjo que ela via nele, ninguém o tocava, as vezes nem mesmo ela.

Aos 12 anos Gabriel já havia lido 20 livros, 18 deles evangélicos e dois de medicina do seu falecido pai, que a sua mãe guardava como forma de recordação.

Ao completar 13 Gabriel havia lido a Bíblia tantas vezes que mal acreditava no que estava escrito, para ele eram apenas palavras, um método de julgá-lo através do que sua mãe acreditava ser certo.

Não tinha amigos, apenas a criança que via escondido da sua mãe pela janela do quarto, conversavam com cartazes, Jonas era o nome dele, brincavam e contavam piadas um pro outro, tudo através de cartazes na janela.

Maria não trancava as janelas ou prendia Gabriel em casa, não de forma física, era uma prisão mental, ele era puro, não podia ou devia fazer nada errado, fugir de casa era um pecado imperdoável.

Mas Gabriel de nada entendia, aprisionado, privado de ser criança, só queria sair de casa e ver seu amigo, esperou sua mãe sair de casa e fugiu pra ver o mundo, brincar com Jonas, que por sinal ficou tão alegre em vê-lo que mal tinha palavras, apenas pegaram a bola do Jonas e jogaram futebol.

Se divertindo de várias formas, até que Jonas esbarrou em Gabriel e notou seu cabelo mudar de branco para azul instantâneamente, que felicidade inexplicável o Gabriel sentiu, agora de cabelos azul céu e sorrindo sem parar.

Tudo aquilo era estranho mas bons amigos não ligam para o quanto você é estranho, apenas te amam como você é, e como um bom amigo Jonas não comentou, apenas continuou a fazer piadas e brincar, deu um grande chute na bola, que por um instante pensou ter sumido de vista.

Mas havia apenas no quintal do vizinho, Gabriel correu para buscar quando sentiu tocar em alguém.

Assim, ele que antes sentia felicidade, agora se enchia de dor, com cabelos vermelho sangue sentia uma angústia memorável.

_Aiiii
Ele entoou

Então correu até em casa e pegou o kit de primeiros socorros, aquele na prateleira mais baixa do armário da cozinha, sua mãe certa vez o alertou para só usar em emergências, mas aquela parecia uma.

Ele correu ao quintal do vizinho e ajudou o que julgou ser uma menina, pelo som dos seus gemidos, a acompanhou até a porta de casa e disse pra ela tomar cuidado, se despediu as pressas de todos, com medo de sua mãe chegar.

Mas já era tarde, ela atravessava a esquina quando o viu correr, se assustou e entrou em casa irritada.

Força Zazel - Os Escolhidos Onde histórias criam vida. Descubra agora