Início de um sonho

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     Mu Qing contou meia hora de atraso quando enfim avistou o amigo se aproximando. Tentou não pensar em como ficou preocupado, ou em como a luz do fim da tarde e a aura serena do parque lhe caiam bem.

— Achei que você finalmente tivesse sido abduzido por alienígenas. — deu uma mordida generosa em seu lanche, o olhar esperto praticamente brilhando em diversão.

— E eu achei que a porra do ônibus não ia atrasar, mas aqui estamos. — rebateu, enxugando o suor da testa com as costas da mão — Só deixa eu-

— Eu pedi o lanche por você. — estendeu-lhe o pacote sobresalente — Senta que a gente provavelmente vai demorar aqui.

     Feng Xin foi estranhamente cuidadoso ao pegar o lanche. Mu Qing percebeu uma mudança positiva nos olhos dele ao notar o conteúdo do pacote.

— Você acertou qual era ...

— Você pede a mesma coisa toda vez. — revirou os olhos, dando batidinhas ao seu lado no banco do parque — Vai. Temos um namoro de mentira p'ra planejar.

— Você não é minha mãe. — reclamou, obedecendo.

     Durante alguns segundos, eles apenas comeram, observando algumas pessoas andando de patins e outras fazendo piquenique.

     Aquele não era um parque especialmente movimentado, apesar da barraquinha de lanches em uma de suas estremidades ser considerada uma das melhores da região. Ele, Feng Xin e Xie Lian costumavam estender uma toalha na grama e estudar juntos para seus respectivos cursos da faculdade enquanto comiam. Posteriormente, Hua Cheng levou seu "Gege" ali para vários encontros.

— É melhor a gente falar que o nosso namoro é relativamente recente. — ponderou o platinado logo após engolir — Ia salvar a gente de muita coisa, tipo contato físico mais ... íntimo.

— É. Tipo ... tipo se beijar na frente de todo mundo.

— Ah, com certeza. Eu me recuso a perder o BV nesse teatrinho. — fez careta, e o outro também — Acho que dar as mãos e beijos no rosto são o suficiente. Vai ter muito homofóbico lá, então é melhor não arriscar tanto.

— Oh, então eu não devo deixar um chupão enorme bem no meio do seu pescoço? — brincou, recebendo um tapa estalado.

— Sem-vergonha.

— Mas acho que abraços também seriam uma boa. Quer dizer, namorados se abraçam.

— Se você pensar em apertar a minha bunda enquanto me abraça, você é um homem morto.

— Justo. — deu de ombros — E acho que não precisamos de anéis. Namorados recentes geralmente não têm.

Hmm. — mastigou vagarosamente enquanto pensava, engolindo para falar — Que história a gente vai inventar sobre como a gente começou a namorar?

— Vamos no básico: dia dos namorados, flores, essas coisas.

— Que genérico.

— É essa merda genérica que os meus pais acreditam que eu faria como pedido de namoro.

— ... É, você realmente faria um pedido brega no dia dos namorados.

— É, eu faria, mesmo.

     "Eu gostaria de receber um pedido de você. Mesmo sendo vergonhosamente brega."

     Mu Qing colocou o lanche quase inteiro na boca de uma vez para não sorrir.

     Todos os seus sentimentos sempre foram uma massaroca confusa, torta e difícil de entender. Foram precisos anos de terapia para se tornar um ser humano emocionalmente decente.

     No meio da enorme confusão que eram seus sentimentos, o amor que sentia por Feng Xin apareceu, concreto e impossível de ignorar.

     Mas Mu Qing preferia atear fogo em todos os seus bordados hiperrealistas a admitir isso em voz alta.

— Certo, eu supostamente te pedi em namoro pelo correio elegante da faculdade e a gente acabou tendo um fodendo encontro digno de comédias românticas de merda. — sorriu para si mesmo — Convincente o suficiente p'ra você?

Hmmm ... ok, amoreco. — zoou.

— Ei, eu queria ser o namorado dos apelidos bregas!

— Oh, você com certeza é, coração.

— Percebo, paixão.

— Que bom que concordamos, xuxuzinho.

— Tudo por você, raio de sol. Prometo ser o melhor namorado do mundo pro amor da minha vida.

— Desculpa, bebê, mas eu serei o melhor namorado do mundo.

— Não, não, tesouro. O meu neném não sabe ser carinhoso comigo ... — fez bico, um brilho divertido nas orbes cor-de-mel — Nem parece que me ama ...

— É um desafio, amor meu?

— Talvez seja, gatinho.

— Desafio aceito, luz do meu dia.

— Mal posso esperar, razão do meu viver.

     É, não importa quanto tempo passasse ou o quanto se importassem um com o outro, alfinetar e implicar era-lhes inevitável. Era uma "linguagem do amor" estranha, mas era uma estranheza deles.

     Mu Qing viu-se animado para a tal viagem, mesmo com todas as suas paranoias e medos.

Finge Que (NÃO) QuerOnde histórias criam vida. Descubra agora