52 | "You came." "You called."

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HACKER

Três batidas na porta me fizeram levantar a cabeça.

Sentado atirado no chão de um quarto de hotel com apenas um roupão cobrindo o corpo que se secava sozinho do banho recente, recostado contra a parede com uma garrafa melhor amiga de vodka na mão, olhei para a porta branca.

- Senhor? - a voz me chamou.

Voltei a fitar os pés da cama, o movimento pesando meus globos oculares secos e irritados demais.

- Você tem a chave. - declarei, sem me preocupar de aumentar o tom para que conseguisse ouvir com clareza.

Mas segundos depois, ele entrou no quarto. E a reprovação no olhar ao avaliar meu estado, depois o quarto bagunçado mesmo se tratando de mim, e um sutiã jogado debaixo de uma mesa perto da janela, que na verdade eu acabara de notar a existência, me fez desviar o olhar imediatamente. Tinha certa... Decepção ali.

Não que eu me importasse, é claro, eu não me importava. Mas também... Não gostava daquele olhar.

Ele suspirou apenas uma vez.

- Então, está feito. As meninas estão em segurança. Aquilo acabou. - Alívio. Alívio mas também certa apreensão brilhava nos olhos verdes quando se direcionou a mim.

E de repente, eu me esqueci pela vigésima vez naquela noite de como respirar. Os acontecimentos golpeando minha cabeça outra vez. As palavras ditas por minha própria boca ameaçando escapar de meu estômago tensionado outra vez. Eu já não tinha muita coisa para pôr para fora mais, só álcool, álcool e mais álcool.

- Não. Não acabou. - apertei a garrafa, e virei um gole tão grande que tive que engolir o líquido devagar, desejando que com ele, aquele amargo ardente descesse pela minha garganta. - Você sabe que não. Nunca vão parar. Vão encontrar outras formas. Sempre vão voltar. - pisquei, e lentamente olhei para ele, encontrando a reciprocidade da minha apreensão. Dos espinhos que perfuravam minha pele, e também a sua. - Corvos entram por todas as janelas, Felix.

Ele não se mexeu, não piscou. E sim, eu compreendi. A realização daquilo sempre me deixava da mesma forma.

Levantei uma mão e a levei até minha cabeça, apontando para dentro, para meu cérebro. Então, sussurrei, com assombro:

- Ele voltou.

Ele imediatamente procurou a cama para se sentar, o rosto pálido como eu tivesse acabado de sugar suas forças com aquelas duas simples palavras. Ninguém entenderia o que aquilo significava, mas ele entendia. Entendia muito bem.

- E está pior, Felix. - eu o encarei, sem encará-lo de verdade. Minha visão era uma pura névoa de assombro com as lembranças que se negavam a parar de me perturbar. - Está completamente enlouquecido. Eu... Eu quase me esqueci de como era. De como essa coisa me dominava tanto. E agora... - suspirei uma vez, o corpo estremecendo quando segurei minha própria cabeça. - Eu o sinto arranhando as paredes, está tentando escapar outra vez. Tentando muito. E vai conseguir, uma hora vai. Eu sei que vai. Eu sinto.

Eu fitei aquela névoa em minha visão, o cérebro estalando quando ri amargurado.

- Eu posso ouvir os sinos. - ri outra vez, então ofeguei, e olhei para ele, para um Felix assustado com quem, com o que estava em sua frente. - Você os ouve? Dig dong, Dig dong... No alto da igreja, para todos ouvirem. E os ruídos dos corvos que pousam nas lápides e confundem os homens de preto com gigantes de sua espécie. - balancei a garrafa de tequila para lá e para cá, seguindo os movimentos do sino com a cabeça. - E está tão alto... Tão alto que me ensurdece. Como você não ouve?

MISSÃO IMPOSSÍVELOnde histórias criam vida. Descubra agora