14 de julho de 2020

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Day 471

Five Hargreeves já não falava muito.

Com a puberdade se alastrando pelo seu corpo de 14 anos — poucos meses para os 15 —, ele havia chego a conclusão que odiava a maneira como sua voz saía estranha quando falava uma frase completa.

A voz um pouco grossa enquanto de repente afinava o irritava constantemente. E depois de um tempo assim, ele apenas decidiu que seria melhor por um tempo não falar nada até esse problema passar.

Pacífica havia demorado para entender o que estava acontecendo. Claro, sua voz não mudava drasticamente como a dele, e mesmo se mudasse, ela não tinha muita coisa de se envergonhar num mundo que não havia mais ninguém.

Mas Five não se via daquela maneira, ele sentia que não podia deixar essa sua falha transparecer, ele foi criado para não mostrar seus erros.

O silêncio se tornou muito mais comum entre os dois.

Algumas frases soltas aqui, outras ali, mas nada que os fizessem se aproximarem mais.

Ao contrário, algumas vezes eles pareciam estranhos compartilhando um mesmo teto e um mesmo trauma.

Após um tempo, Pacífica desistiu de tentar falar com ele, assim como Delores. Ambas as garotas não conseguiam entender a complexidade daquele momento.

Por um momento, Five as odiou. Se as vozes delas permaneciam iguais — principalmente a de Delores — por que a dele também não poderia continuar? Os agudos e graves que saíam eram insuportáveis. Ele odiou não estar no controle dessa situação.

Mas era uma grande ironia do destino. Ele realmente tinha algum controle do que fazia?

E foi dessa maneira que ele tentou se manter mais monossílabo possível, mesmo que odiasse a ideia de voltar à estaca zero na talvez amizade que estivesse acontecendo entre ele e a garota que o acompanhava no fim do mundo.

O silêncio por um tempo foi a única coisa que eles puderam ouvir nesse novo mundo. Pacífica não tocava mais sua caixinha de música com tanta frequência, não havia mais ninguém para eles conversarem, e todo o fogo que habitava na cidade já havia sido extinto há alguns meses.

Os poucos insetos que tinham não eram o suficiente para provocar algum barulho. Haviam vezes que ambos achavam que estavam os inventando para não entrar em colapso.

Five cresceu numa mansão rodeado de irmãos barulhentos que constantemente eram reprimidos pelo seu pai, talvez isso o fizesse se acostumar com o silêncio em momentos ruins, mas Pacífica sempre sentiu vontade de chorar e seus soluços eram incessantes no meio das brigas que seus pais tinham todo dia.

Apesar de serem tão diferentes, ambos sentiam falta do barulho de suas antigas vidas.

Saudades da música que tocava na rádio, nas conversas jogadas fora, no barulho de buzinas no trânsito... saudades...

Algumas noites, Five poderia jurar que ouvia as batidas dos corações dos dois adolescentes. Ele perguntou se alguma vez realmente estava os ouvindo, mas não questionou mais nada. Ele não gostava de falar mais.

O barulho dos lápis e canetas escrevendo pelas folhas em branca do antigo e destruído livro de Viktor se tornou o som mais irritante e que ele mais adorou ouvir. Era como se aquilo não o deixasse ficar paranoico nessa nova realidade.

Pacífica, aos poucos, também começou a apreciar o barulho que as páginas de livros passadas faziam. Isso a distraía de pensamentos obscuros sobre o que fazer consigo mesma.

Ambos não admitiram, mas sentiam profundamente a falta da voz do outro, mesmo que fossem em brigas desnecessárias ou de pequenas conversas que tinham antigamente.

Hard To Love - Five HargreevesOnde histórias criam vida. Descubra agora