Primeiro dia

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Hoje particularmente  senti que tive uma queda brusca de uma grande montanha russa que tem subido nos últimos meses. A queda não teve aviso prévio ou um pequeno letreiro avisando: "cuidado, penhasco". Apenas me jogou de lá de cima sem realmente dar um contexto da situação. Sinto que não preciso realmente anotar os dias que as coisas acontecem, ou frequentemente deixá-las registradas. As coisas devem seguir um fluxo natural onde não seja forçado.
 Desviando desses pensamentos confusos e aturdidos, pensei que estivesse me livrando da depressão, mas ela voltou rastejando pra mim novamente, como uma sombra que alcança seu ápice ao anoitecer. Novamente as coisas se tornaram obsoletas e menos interessantes. Já havia escrito e anotado certos pensamentos e sentimentos antes, mas sempre considerei tolice me posicionar em relação aos meus sentimentos, o que hoje penso ser falta de amor próprio. Quer dizer, não é como se esperasse que alguém encontrasse isso. 
 Tentando novamente retratar-me, queria deixar registrado que os sintomas parecem evoluírem e tomam novas formas de como desanimar o ser humano conforme o tempo passa, seja de uma forma mais agressiva (como quando me cortava, tomava vários remédios, passava noites em claro, tinha crises de ansiedade, perdia o sono ou dormia demais com pesadelos frequentes em relação á minha morte) ou quando tinha vontade de arrancar meus cabelos e não permitir que ninguém me tocasse. Adicionalmente, de uma forma mais pacífica, causando dificuldades em ambientes com muitas pessoas, desinteresse em uma vida social, uma rotina metódica dentro de uma zona de conforto cuidadosamente calculada, e total apatia a circunstâncias que não me afetam diretamente ou á quem esteja ao meu redor.
 Agressivo ou não, parece inviável  me livrar dessas sensações, e saber que isso é uma continuação dos episódios da minha doença negligenciada só me causa mais aborrecimento e a sensação de que estou afundando mais rápido do que afundava outras vezes.
É bastante notório que quando subimos muito, a queda é maior, mas sentir isso na pele sempre é como uma novidade. 
 Uma das coisas mais amargas talvez, seja toda a culpa que sinto em mim e tenho tentado aliviar isso pensando que nem tudo seja minha responsabilidade. Mas ao invés disso aliviar minha carga emocional, só agravou mais os pontos onde eu erro. Quer dizer, sinto que não dou a devida atenção á quem é merecedor. Odeio colocar culpa em minha doença, afinal uma das coisas que mais ouço é que tudo isso não passa de falta de força de vontade.
 Já não sei mais o que pensar. É realmente complicado viver assim, sem a certeza de que tudo isso é realmente falta de vontade, ou se tudo isso provém de algo maior para incapacitar-me. Me lembro do dia que tive uma crise de ansiedade que fui para o hospital, e lá a doutora me disse: "Isso não é frescura. Você é uma pessoa normal, como qualquer outra. Todos somos jogados no meio do mar com um pequeno bote. A diferença é que você está com as mãos amarradas.(...) Depressão é uma doença tão real quanto o câncer. Ela está ai. Não menospreze isso. (...)" Talvez essa frase tenha me marcado porque nunca tinha ouvido realmente que estava tudo bem ser doente.
 Todo esse tempo carregando o peso de não ter acesso á um tratamento adequado tenha causado tudo que sinto hoje. Olhar fotos passadas, ver o tempo que se passou e como eu estava mal, me faz sentir deslocada em relação ao tempo. Nunca realmente sei quando é demais ou quando é pouco. Lembro de pensar, após o suicídio do meu irmão, que tinha se passado apenas alguns dias, e quando reparei para "acordar" daquele transe, tinha se passado mais ou menos 6 meses de minha vida onde não sei dizer realmente o que aconteceu.
 Em contra ponto, vejo que se passaram 3 anos de minha vida de casado, e as vezes sinto que faz mais de dez anos que casei. O tempo é muito distorcido aqui dentro, isso posso afirmar com autonomia.  A  dificuldade de me expressar é tão grande que até fica incrustrada nessa tosca tentativa de alívio em forma literária. 
 No fim, só não minto e sou honesta quando escrevo, por alguma razão. Por mais vergonha que eu sinta de tudo que fiz, minha honestidade vem na escrita de textos sem sentido e repleto de emocionais confusos que nunca serão lidos por alguém que possa fazer algo por outra pessoa que sentiu ou sentirá o que estou sentindo. O vazio é inescapável, e a falta de reação que tenho durante todo esse texto me causa um amargor na boca, que não é expressivo nos meus olhos sem brilho. 

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