26 de setembro de 2020

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Day 545

Por meses, Pacífica e Five se viam constantemente lutando pela sobrevivência, enfrentando perigos, solidão e tristeza todos os dias, e isso nem mesmo parecia estar perto de acabar. A angústia os cercava de uma maneira que ambos nem ao menos se sentiam confortáveis mais para chorar, eles apenas não queriam sentir nada.

E, muitas vezes, eles se viram sem esperança. Sentindo o mesmo nesse dia, eles já nem se importam mais. Virou cotidiano.

Então, explorando um prédio abandonado em busca de suprimentos, algumas garrafas espalhadas junto com algumas já quebradas chamaram a atenção dos dois adolescentes.

Até aquele dia antes do anoitecer, nenhum deles fazia ideia de qual era o gosto do álcool, mas parecia tão tentadora aquela saída momentânea naquele mundo pós apocalíptico em que estavam.

Quando chegaram, eles sequer conseguiam pensar em comer, envenenados demais com a adrenalina em suas veias, com o torpor da dor e a fumaça da queima de Terra entrando pelos seus pulmões.

Eles não perceberam a si mesmos, mas perceberam os milhares de corpos aos arredores. E principalmente, Five percebeu os corpos de seus irmãos, os quais ele teve que cavar o chão com suas próprias mãos para enterrá-los.

A primeira vez que ele percebeu a fome e a sede foi no momento em que a garota que o acompanhava estava quase desmaiando de desidratação e o seu pulso parecia ficar cada vez mais fraco com a fome, mas aquilo havia sido com ela.

A primeira vez que ele percebeu em si, foi quando vomitava a bile e parte do seu sangue afastado demais para preocupar as duas mulheres. Naquele momento, ele nem se importaria se tivesse que comer terra para saciar sua fome, mas parecia tão desumano mesmo naquela situação em que estavam. Tão selvagem...

A junção de todas essas desventuras os ajudaram a se despertar para o mundo, a buscar comida e água antes que seus estoques se esgotassem.

Bom, no começo isso foi extremamente fácil, pela ideia do mundo inteiro estar a mercê deles. Mas com o passar do tempo, isso se tornou tão cansativo. Na última busca, exaustos de ter que andar cada vez mais para achar coisas, eles abriram a garrafa de whisky que acharam na última viagem.

Enquanto na outra vida ambos seriam adultos que poderiam beber legalmente com um companheiro ou com a família. Nessa, ambos eram apenas adolescentes cansados ou entediados.

Pacífica já conhecia a vista destruída dos melhores lugares da cidade e Five sabia de cor cada palavra do livro de Viktor.

Preso em pensamentos, Five se pegou pensando em seu passado. Ele já havia visto algumas vezes o seu irmão Klaus roubar garrafas de seu pai e abrí-las. Mas era uma sensação diferente ele estar fazendo aquilo naquele momento.

Suas longas e magras mãos tremiam ao romper o lacre da primeira garrafa. Pacífica nunca teve um contato com bebida a não ser quando via seu pai bebendo. Ela sabia que deveria ser algo caro, e então teria que ser bom.

Mas quando os dois adolescentes se sentaram no chão da casa em ruínas e Five tomou o primeiro gole de bebida, ele exclamou que aquilo era horrível e tinha um gosto de álcool puro, quase como acetona.

Isso não impediu Pacífica de experimentar. O gosto era exatamente como ele havia descrito e ela se sentiu extremamente mal com o líquido descendo como fogo pela sua garganta, mas nenhum dos adolescentes pararam naquele primeiro gole. Alternando a garrafa um para o outro, eles não pararam que toda a primeira garrafa se esvazie até esvaziar.

Eles odiaram o gosto com todas as forças das bebidas. Por que os adultos gostaram tanto disso? Os dois tiveram sua resposta quando perceberam que não estavam mais pensando em tristeza. Algumas risadas casuais escaparam depois que ambos já estavam bêbados, e eles descobriram que a bebida os fazia abrir o apetite e não se importar com o gosto ruim que as coisas pareciam ter depois desse tempo.

A bebida fez Five falar mais do que falou nos últimos meses pela vergonha da sua voz. A bebida fez Pacífica não se importar com aquele sentimento estranho de estar tão perto dele. 

Encostados na parede enquanto trocavam a segunda garrafa da bebida, eles desabafaram sobre os últimos meses: a falta de progresso, a dificuldade em achar mais comida e da futura dificuldade da água.

Eles falaram sobre como pareciam estranhos crescer, compartilharam alguns sonhos que tiveram e que jamais realizariam, compartilharam sentimentos que foram esquecidos com a longa dor de cabeça que vinham com a ressaca.

A partir daquela noite, a bebida se tornou mais frequente em seus cotidianos. Eles não admitiam que estavam viciados após alguns meses de uso, mas logo entenderam porque os adultos gostavam tanto daquilo: não os faziam se sentirem como lixo a maior parte do dia.

Com o passar dos meses e vários alertas de Delores — dada também a um pouco de dificuldade para encontrar mais garrafas de álcool —, os dois entraram em consenso em diminuir seu consumo.

Eles concordaram em abrir uma garrafa apenas quando a vida não fizesse mais sentido. O problema era que isso passou a acontecer constantemente.

Hard To Love - Five HargreevesOnde histórias criam vida. Descubra agora