Livre Arbítrio

0 0 0
                                    

Matt me olhou longamente antes de responder.

- Não tenho permissão para dizer isso.

      Só para que me dissesse isso...

- Ah. Você podia ter pulado a parte do suspense.

      Nós estávamos caminhando para o mesmo lugar de onde nos conhecemos, é o ponto mais alto daqui do bairro, meio que minha casa está no pé de um morro.

- Aquele demônio... Ele não vai voltar, né?

- Não.

- E não tem perigo de aparecer outro, né?

- Ao que tudo indica, não.

- Ótimo. - sentei em uma pedra que havia ali e comecei a refazer meu mapa. - Senta aí Matt.

- Meu nome não é Matt.

- Agora é, até minha avó já sabe.

- Você mentiu para ela.

- Claro, ela iria surtar se soubesse que você é um anjo. Mas então, por que aquele demônio apareceu aqui?

      Matt novamente fez uma pausa longa antes de abrir a boca.

- Não posso lhe dizer também.

- Tá, então o que você pode me dizer?

- Nunca acredite na palavra de um demônio.

- Isso é o que todos dizem. Aí, anjos fazem sexo?

- Não. Isso não é algo necessário.

- Vocês não se reproduzem?

- Não. Fomos criados pelo Criador, apenas.

- Sexo vai além de reprodução. - cara, até parece que eu tô discutindo com a minha bisa. - Então, qual a sua missão comigo?

- Também não posso dizer.

- Nossa, que misterioso. Eu posso confiar você?

      Interrompi meu desenho para olha-lo, aquele anjo estava esplendoroso sob a luz da Lua, parecendo mais pálido do que já é e com o cabelo prateado, uma figura não muito humana se parassemos para observar. Minhas roupas nele realmente serviram bem, talvez tenham ficado um pouco mais largas, afinal eu faço caminhadas e treino um pouco, então tenho mais massa que ele.

- Sim. - seus olhos castanhos vieram ao meu encontro.

- Ah. - desviei para o céu e novamente a folha. - Não sei, não. Acho que anjos também não são confiáveis. Você nem me contou algumas coisas.

- Você acredita nas estrelas mesmo quando há o sol pelo dia?

- Claro, está provado que elas estão lá.

- Então pode confiar em um anjo.

- Tá, entendi. Então, como é o céu?

- Não posso dizer.

- Isso também? - ele afirmou silencioso. - Tá, então também não pode me falar como é a aparência de Deus.

- O Criador é tudo o que você vê e também o que não vê.

- Isso é muito vago, não tem uma aparência específica?

- Não.

- Ah, tá. - nós ficamos em silêncio antes que eu mesmo o quebrasse, não gosto de ficar muito tempo quieto quando não estou sozinho, me sinto na obrigação de conversar com a pessoa. - Você não pode voltar pro céu?

- Não.

- Você não tem mais as asas?

- Não.

- E aqueles anjos que caíram? Como vocês vão voltar sem asas?

- Ainda não temos a resposta.

- Nossa, eu ficaria desesperado. Anjos tem emoções?

- Não necessitamos.

- Vocês não choram, não ficam com raiva e nem se apaixonam?

- Tudo que precisamos é adorar o Criador, essas outras coisas atrapalham.

- Nossa, que triste. E por que vocês odeiam tanto os demônios?

- Não odiamos, eles apenas atrapalham nossas tarefas desviando vocês humanos.

- Que loucura.

- O que?

- Isso que você disse. Sei lá, é estranho, vocês não odeiam, mas estão sempre em combate.

- Porque vocês questionam tudo.

- Isso foi uma pergunta? - ele negou em silêncio. - Vocês não têm livre arbítrio?

      Matt que vinha me encarando desde então se desviou para o céu. Mesmo que ele dissesse que anjos não possuem emoções, eu acredito que eles apenas não as usaram ainda, pois sua expressão foi muito triste enquanto encarava o alto.

- Não. - finalmente ele respondeu.

      Eu não sei a razão para isso, mas eu precisava abraçá-lo. Deixei meus materiais na rocha e envolvi o anjo. Matt se assustou se inclinando para trás, mas não me empurrou, nem nada, ele só ficou parado. É estranho, ele é tão magro e sua pele fria, mas agora está um pouco quentinha.

      Como posso dizer? É como se houvesse uma energia emanando dele e essa energia é calma como a brisa da floresta ou como o som da chuva.

- Ah! Me desculpe por isso. - infelizmente me afastei dele, afinal, não é como se fossemos amigos. - Me desculpe se isso foi ruim para você, só achei que deveria... Você me pareceu triste.

- Não há problema.

      Depois disso eu voltei ao meu trabalho e ao finalizar o desenho, nós voltamos para casa. Minha avó havia adormecido no sofá. Eu não queria acorda-la então a peguei cuidadosamente e a levei para seu quarto, depois voltei para desligar a tv. Enquanto isso o anjo me seguia com seus olhos castanhos, marcantes em sua palidez.

- Então... Eu não sei se você sabe ou não, mas normalmente quando não se há um relacionamente entre... Seres vivos, eles não dormem juntos. - ele me olhou apenas. - Você entendeu?

- Sim.

- Certo, se importa de dormir num colchão inflável?

- Anjos não dormem.

- Mas você estava dormindo quando cheguei aqui.

- Estava recuperando minha graça que injetei para lhe purificar.

- Ah, então foi assim que eu voltei ao normal? - ele acenou em concordância. - Por que não fez isso antes?

- Estava esperando que você pudesse se livrar das tentações demoníacas sozinho, mas você é fraco. - fraco? - Além disso, quando usamos nossa graça ficamos vulneráveis, não podemos simplesmente dá-la para qualquer um.

      Eu quero chutar esse anjo pra fora! Como que eu fui me solidarizar com ele? Irritado eu peguei o colchão e coloquei no chão, tirei as cobertas e o travesseiro jogando na cama.

- Pra você encher isso aí é só mexer naquela válvula ali embaixo e apertar até ficar cheio de ar. Mas se não quiser dormir também, eu preciso. Boa noite anjinho.

Como Estrelas CadentesOnde histórias criam vida. Descubra agora